Todos os seres buscam manter-se vivos. Esse é um mecanismo natural que chamamos de instinto de sobrevivência, ou de preservação. Sentir fome, por exemplo, é uma expressão desse instinto, pois, caso nosso corpo não nos avisasse sobre a necessidade de alimentar-se, seria provável morrermos de inanição. Do mesmo modo, ocorre com os animais que caçam e procuram alimentos por causa desse instinto, e as plantas que buscam sempre o sol, fonte vital para seu processo de fotossíntese. A constatação dessa lei natural, ou seja, da manutenção dos sistemas, causou forte impacto no hinduísmo. Tanto que um dos seus principais Deuses, Vishnu, tem como atributo a preservação e manutenção do Universo. Junto com Brahma (a criação) e Shiva (a destruição), forma-se a principal tríade da cosmogonia Hindu. Mas vamos por partes.
Primeiramente, devemos entender a lógica da religião Hindu e o papel de seus Deuses. Na concepção do hinduísmo o Universo toma forma a partir de três forças primordiais, atribuídas aos Deuses que já citamos. Inicialmente o Universo seria criado por Brahma, que traz Vida a todas as formas existentes a partir da sua respiração. Após a criação, Vishnu estaria incumbido de manter o Universo em funcionamento, preservando-o. Completando a tríade temos Shiva, o Deus da destruição. Ele é o responsável por destruir as formas gastas para o surgimento de uma nova etapa. Esses três elementos (criação, manutenção e destruição) compõe todos os fenômenos da Natureza. A Vida, se observarmos bem, é composta de ciclos. Todos os dias, por exemplo, o sol nasce, chega ao auge e, aos poucos, se põe, dando lugar a noite. A tríade Hindu, podemos refletir, não é uma criação aleatória dos homens do passado, mas sim fruto de uma profunda investigação da Natureza e suas leis, sendo esses Deuses a síntese desse pensamento. Suas constatações foram tão relevantes que ainda hoje, ao estudarmos suas representações, poderemos compreender processos que ocorrem no Universo e as suas Leis Naturais. Poderíamos, certamente, passar horas refletindo sobre os símbolos e representações dessas divindades, mas hoje nos concentraremos no Deus Vishnu e refletiremos sobre a ideia de preservação.
Vishnu geralmente é representado como um homem de coloração azul. Por vezes está em pé, outras sentado em uma flor de lótus, possui quatro braços e segura, em cada uma das mãos, elementos que simbolizam os seus atributos. São eles: a concha, a qual simboliza os elementos primordiais do Universo (terra, água, ar, fogo e éter); o disco, que representa o controle dos sentimentos e é utilizado para cortar a cabeça dos demônios, inimigos do Deus; a clava, representando a força física do mundo manifestado; e a flor de lótus, símbolo da Pureza na civilização Hindu. Além desses elementos, Vishnu é representado, por vezes, flutuando acima das ondas (símbolo da materialidade) ou montado em Garuda, uma águia mitológica que o transporta.
Como mantenedor do Universo, conta a mitologia Hindu que Vishnu encarna quando o mundo está próximo de um grande mal. O Deus já teria vindo a terra por nove vezes ao longo da sua criação, em forma de animais e também de homens. Uma das encarnações de Vishnu mais conhecida seria a de Rama, o lendário arqueiro e protagonista do épico Ramayana, um dos grandes livros da Humanidade. No épico, Rama deve enfrentar e derrotar o demônio Ravana, que nenhuma divindade era capaz de matar. Vishnu, observando a ameaça que Ravana representava, desce ao mundo em uma forma Humana, o príncipe Rama, e trava uma batalha pela preservação da Vida. Segundo o hinduísmo, Sidharta Gautama, o Buda, também foi uma encarnação do Deus Vishnu e sua função teria sido a de recolocar a Humanidade no caminho do seu Dharma, sendo uma luz em meio a escuridão.
Porém, é provável que a encarnação mais conhecida de Vishnu, principalmente para os Hindus, seja a de Krishna, o eterno mestre que auxilia o príncipe Arjuna no épico Bhagavad Gita, e passa seus ensinamentos para o discípulo. De forma sintética, podemos falar que o Bhagavad Gita contém os principais ensinamentos do hinduísmo, sendo um dos livros mais importantes da cultura Hindu. O livro conta a história de uma guerra entre primos pelo controle de uma cidade, Hastinapura. De um lado estariam os Kuravas, que simbolicamente representam os defeitos e deformações do Ser Humano. Do lado oposto estariam os Pandavas, representando as Virtudes e Potencialidades da essência do Ser Humano. Nessa contenda entre defeitos e virtudes, Krishna é o mestre que guia Arjuna e o encoraja a combater. O que podemos observar é que, em todos esses episódios das narrativas hindus, a função de Vishnu sempre é a de preservar a Essência Humana, de maneira que nós não esqueçamos qual o nosso destino, ou o nosso Dharma. Tal como um pai que custodia o crescimento dos filhos, Vishnu segue cuidando da Humanidade e garantindo que esta não se perca em meio a ignorância e o materialismo.
Por mais que essa seja uma linguagem, em essência, religiosa e que não nos identifiquemos muito, deveríamos refletir sobre as ideias que o Deus Vishnu representa. Como vimos, a Natureza, em seus diversos aspectos, tende a se preservar. A ideia de preservação está exposta nos nossos instintos e, objetivamente, em nossa maneira de lidar com os objetos ao nosso redor. Se compramos um celular, por exemplo, não zelamos para que ele continue cumprindo sua função? Naturalmente cuidamos para que esse objeto seja preservado e possa ser útil o máximo de tempo possível. Do mesmo modo, fazemos com nossas roupas, carros e, certamente, com o nosso próprio corpo físico.
Observando por esse ângulo podemos perceber, então, que a todo momento podemos compreender a ideia de Vishnu. Não apenas no sentido de manter as formas, mas também no sentido de que esse é um processo natural dentro da nossa existência. Tão natural como, em algum momento, a destruição daquilo que tentamos manter. Uma hora, querendo ou não, nossos celulares irão quebrar e precisarão ser trocados, assim como as roupas, os carros e até mesmo nós. Tudo que existe, invariavelmente, uma hora deixará de existir. E assim se encerra o ciclo do Universo, no qual Criação, Preservação e Destruição dançam e giram dentro do tempo.