Vivemos em um mundo onde parece difícil lidar com a realidade dos fatos, principalmente se não fomos educados psicologicamente para entender a profundidade da Vida, suas causas e consequências. É comum hoje em dia observarmos pessoas buscando uma fuga da sua realidade, seja através de sensações (se colocando em situações de risco para sentir mais e mais adrenalina), seja através de drogas, viagens para lugares que lhe façam esquecer dos problemas, ou também através daquilo que podemos chamar de fantasia – sonhos que nunca buscamos concretizar. O mundo dos sonhos e suas possibilidades de distorção da realidade, do que pensamos e sentimos, é o mote do filme “A Origem”, The Inception, em inglês.
Lançado em 2010, este filme do aclamado diretor Christopher Nolan, com Leonardo DiCaprio e grande elenco, passa-se numa realidade em que a tecnologia e a ciência já se desenvolveram suficientemente para ser possível não só invadir os sonhos, o inconsciente de uma pessoa enquanto ela dorme, mas também retirar uma informação confidencial dela.
Dom Cobb, personagem de DiCaprio, o mais hábil invasor de mentes desta época, é contratado por pessoas poderosas para roubar os segredos de empresários e autoridades enquanto eles sonham. Apesar de ser reconheido dentro deste mercado, ele está afastado de suas atividades por estar sendo perseguido pelas acusações de assassinato de sua esposa, o que o afasta dos seus filhos e do seu lar. Neste contexto, Saito, um poderoso empresário japonês, oferece a Cobb uma chance de redenção, caso consiga fazer algo inusitado e perigoso. Dom era acostumado a usar todas as suas habilidades de invadir o sonho das pessoas para extrair informações de lá. Agora ele precisará fazer o inverso. Ele deve inserir uma ideia na mente de um concorrente de Saito, criando situações e plantando memórias falsas em sua mente durante o sonho, a fim de fazê-lo ter vontade de vender parte da empresa de sua família.
Achamos que isto é coisa de filme, mas mesmo sem todo esse maquinário e tecnologia vistos em “A Origem”, precisamos refletir: quantas ideias de fato são nossas? Num mundo de fake news, manipulação, massificação do Ser Humano, em quais situações realmente conseguimos pensar por contra própria? Conseguimos mesmo ouvir, ler, contemplar algum fato da Vida através do nosso próprio discernimento, ou existe, muitas vezes, uma semente plantada por uma outra pessoa, uma ideia ali colocada no fundo do nosso inconsciente que nos faz esquecer realmente o que acreditamos, quais nossos Valores, qual a importância das nossas ações?
Parece que o diretor nos lembra, através desta inserção de ideias mostrada no filme, como podemos não estar pensando por conta própria e o quanto isso é prejudicial, para nós mesmos e para toda a sociedade. Este não é um tema novo na história da Humanidade. Se lembrarmos do filósofo Platão e do importante Mito da Caverna, perceberemos que há 2.500 anos aproximadamente, este sábio grego já nos dizia o quanto estamos acorrentados naquilo que achamos ser a realidade, simplesmente porque é o que nos foi apresentado desde sempre, e o quanto existe a possibilidade de outras pessoas nos manipularem utilizando as nossas crenças.
Preso a sua tragédia familiar, Cobb vive uma existência dupla, parte no mundo real e parte em seus próprios sonhos, onde conversa com a projeção de sua esposa morta. Para diferenciar a realidade do sonho, ele carrega consigo um totem, um objeto pessoal com características muito particulares, um pião de madeira que anteriormente pertencia a sua esposa. No mundo real, Cobb é capaz de perceber que não está sonhando se seu pião parar de girar. Percebemos que durante todo o filme são inúmeras as vezes em que ele se pergunta sobre a realidade daquilo que está acontecendo. Ele se envolveu tanto com ilusões e manipulações, que já não sabia mais discernir tão bem sobre a realidade da sua própria Vida.
Na última cena do filme, vemos Cobb, depois de toda uma jornada, livre da perseguição policial, tendo superado a morte da esposa e vivendo novamente com os filhos, em uma casa de campo. Mas o pião que ele deixou girando sobre a mesa não nos diz se a cena era sonho ou realidade. Um final aberto para que o diretor Christopher Nolan nos indique que, para o personagem de DiCaprio, já não mais importava, desde que pudesse estar com os filhos.
Mas será que a realidade não importa? É melhor viver a ilusão de uma vida perfeita do que encarar as durezas do mundo real? Mesmo que seja difícil lidar com alguns fatos da vida, todos nós já tivemos uma experiência que, quando superada, nos tornou mais Humanos e mais realizados, uma experiência que nos fez encarar a vida com outro olhar, nos fez crescer e nos fez contribuir melhor com a vida das pessoas. Admiramos Seres Humanos que também fizeram isso, como um Mandela, um Gandhi, uma Madre Teresa ou uma Joana D’Arc. Ao observá-los, nossos olhos ficam marejados, nossos corações cheios, pois percebemos ali um Ser Humano em sua plenitude, uma Bondade, uma Coragem, uma Honestidade.
Há algo em nós que vibra e reconhece o Valor das dificuldades, mas elas precisam ser superadas em prol daquilo que há de melhor em nós, as Virtudes. Por que abandonar nossa própria história, nossas próprias experiências, mesmo que dolorosas, para viver um mundo que não é real e que não nos realizará como Seres Humanos? Viver no mundo dos sonhos, fantasiar sobre o que gostaríamos que fosse a Vida, não é de fato Viver, não é assim que enfrentamos nossos medos e traumas, não é assim que conseguiremos ir além de nós mesmos. E o pior de tudo, esta atitude é muito egoísta pois não contribui para melhorar a vida de ninguém. Isso é o mesmo que sucumbir à dor, ao medo e ao caos que se estabelece. Se todos fugíssemos para nossas ilusões, o que seria do mundo? Quem atuaria no mundo? Quem construiria um mundo melhor? Viver no mundo das fantasias é somente sobreviver. E nós, como Seres Humanos, precisamos ir além disso, por nós e pela Humanidade.