Curta “Canvas”: A Vida e suas cores

A  vida é cíclica. Uma afirmação um tanto quanto óbvia. Nós até sabemos disso, mas às vezes o óbvio precisa ser dito, ou escrito. Há momentos de inspiração e outros de expiração, de vida e de morte, de alegria e de tristeza. Todo esse jogo de opostos compõe a vida natural, e o ser humano, como parte integrada da Natureza, também está sujeito a essas Leis. Em alguns momentos, desejamos que isso não seja verdade, porém essa é uma resistência fadada ao fracasso, visto que as Leis da Natureza continuarão a atuar, independente das nossas opiniões. 

Partindo desta percepção, o que pode nos fazer superar um ciclo “ruim”? Momentos em que nossa vida parece esvair-se por nossos dedos e que a alegria e todo o ânimo diário desaparecem, sobrando apenas uma triste melancolia que nos acompanha do despertar ao adormecer? Para essas respostas não há uma receita, afinal, cada ser humano é um indivíduo dotado de preferências e especificidades, entretanto, é fato que alguns caminhos podem ser indicados para nos ajudar na travessia destas terríveis tempestades que assolam nossa alma.

Encontrar alguma atividade física, uma boa conversa ou mesmo um novo hobbie, pode ser um grande aliado para nos colocar em marcha para um novo ciclo. Se a todo momento a Natureza busca a renovação, destruindo velhas formas e construindo algo novo, por que não podemos fazer o mesmo? Recomeçar projetos abandonados, reviver amizades ou começar novas, tudo isso é um passo importante a ser dado quando desejamos sair de um momento negativo. Foi pensando nisso que hoje indicamos o curta-metragem “Canvas”, que está na Netflix desde 2020. Nessa película acompanhamos um vovozinho que há muito tempo só observa suas tintas e a tela em branco, pois não consegue mais pintar desde que perdeu sua principal fonte de inspiração.

O trailer nos mostra uma síntese de como tem sido a vida deste senhor desde que sua inspiração se foi: em sua cadeira de rodas, o idoso é colocado diante de uma tela coberta por um pano. Seu rosto triste nos faz perceber que há muito aquele projeto fora abandonado, mas que agora é a hora de voltar a colorir a vida com novas cores. Como sabemos, a inspiração para um artista é uma chave-mestra do seu trabalho, capaz de abrir as portas da imaginação e da criatividade. Quando a perde, o artista deixa de produzir ou o faz de maneira mecânica, o que não permite colocar sua arte de forma plena em suas telas, músicas ou poesias.

Sendo assim, para todo artista, desde os grandes mestres da Arte até os mais tímidos, é sempre importante ter algo que lhe inspire. Todo artista expressa aquilo que sente do mundo, mas sua inspiração pode vir de diferentes formas: uma pessoa que sempre o ajuda, uma ideia que lhe ataca a mente e ilumina sua alma, uma situação boa ou ruim que lhe ocorre. Os caminhos são diversos, multifacetados e, em geral, são únicos. Nenhum artista tem a mesma inspiração que o outro, mas todos sentem esse poder transcendente que os transforma em verdadeiras pontes, que ligam a humanidade aos mais sublimes ideais. 

Não podemos subestimar a importância desta ideia. O senso comum, muitas vezes, enxerga a arte como algo “a mais” na vida humana, algo quase desnecessário, mas que definitivamente não tem uma importância vital. De fato, biologicamente falando, nunca vamos morrer por não termos pintado um quadro, feito uma música ou deixado de ver um filme. Porém, nossa alma necessita muito mais do que alimentos físicos, como pão e água. Nossa alma precisa de ideias, sentimentos, experiências, formas de sentir e perceber o mundo, a vida e tudo que nos cerca. A Vida Humana, com “V” e “H” maiúsculo, precisa de completude, e esse sentimento só pode ser preenchido estabelecendo conexão com esses aspectos invisíveis e abstratos, que estão presentes ao nosso redor.

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Ao longo dos 9 minutos do curta, ilustrado belissimamente, traduz-se toda dor desse senhor ao olhar para aquilo que antes lhe trazia tanta alegria: a pintura, as cores, a representação das paisagens e das pessoas que amava, agora guardadas em um quarto escuro e esquecido do seu lar. O que antes lhe o inspirava à Vida, agora estava trancado e esquecido nos porões da memória, e o presente se torna vazio e cinza. Vamos torcendo, ao longo da trama, para que ele recupere o Amor pela pintura, mas de alguma forma nos sentimos desesperançosos diante de tamanha dor nas suas expressões e da hesitação do contato com o cavalete vazio. Nos parece, nos poucos minutos que a história ocorre, que o velho artista apenas aguarda a hora de seu fim, que não há mais esperança em seu peito e que a Vida lhe abandonou. Seus olhos não brilham, seu rosto não transmite serenidade nem confiança. A Vida, sob essa perspectiva, perde toda graça e sentido.

Por vezes, nos sentimos assim, e talvez seja essa semelhança que nos faça criar tanta empatia com o velho artista. Nos sentimos sozinhos, desesperançosos e sem inspiração, pois também passamos por ciclos negativos. Essa Lei da Natureza opera em nós uma sensação de desânimo e desconforto, e quando não sabemos lidar com essa situação, esperamos passivamente que ela desapareça, como em um passe de mágica. Infelizmente, isso não ocorre, pois é preciso colocar-se em movimento para fazer a roda da Vida girar e nos transportar para um novo momento.

Quando sua filha e neta aparecem na história, a esperança na superação reacende o espírito do artista. Graças à Pureza e à Doçura da neta, as antigas amarras que paralisaram o nosso protagonista vão sendo desatadas, dando lugar a um momento de renovação e beleza da própria Vida. Assim, o que começa com uma negativa de sequer olhar o desenho da neta, torna-se, aos poucos, um convite à criação das suas próprias Artes.  

É através do olhar de uma criança que o avô consegue entrar em contato com o acontecimento do passado que lhe causou tanta dor, extraindo aquilo que é importante, o que fica de todos os momentos da Vida – o Amor. Mesmo que a morte venha para as pessoas que amamos, é sempre bom nos lembrarmos que o Amor é o que sempre nos unirá a elas. E assim, ciente desse elevado sentimento que perdura para além da nossa existência, ele se permite novamente viver de corpo e alma o presente. O passado já não é mais um tormento, uma pedra que bloqueia o caminho, mas se torna um rio que segue a passar e nos leva em direção ao mar. Fazer as pazes com o nosso passado, ou seja, com algum evento traumático e que nos tirou da nossa jornada, é fundamental se queremos nos renovar. Assim como a primavera, a estação das flores, que derrete as camadas de gelo e manda embora o frio invernal para abrir espaço para um novo momento da Natureza, precisamos também abandonar os ventos frios do passado, as camadas de memórias e traumas que impedem a semente da renovação de florescer no nosso peito.

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Quantas vezes na Vida precisamos ter essas Virtudes tão evidentes nas crianças – Pureza, Sensibilidade, presença de corpo e alma e uma certa dose de aventura que faz com que tudo tenha cor e alegria, com que tudo seja uma nova descoberta – para continuarmos superando as adversidades da Vida? Quantas vezes não ficamos imersos num problema e alguém com outra visão nos mostra novas possibilidades de enxergá-lo? E, aquilo que trazia dor, pode trazer alegria, como as cores numa tela, que, dependendo da luz, variam de uma tonalidade escura e sombria para outra, clara e luminosa. 

Dessa maneira, percebemos o curta “Canvas” como uma grande pintura, bela e sensível, que ensina sobre como lidar com a dor e aprender a viver com Plenitude e Gratidão o que a Vida nos dá no momento presente.

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