Você já ouviu falar da arte gótica? Talvez este nome lhe remeta a um grupo de jovens vestidos de preto e com maquiagem pesada que escuta rock, porém, não é necessariamente disso a que estamos nos referindo. Apesar de no mundo atual a palavra “gótico” se referir a essa subcultura derivada do mundo da música, a arte gótica é, em verdade, um dos principais movimentos da Europa Medieval, responsável pela arquitetura de grande parte das catedrais europeias. Mas como esse estilo de arquitetura medieval se tornou sinônimo de um estilo de música e uma verdadeira tribo urbana? Qual a ligação entre eles?
Para entendermos essa relação, é preciso, inicialmente, compreendermos as características do estilo gótico, assim faremos um paralelo com o estilo de vida cultivado por essas pessoas. Dito isso, vamos voltar no tempo, até o período do fim do Império Romano, e entender a origem desse termo. Visto isso, é preciso entender que a origem da palavra gótico vem de “Godos”, um dos mais antigos povos germânicos e que, no século V d.C., invadiram o Império Romano. Os Godos eram considerados bárbaros pelo Império Romano, mas esse não era um termo pejorativo como usamos hoje. Naquela época, um “bárbaro” nada mais era do que alguém que não falava latim, a língua oficial de todo o Império. Os Godos, assim como os demais povos germânicos, possuíam sua própria cultura, técnicas de construção, arte e religião, elementos que os caracterizavam como uma civilização.
Assim, qual a relação dos Godos e a arte gótica? Na verdade, esse termo, segundo os historiadores, foi utilizado pela primeira vez por Giorgio Vasari, o fundador da História da Arte, que se referia a um tipo de arte muito obscura e negativa da Baixa Idade Média, que, de tão contrária ao estilo clássico, lembrava a postura dos bárbaros que destruíram o Império Romano. Porém, na prática, esses povos germânicos nunca tiveram relação direta com a arte gótica. O termo, portanto, era utilizado mais uma vez, assim como o termo “bárbaro” para diferenciar dois tipos de artes bem distintas.
E quando se popularizou esse tipo de expressão artística? Como já falamos, a Idade Média foi o ponto máximo de expressão desse tipo de arte, principalmente pela construção de igrejas e catedrais neste formato. Vale lembrar que, dado o momento histórico, a arquitetura gótica foi uma busca da expressão de Deus como o centro do mundo, por isso, as principais referências dessa arquitetura eram as igrejas, as catedrais, as basílicas e os mosteiros. Apesar de sua maior expressão estar nas construções, há também arte gótica na pintura, na literatura e as artes plásticas, que também seguiram esse movimento, centrando-se nos temas sacros.
Quando se fala de “arte gótica”, rapidamente a associamos à Igreja e temas cristãos, logo, pensamos que todo esse tipo de arte é apenas uma forma de expressão da fé medieval. Entretanto, devemos compreender que esta era a mentalidade da época, um momento histórico em que a religião era o centro de toda atividade humana, e “Deus” era o principal tema. Imperava, portanto, uma perspectiva religiosa do mundo, e por isso quase todas as obras estão ligadas a esse tema. Veremos como suas características perpassam o aspecto religioso mais adiante. Porém, se você ficou interessado por esse assunto recomendamos a leitura do texto “A construção e a importância da arquitetura das catedrais ao longo da história”, que está em nosso portal.
Após a Idade Média, com o avanço das ideias iluministas, que eram a antítese da religiosidade medieval, os valores da racionalidade, do materialismo e do empirismo ganharam o centro da pauta nas questões sociais. Porém, como nenhum dos extremos traz o equilíbrio, por volta do século XVIII, com tanta lógica fria e tanto cientificismo, a sociedade já sentia uma “secura na Alma”. É nesse contexto que surge o movimento do Romantismo, em oposição ao Iluminismo. Mais uma vez, o termo gótico seria usado para designar uma parcela da literatura romântica que tinha como objetivo se posicionar contra os valores racionalistas e materialistas da sociedade.
Desse modo, podemos perceber que a cultura gótica não é algo estático, preso nas correntes medievais, mas sim se espalha como o vento que sopra pela História. É interessante percebermos essa dicotomia entre o passado estático, fixo, representado pelas catedrais, e a influência que esse momento histórico causa nas gerações vindouras, e como estes elementos são usados para construir um novo presente. Assim, mesmo que provavelmente não tenhamos mais catedrais góticas sendo construídas em nossas cidades, as ideias e características desse movimento estão presentes bem à nossa porta todos os dias, seja enquanto caminhamos em um shopping, quando escutamos uma música ou mesmo quando nos deparamos com um jovem moderno que se intitula um “gótico”.
Agora que sabemos um pouco mais sobre a arte gótica e a forma como ela pode inspirar outros movimentos na sociedade, nos cabe a pergunta que não quer calar: qual a relação desse tipo de arte com o movimento gótico atual? Por que, afinal, esses jovens vestidos de preto e com roupas customizadas e maquiagens pesadas, a exemplo dos grupos denominados de Emos e Punks, adotaram esse nome? Uma das respostas mais evidentes é justamente as características que a arte gótica transmite (não, não estamos falando das temáticas religiosas).
Como já apontamos no começo do texto, uma das principais marcas da arte gótica é o seu “peso”, mais precisamente o impacto que a obra causa em quem a vê, transmitindo assim um choque ao espectador. Se você já viu, mesmo que por foto, uma catedral gótica, entenderá bem esse impacto, afinal, essas obras magnânimas impressionam pelo seu tamanho, detalhes e perfeição. Assim, esse elemento visual que choca, aliado a ideia de uma arte “pessimista” – pois, devido ao seu tamanho, a iluminação natural das catedrais é muito baixa, tornando o ambiente escuro e introspectivo –, foi usado pela subcultura gótica. Devido às semelhanças, essa tribo urbana passou não somente a adotar o nome, mas também a ressaltar ainda mais tais características na sua forma de vestir e no seu comportamento.
Vale lembrar que o momento histórico em que essa subcultura nasce é justamente a transição entre os anos 1970 e 1980, um período de contestação e experimentação na juventude. Assim, a rebeldia do jovem desse período, marcado pela cultura hippie que pregava a paz e o amor, é contrastado pelo pessimismo e pela revolta dos góticos, voltados em seu próprio individualismo. Desse modo, cria-se uma cultura de opostos e que se reflete em todos os demais campos: nas roupas, nos cabelos, nas músicas e no comportamento.
Apesar desses apontamentos, não é nossa tarefa julgar a maneira como cada pessoa vive e se comporta, desde que estes não afetem o coletivo. Considerando esse fator, o fato de os góticos modernos desenvolverem um aspecto pessimista diante da vida é, em grande medida, um reflexo da própria realidade em que estamos inseridos. Entretanto, essa subcultura nos prova o valor atemporal da arte gótica. Desse modo, podemos perceber como a cultura gótica nos deixa um legado não apenas material, objetivado nas suas construções e arte propriamente dita, mas também uma referência para as gerações futuras. Vale destacar também que é evidente que os góticos atuais não representam a temática medieval, nem muito menos expressam em sua forma os valores cristãos desenvolvidos no medievo, mas incutem em si os aspectos externos dessa arte tão valorosa para a humanidade. Mais do que uma referência, a arte gótica deixou uma marca indelével na história da humanidade, tanto pelas proezas técnicas desenvolvidas pelos arquitetos da época para elevar construções tão altas e refinadas, quanto por marcar uma mentalidade. Assim, mais do que um santuário, as catedrais góticas – e seu estilo – guardam a memória da humanidade, de um tempo que não pode retornar, mas que seus efeitos podem ser sentidos ainda hoje.