Joana acordou às onze horas da manhã. Escovou os dentes, lavou o rosto, maquiou a face e… Voltou para a cama. Há algum tempo atrás, uma afirmação dessa nos assustaria pela falta de sentido. Mas hoje ela se torna perfeitamente comum se acrescentarmos uma informação a ela: Joana deitou, tirou uma selfie e postou nas redes sociais. A simples descrição dessa situação pode não ser objeto de nenhuma reflexão. Afinal, existe algum problema em postar uma foto usando o seu celular, a sua cama e o seu tempo livre?
É preciso ter um cuidado extra aqui e fazer uma advertência preventiva. Todas as linhas desse texto não têm a intenção de classificar pessoas, não queremos que você fique pensando “fulano tem esse problema”. O que queremos, como em todo o conteúdo do portal, é inspirar você a olhar para si mesmo. Então, antes de sair pensando naquela amiga para quem esse texto seria um ótimo “choque de realidade”, pense em suas próprias atitudes. Avalie como tem se comportado e se as reflexões aqui presentes são válidas para fazer você mudar algo. E só depois disso, compartilhe com todas as pessoas. E faça isso, não como uma forma de acusação, mas por querer compartilhar um conteúdo que te fez refletir. Dito isto, voltemos a Joana (nome fictício). Esse ato citado no exemplo acima se junta a tantos outros, de pessoas de todas as idades, gêneros e países… Várias pessoas vivem vidas fakes. Nas redes sociais apresentam-se como felizes, atléticas, serenas e amáveis. Na vida off-line sofrem, choram, sentem-se solitárias e são intolerantes.
As redes sociais inauguraram um novo ambiente de vivências. Nele, podemos selecionar o que vamos expor. E isso gerou em nós uma ideia perigosa: a de que podemos controlar a imagem que os outros têm sobre nós mesmos. Pergunte a si mesmo: como você gostaria de ser visto? Como alguém com defeitos, mal humorado, preconceituoso, intolerante, sexista? Desconfiamos que a grande maioria das pessoas prefere cultivar uma imagem de sucesso, felicidade, poder e autoconfiança. E desconfiamos ainda que, para alguns, isso leve a vivência de uma vida dupla. Com essa desconfiança em mente, basta acompanhar alguns perfis nas redes sociais para ver que não são poucas as pessoas com feeds repletos de sorrisos, “good vibes” e positividade, mesmo durante a quarentena.
Enquanto isso, o Brasil é considerado pela OMS o país mais estressado e ansioso do mundo e as taxas de depressão e suicídio correm risco de aumentar ainda mais por conta dos efeitos dessa pandemia. Essa conta não fecha: ou a ciência está muito errada, ou se trata de um indício de alcance do fenômeno da vida fake. Admitimos que a ciência já esteve errada muitas vezes ao longo da história, mas (como dissemos aqui) ainda temos motivos suficientes para acreditar nela. Assim, é prudente refletirmos um pouco: Será que estamos vivendo uma epidemia de “vidas de mentira” nas redes sociais?
A resposta para o questionamento acima é: provavelmente sim. As redes sociais estão cheias de projeções da vida que gostaríamos de ter. Em maior ou menor grau, todos passamos um filtro embelezador naquilo que postamos, na tentativa de influenciar a opinião pública. E esse estratagema não é novo. Antes da revolução da internet, as vidas fakes podiam ser conferidas nas páginas das revistas que “vendiam” a vida privada dos famosos. E no fundo, todos podiam ver impresso nos rostos deles que aquela representação de perfeição parecia um tanto falsa. Ainda assim, muitos se decepcionaram quando descobriram que as vidas e os corpos perfeitos eram só resultado de muito photoshop e da atuação de jornalistas-vendedores. Toda uma geração foi formada para desejar ser como aquele ator ou atriz de novela. E sejamos sinceros, qual de nós nunca sonhou em ter uma vida de artista? As redes sociais só democratizaram essa possibilidade. Com o ângulo e a luz certos e conseguindo viralizar um vídeo, todos podemos ser famosos.
Não se trata de demonizar as redes sociais, afinal de contas, é verdade que elas uniram pessoas distantes, geraram novos negócios, permitiram a integração de culturas. Mas por outro lado, elas “pariram” inúmeros novos problemas dentro da nossa sociedade. Então, voltemos a pergunta do início desse texto e acrescentemos mais uma. Qual o problema em postar uma foto usando o seu celular, a sua cama e o seu tempo livre? E qual o problema em espalhar uma imagem própria de felicidade?
A resposta a estas duas perguntas pode nos dar um ponto de partida para saber se estamos vivendo uma vida de mentira nas redes. Nós podemos respondê-las com outra pergunta: Você realmente gostaria de ser aquela pessoa que seus posts retratam? Imaginemos por um momento que sim. Todos nós queremos ser felizes, bem sucedidos e positivos. Então, vamos para mais uma pergunta: Você acha que vai conquistar esta Felicidade Verdadeira através do mundo virtual? Lembre-se que as redes sociais são apenas uma parte da Vida. A maior parte dela ocorre no que chamamos de Mundo Real. Ainda que comece no ambiente virtual, qualquer relação, para ser genuína, precisa se expressar na Vida Real. Então, se queres ser Feliz nos stories, sejas Feliz de Verdade.
Não parece mais natural que a rede social seja um reflexo da Vida Real? Então, queremos te fazer um convite. Ao invés de ser duas pessoas, uma na Vida Real e outra na virtual, por que não ser uma só? Essa falta de unidade causa tanto sofrimento que o esforço de viver duas vidas não vale a pena. Você fica ansioso para que as pessoas vejam como você se esforça para manter a forma física? Então, de verdade, se concentre em fazer as suas séries de abdominais. E se quiser compartilhar isso nas redes… Tudo bem. Mas se concentre mais em ser do que em parecer.
Ser duas pessoas dá muito trabalho. Você precisa vestir um personagem nas redes. Por exemplo, quando alguém lhe elogiar pela postura politicamente correta que você mostrou naquele textão (que na verdade você nem refletiu sobre o assunto e só repetiu os discursos da moda), você vai ter que continuar atuando nesse personagem. Assim que o mesmo tema entrar novamente no trending topics, as pessoas vão esperar de você a mesma postura. E, cada vez mais, você se torna mais refém do personagem que criou. O risco é de viver atormentado com medo de que as pessoas descubram que você continua Humano e cheio de defeitos. E isso sempre acontece, em uma hora ou outra, elas irão descobrir.
Como vemos, o verdadeiro desafio não é somente deixar de viver uma Vida de mentiras nas redes sociais, mas buscar cada vez mais ser o mesmo em qualquer ambiente. Então, avisa isso para a “Joana” que mora dentro de você.