Filme “Procura-se um Amigo para o Fim do Mundo”: O Que o Amor Pode Revelar Quando o Tempo Se Esgota

Há filmes que falam sobre o fim do mundo como espetáculo, cheio de explosões, catástrofes e heróis que salvam a Terra por um triz. No momento em que tudo estava prestes a acabar, salva-se o planeta com uma manobra inimaginável e, no fim, seguimos vivos. Porém, há outros filmes em que usa-se a mesma temática para explorar um dos maiores medos da humanidade: o medo da extinção. “Procura-se um Amigo para o Fim do Mundo” é um desses filmes. Dirigido por Lorene Scafaria, o longa vai na contra mão de uma história com um final épico e trata o tema com sobriedade, ironia e, ao mesmo tempo, profundidade. 

capa do filme Procura-se um Amigo para o Fim do Mundo

Ao invés de atos heroicos, nos deparamos com personagens humanos, demasiadamente humanos, que tentam viver seus últimos momentos com base no que cultivaram ao longo da vida. No entanto, aqueles que passaram uma existência represando desejos e vontades, libertam todos os seus instintos e vivem o caos; outros, amargurados com a vida que levaram, não esperam a chegada do fim e se antecipam; há ainda aqueles que, em meio ao mundo que está prestes a ruir, decidem reviver os seus verdadeiros afetos por perceberem que, ao se depararem com a própria mortalidade, nada mais importa, a não ser aquilo que realmente amamos.

É nesse tom de ternura e humor que toda a trama do filme é desenrolada. Afinal, o que fazer quando o fim é certo e não há mais nada a ser salvo? Essa pergunta, que poderia ser o ponto de partida para o desespero, aqui se torna o convite para uma redescoberta sobre si mesmo, seus valores e o que, de fato, se mostra importante. O filme transforma o apocalipse em um reflexo das nossas relações, das nossas solidões e daquilo que realmente importa quando o tempo se esgota.

Ao invés de focar no colapso, algo comum nos filmes que tratam dessa temática, o longa aposta no ser humano e mergulha no íntimo das pessoas. Ela nos convida a observar a delicadeza dos gestos, os laços improváveis que são formados e reafirmados ao buscarem um afeto sincero diante do cenário irreversível em que se encontram. É nesse espaço entre o cômico e o trágico que o filme se revela não como uma história sobre o fim, mas sobre o reencontro com o humano.

O que fazer diante do fim?

Logo nos primeiros minutos, o filme estabelece seu tom singular. Um anúncio no rádio informa que um meteoro colidirá com a Terra em poucas semanas. A humanidade recebeu a sentença e não há salvação. A partir daí, o roteiro nos mostra reações que oscilam entre o absurdo e a apatia. Pessoas continuam indo ao trabalho, jantando em restaurantes, discutindo banalidades. Essa normalidade diante do colapso revela o quanto nos acostumamos a negar o essencial. Mesmo diante do abismo, insistimos em fingir controle.

O filme naturalmente nos leva a questionar o que faríamos nesse cenário. Será que deixaríamos nossos instintos se libertarem e todo desejo poderia ser validado, afinal, não haverá um amanhã? Ou continuaríamos a viver da mesma maneira, indo para o trabalho, encarando o trânsito diário e se aborrecendo pelas mesmas questões? Diante do fim, cada um tiraria de si o que tem, revelando assim quais foram as sementes que cultivou ao longo da existência.

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Além disso, o filme retrata como uma sociedade que, mesmo diante do fim, não sabe o que sentir. O medo se mistura à indiferença, e o desejo de conexão se choca com o isolamento. Esse é o cenário em que a humanidade moderna se encontra, cercada de tecnologia e distrações ao ponto de não saber diferenciar o que é estar realmente conectado com os outros ou não.

Essas relações ficam ainda mais explícitas quando adentramos na realidade dos personagens do filme. Comecemos falando do protagonista, Dodge (interpretado por Steve Carell), que é um homem comum, no sentido mais objetivo dessa palavra. Sua vida é uma sequência de dias sem cor, não há nada de extraordinário em sua composição, ele tem desejos e medos extremamente humanos. Talvez por isso o público se identifique rapidamente com ele, pois suas rotina e vivência, marcadas por traumas, ressentimentos e necessidade de afeto, são muito próximas do que todos nós vivemos. 

Quando sua companheira o abandona, por exemplo, após o anúncio do meteoro, ele se vê completamente só. Mas, curiosamente, o abandono é o que o liberta, pois, ao perder tudo, ele começa a enxergar a vida que o cercava. O trauma do término e o medo pelo fim do mundo o fazem perceber o real valor de viver, que não está no dinheiro que se ganha, nos cargos que ocupamos, muito menos nos bens materiais que tanto nos esforçamos para adquirir, mas sim no afeto.

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A jornada de Dodge é única. Ele não busca ser um herói, nem espera por milagres; ele busca, no fundo, encontrar o sentido de estar vivo. É o retrato do homem contemporâneo, acostumado à rotina, que só desperta quando percebe que o tempo acabou.

Já Penny (Keira Knightley), por outro lado, é o oposto do comum Dodge e, ao mesmo tempo, também muito parecida com o protagonista. Demasiadamente emocional, sua vida pode ser definida como um completo caos. Há nela uma urgência por experiências; porém, isso é um dos reflexos de alguém que viveu desconectada do que ama e agora tenta desesperadamente se reconectar antes que seja tarde demais. No fim, ela deseja sentir algo verdadeiro, mesmo que dure pouco.

Quando Dodge e Penny se encontram, o filme deixa de ser uma história sobre o fim do mundo e se torna uma história sobre o começo do amor. Eles são duas metades perdidas que se completam no instante em que a humanidade inteira parece ruir. O que os une, ironicamente, não é o medo do fim, mas o desejo de viver plenamente o que resta. Essa escolha é o gesto mais revolucionário que o filme propõe, pois o afeto não trata de uma questão de tempo, nem mesmo de intensidade, mas de se deixar sentir verdadeiramente o que se quer.

Quando Dodge e Penny decidem pegar a estrada juntos, o filme muda de tom. O cenário urbano, marcado por indiferença e ruínas de uma civilização em colapso, dá lugar à estrada, um símbolo clássico do cinema e da literatura como espaço de mudança e revelação. É na estrada que encontramos quem somos, pois o caminho revela nossa essência e é o meio que nos faz chegar ao destino. É bom ressaltar que essa jornada não é apenas física, mas também espiritual. A cada quilômetro percorrido, eles se despem das convenções, das culpas e principalmente das máscaras sociais. Não se percorre mais a estrada para fugir do mundo, mas para encontrar um significado.

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Enquanto muitos personagens no filme se entregam à inércia, ao desespero e simplesmente abrem mão de si mesmos, Dodge e Penny não se entregam ao medo e seguem em frente. Esse simples ato representa muito mais do que uma questão de se manter em movimento, pois revela a verdadeira face da humanidade: apesar dos dilemas e desafios, eles seguem em frente e vivem, enquanto podem, buscando compreender seu sentido de vida.

Observando por essa perspectiva, “Procura-se um Amigo para o Fim do Mundo” nos mostra que viver é seguir caminhando mesmo quando o destino final é o mesmo para todos. A jornada, portanto, está em acreditar que, no caminho, talvez ainda exista beleza, mesmo nos piores cenários.

O que realmente importa quando o tempo se esgota?

Para além de todos esses pontos, o filme nos faz refletir sobre nossa própria vida. Afinal, para cada um de nós, o que realmente importa nessa existência? Será que precisamos receber o anúncio do fim do mundo para desmontar o teatro das aparências em que vivemos? Ou bastaria refletir com sinceridade o que nos é caro e fazer valer tais respostas a partir de ações que mudam nossa vida? Hoje valorizamos uma série de formas de vida que, tal qual uma névoa, se dissipam nos primeiros raios de realidade. Em um cenário apocalíptico, o dinheiro perde sentido, o status social deixa de importar, e o futuro que tanto ansiamos desaparece.

O que resta? As pessoas, os afetos, o presente de poder viver esse exato momento. São nesses momentos que poderemos ver quem realmente valoriza o aspecto humano e quem está, infelizmente, preso às suas fantasias. Quando o tempo é curto, percebemos que nada tem mais valor do que a experiência humana e desejamos correr atrás disso.

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Não precisamos viver um cenário de fim do mundo para perceber isso, pois inúmeras histórias já nos mostram que, ao chegar ao fim da vida, o que queremos não é mais dinheiro, mais bens preciosos, mas sim um tempo a mais com as pessoas que amamos. No fim, o afeto é o único bem atemporal que queremos cultivar um pouco mais, porém, por vezes, perdemos essas oportunidades.

Essa dimensão espiritual do afeto é sutil, mas poderosa. É válido deixar claro que não se trata de religião, mas de uma espiritualidade terrena, que nasce da consciência da finitude humana. O amor torna-se um modo de participar do milagre da existência, mesmo que por um breve momento. E por que não podemos cultivar isso desde agora? Não precisamos de um anúncio de extinção para revelar o que o nosso coração já sente em seu íntimo. Basta integrarmos essa vivência e tentarmos cultivar os afetos que nos são tão preciosos.

Dito isso, é válido notar que os sentimentos são, talvez, a parte mais nobre que carregamos dentro de nós. Eles são sutis, não podem ser tocados com as mãos, apenas percebidos em nosso interior. Está de forma tão sublime que, ao sermos capazes de perceber a beleza desse mundo interno, podemos nos reposicionar diante dos piores cenários. Quando, por exemplo, um guerreiro entrega sua vida por um ideal, em nome do dever e realmente o fazendo com consciência – não porque foi mandado por um general, mas por amor ao que está protegendo –, há um sentimento tão profundo que o fim não é visto como um peso, mas um estado de glória. 

Podemos enxergar isso em Leônidas, grande líder dos 300 de Esparta, que sacrificou a si e seus homens para garantir a sobrevivência de uma civilização. Também podemos enxergar o amor pelas ideias em Gandhi, que mesmo assassinado por um opositor, não deixou de viver essa lei da vida nem mesmo em seus últimos momentos, pois continuou a amar e a proteger aqueles que eram – e ainda são – seus companheiros na luta pela humanidade.

Esses singelos exemplos mostram como o afeto não está apenas na relação entre as pessoas, mas principalmente no amor pelos ideais, que só pode ser alcançado pelo ser humano. É isso que precisamos revelar em nosso coração, não apenas o afeto entre nós, mas sim o que nos liga à toda natureza.

Será que estamos diante do fim?

Desde a filosofia antiga, pensadores como Epicuro e Montaigne já afirmavam que pensar na morte é aprender a viver. O filme segue essa tradição. O “fim do mundo” que ele apresenta é, na verdade, uma metáfora do fim pessoal, pois apesar da humanidade de fato desaparecer, também desaparece o indivíduo; e é nesse momento em que nos damos conta de que o tempo é finito e a vida é impermanente. A certeza da morte, paradoxalmente, é o que dá sentido à existência. 

Frente a isso, fica claro que o filme é, no fim, um verdadeiro convite que nos faz pensar sobre o que é estar vivo de verdade. Será que, em muitos casos, já não estamos diante do fim e não percebemos? E se realmente entendermos que estamos chegando ao fim, é ainda mais urgente a necessidade de expressar o amor, aquilo que é único e atemporal em nossa breve existência no cosmos. 

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Em um mundo dominado pela pressa e pela distração, “Procura-se um Amigo para o Fim do Mundo” é um filme cômico que, nas entrelinhas, nos faz pensar sobre a vida. Ele nos lembra que o presente é o único tempo que realmente existe. O futuro é ilusão, pois ainda não existe; o passado já não pode ser alcançado, ficou apenas na memória.

Só o agora é real e nele cabem todas as possibilidades de afeto, perdão e beleza. Isso se torna claro para o público, pois naturalmente passamos a pensar sobre quantas vezes adiamos um gesto de carinho, uma conversa sincera, um abraço, acreditando que haverá tempo, que amanhã poderemos fazer tudo isso. Porém, como diz uma velha canção, o amanhã pode não chegar.

Por fim, o que “Procura-se um Amigo para o Fim do Mundo” nos ensina é que o fim não precisa ser uma tragédia e, mesmo para aqueles que não acreditam em uma vida pós-morte, chegar ao fim não é algo ruim. Talvez seja apenas uma lei da natureza que, ao ser vivida com consciência, pode nos trazer grandes chaves para entender o que estamos fazendo nessa existência. O fim do mundo, aqui, é uma lente que amplia o essencial: o amor, o afeto, a presença, o agora.

Não precisamos apontar que Dodge e Penny não salvam o planeta do seu destino. Eles, assim como todos os habitantes da Terra, desaparecem no impacto; porém, suas escolhas de vida fizeram com que, no final de tudo, decidissem estar juntos e revelar que o afeto, acima de todas as diferenças e nuances da natureza, é uma força indelével no ser humano. Ao escolherem amar nos últimos minutos, eles descobrem o que muitos passam a vida inteira sem perceber: que a existência vale não pelo tempo que dura, mas pela profundidade com que é vivida. O amor, afinal, é o que transforma o fim em eternidade.

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