Alguém já lhe disse que seu maior inimigo é você mesmo? Sabia que todas as batalhas que enfrentamos na Vida são travadas, sobretudo, contra aspectos de nós mesmos? Mas perceber isso é muito difícil, pois se trata de uma Verdade muito sutil. O escritor espanhol Yann Martel encontrou um jeito de tornar essa Verdade bem clara a partir de um romance, que depois foi adaptado para o cinema, com o título “As Aventuras de Pi”.
Além de premiadíssimo, o filme indicado onze vezes para o Oscar e vencedor dos prêmios de melhor diretor, melhor trilha sonora, melhor fotografia e melhores efeitos visuais, traz uma reflexão profunda sobre a Vida, a sobrevivência, a Fé, o ceticismo e a realidade.
Tudo começa quando o pai do jovem indiano Pi, que era dono de um zoológico na Índia, resolve tentar a vida no Canadá, levando consigo toda a família e todos os animais em um navio cargueiro. No entanto, quando estão em alto mar sofrem um violento naufrágio e todos morrem, exceto Pi que se agarra em um pequeno bote salva-vidas, junto a uma zebra e um orangotango.
Em dado momento, uma hiena que se debatia para não se afogar no mar, consegue invadir o bote e mata a zebra e o orangotango. Mas Pi consegue escapar, pois um tigre que estava no fundo do barco ataca a hiena furiosamente, e a mata. Por fim, só ficam no pequeno bote, Pi e o grande tigre, chamado de Richard Parker.
Tudo estava dando muito errado para Pi. De um momento para o outro, perde toda a família, o zoológico, os alimentos, tudo foi engolido pelo mar. E agora, sozinho, sem comida, sem água, em alto mar, perdido, com pouquíssimas chances de sobrevivência, a única coisa que o mantinha a salvo era o bote, mas ainda precisava disputá-lo com um animal selvagem, agressivo e perigoso que era o tigre de bengala. O que você faria se estivesse no lugar de Pi?
Já percebeu que na nossa Vida, às vezes, as coisas começam a dar muito errado, e parece que as únicas chances que temos estão comprometidas? Nesses momentos, temos duas opções: ou gastamos toda a nossa energia rejeitando as condições que estão postas; ou acolhemos e direcionamos as energias para administrá-las. Pi optou pela segunda alternativa, e foi por causa disso que ele, apesar de tudo, consegue sobreviver. Cada movimento de Pi, cada gesto, cada segundo é dedicado à sobrevivência. Ele tem que desenvolver técnicas para poder lidar com o tigre, pois sua Vida dependia disso. Tem que aprender a providenciar algum tipo de alimento, do contrário morreria de fome. Tem que aprender a controlar o medo, a ansiedade e o desespero. Para isso, precisa usar a mente, o raciocínio, mas também precisa da Intuição, dos Sentimentos, da Fé e da Religião.
Esse momento na Vida de Pi é um recorte da nossa própria Vida. Esse mar assustador, pronto para nos devorar é o plano da existência no qual estamos mergulhados. Viver é, em certa medida, navegar em alto mar. O tigre com o qual deve lidar o tempo todo representa uma parte de nós mesmos, a mais selvagem, que está pronta para nos devorar através dos nossos instintos, da preguiça, da inércia, das fantasias, das perversões, dos ciúmes, dos ataques de ira, do ódio e dos vícios de toda forma. Assim como Pi não podia abrir mão de estar alerta o tempo todo, de estar presente, nesta Vida nós também não podemos abrir mão disso, sob pena de sermos devorados. Pi, o personagem central desta história, assim como os heróis dos antigos mitos, é uma grande alegoria de nós mesmos.
Às vezes precisamos ser racionais e calculistas, mas em alguns aspectos da Vida, essa frieza e esse ceticismo não são suficientes para nos dar respostas, e aí precisamos ter Fé, Devoção, Intuição e Espiritualidade. Isso também aparece no filme, já que o pai de Pi era muito cético e a mãe muito religiosa. Com isso, em alguns momentos na sua experiência em controlar Richard Parker, o ceticismo do pai o ajudou muito. Mas em meio ao mar, sozinho e sem perspectiva sobre seu futuro, somente o ceticismo não seria capaz de manter Pi vivo, ele precisava também da Inspiração e da Religiosidade da mãe. Na altura em que nos encontramos na história da Humanidade, precisamos encontrar uma forma de unir as pontas da ciência e das religiões. Quando tomamos consciência do perigo em que nossa sociedade está mergulhada, não conseguimos mais ver sentido em antagonizar esses dois aspectos, precisamos juntá-los pelo Bem do Ser Humano. Precisamos da matéria, como precisamos do Espírito. Também não podemos ter o luxo de antagonizar as formas religiosas. No auge do filme, percebe-se que Pi reúne elementos das maiores religiões do mundo, do Islamismo, do Hinduísmo e do Cristianismo, porque nessas horas o que se busca é a síntese, a Unidade de Tudo, e não a disputa entre as partes.
Trata-se de um filme profundo, inspirador e muito necessário, pois fala da Vida, da sobrevivência, da condição Humana e dos diversos aspectos interiores que existem dentro de nós. No atual momento, todos precisamos despertar consciência de que é fundamentalmente necessário desenvolvermos o Autodomínio, a Inteligência e a Fé, elementos sem os quais seremos devorados por este “tigre” que nos ronda dia e noite.