Bem-vindos a mais um texto da série “Contos Arturianos”, uma produção original da Feedobem! Neste artigo, mergulharemos na história de Sir Galahad e a pureza, explorando como essa virtude essencial se manifesta em seus contos e o que ela pode nos ensinar no mundo moderno. Se para alguns isso pode parecer uma tarefa um tanto quanto impossível, cada vez mais percebemos o valor dos mitos e lendas, entendendo que não há fantasia nessas narrativas, apenas uma maneira peculiar de falar sobre a psique humana e seus dilemas.

A cada texto, abordamos alguns contos de um cavaleiro em específico, pois percebe-se que cada guerreiro de Arthur é, no fundo, a expressão de uma virtude que, no meio de tantas, destaca-se nas aventuras deste herói. Dito isso, hoje falaremos de um cavaleiro da Távola Redonda que se destaca pela sua pureza. Estamos falando de Sir Galahad, filho de Lancelot. Vamos conhecê-lo um pouco mais?
Antes de adentrarmos à sua história, porém, deixamos um conselho para aqueles que ainda não conhecem a nossa série: leiam o nosso texto de introdução! Nele explicamos com mais detalhes sobre o objetivo da série e as ideias principais que guiam nossa análise. Desse modo, para facilitar algumas ideias que abordaremos no texto, se faz necessário conhecer um pouco da história do Rei Arthur e sua saga junto aos cavaleiros da Távola Redonda. Para acessar o nosso texto de introdução, basta clicar aqui.
A origem de Sir Galahad
Agora sim vamos mergulhar em mais alguns contos, dessa vez tendo Sir Galahad como principal personagem. Entretanto, não podemos conhecer os feitos de um cavaleiro sem passarmos por sua história de vida antes. Assim, pensemos sobre a origem deste tão nobre guerreiro. Sir Galahad, de acordo com os mitos arturianos, é fruto de uma união mística entre Sir Lancelot, o mais valente cavaleiro do reino, e Elaine de Corbenic, filha do Rei Pescador. Criado longe da corte e educado por monges, Galahad cresce em ambiente de silêncio e espiritualidade, diferente dos outros cavaleiros, que moldaram seu caráter entre guerras e torneios. Desde jovem, portanto, sua alma é voltada para o sagrado.

Essa origem longe das guerras explica porque Galahad, apesar de ser um cavaleiro da Távola Redonda, não é necessariamente um guerreiro voltado para a guerra. A bem da verdade, como veremos em um dos seus contos, sua grande arma não é uma espada, mas sim um escudo. Sua função é muito mais de proteção do que de ataque, o que tem um grande papel dentro da guerra, mas à primeira vista podemos estranhar. Como pode existir um cavaleiro que não seja versado na arte da guerra?
O fato é que para se tornar um cavaleiro é preciso muito mais do que manejar espadas, lanças e matar seus inimigos. Um cavaleiro é, acima de tudo, um ser humano com virtudes e que as coloca em prol dos mais fracos e em nome da justiça. Assim, o verdadeiro pré-requisito para se tornar um cavaleiro da Távola Redonda é ser bondoso e trabalhar em prol do Bem, não necessariamente saber combater.
E não nos entendam mal: Sir Galahad enfrenta diversos desafios e também luta em muitos deles. Entretanto, diferentemente de outros cavaleiros, sua principal virtude não está nas armas, mas em seu coração puro e bondoso. Não por acaso, em uma das narrativas arturianas se aponta que ele seria o único cavaleiro puro o suficiente para encontrar o Santo Graal, a relíquia divina da Santa Ceia que estaria perdida.
Sir Galahad, portanto, é o cavaleiro que pode nos ensinar sobre a verdadeira nobreza, aquela que não nasce dos títulos, cargos ou do sangue que é derramado em uma batalha, mas da sua alma quando direcionada aos mais belos valores humanos. Esse é o primeiro símbolo que podemos aprender com esse cavaleiro da Távola Redonda, e os contos que trouxemos para este texto vão demonstrar como a grande virtude de Galahad é a pureza.
O assento perigoso
O primeiro conto de que falaremos hoje se chama “O assento perigoso”. Conta-se que os cavaleiros da Távola Redonda sentavam-se em uma grande mesa circular, símbolo da igualdade daqueles nobres guerreiros. Entretanto, apenas um lugar ficava vazio, pois ninguém era digno de sentar nele. Nessa cadeira estava marcada a seguinte frase: “Somente o cavaleiro mais puro poderá sentar aqui sem encontrar a morte”. Nenhum cavaleiro ousava sentar nesse local, visto saberem que não havia pureza suficiente em seus corações. Aqueles que ousaram tentar, de fato, pereceram sentados. Por causa disso, este assento era chamado de “Assento Perigoso”.
Esse local ficou vazio na grande mesa da Távola Redonda por anos, visto que nenhum cavaleiro seria bom o suficiente para ocupá-lo. Aqui vale ressaltar um detalhe importante: os cavaleiros da Távola Redonda foram sendo “convocados” em gerações, ou seja, seus lugares não foram ocupados de imediato. Conta-se que, ao total, 144 cavaleiros se tornaram membros desse nobre conselho do Rei Arthur, mas que inicialmente foram apenas doze e, ao longo do tempo, outros tantos, ao provarem sua nobreza e virtude, foram preenchendo novos espaços.
É isso que ocorre com Sir Galahad. Filho de Lancelot, ao chegar à fase adulta e provar sua capacidade como cavaleiro, o mesmo é ordenado e chamado para fazer parte do círculo dos cavaleiros da Távola Redonda. Em sua apresentação, todos ficam surpresos que o recém-chegado escolhe justamente o Assento Perigoso para ser o seu local na mesa! Mais incrível que essa “ousadia” em se colocar à prova é o fato que ocorre a seguir: Galahad não morre, o assento realmente reconhece sua pureza! Ao contrário do que se imagina, uma luz brilha sobre ele, confirmando sua missão: Galahad é o cavaleiro mais puro.

O que esse pequeno conto significa? O que há para se entender nele? Inicialmente é fundamental compreender que o assento perigoso representa muito mais do que um lugar físico. Ele simboliza todas as posições de responsabilidade e de poder que só podem ser ocupadas por aqueles que estão preparados — espiritual, moral e emocionalmente. A pureza é uma virtude daqueles que podem orientar, comandar, pois sem ela podemos nos perder na tirania dos nossos desejos e oprimir aqueles que outrora deveriam ser nossos governados. Ser puro não significa ser isento de erros, mas sim ser capaz de renovar a si mesmo, de buscar a redenção e manter-se em seu caminho.
Outro símbolo importante desse conto é o fato do assento ser destinado a uma pessoa em específico, nesse caso a Sir Galahad. Quantas vezes, no nosso dia a dia, vemos pessoas tentando ocupar “assentos” que não lhes cabem ainda? Lideranças sem preparo, relacionamentos sem maturidade, decisões importantes sem consciência? Muitas vezes, percorremos o caminho de ascensão para um emprego ou posição na vida para o qual não possuímos as qualidades e, mesmo se alcançamos esse objetivo, ficamos frustrados ou tensionados. Assim, é fundamental reconhecer o nosso lugar nessa grande mesa que é a nossa sociedade.
Sir Galahad e o Escudo Sagrado
O segundo conto do nosso texto sobre Sir Galahad se chama “O escudo sagrado” e conta, de forma resumida, a primeira grande aventura desse cavaleiro após entrar para a Távola Redonda. A história começa quando Sir Galahad chega a uma abadia onde um escudo sagrado é guardado. Além do seu grande tamanho, maior do que qualquer outro escudo da época, a arma tinha a cor branca e uma cruz vermelha ao centro.

O escudo, de acordo com a narrativa, seria uma arma mágica, capaz de proteger de qualquer perigo todos que o segurassem, entretanto, não poderia ser usado por qualquer um. Somente um guerreiro digno e puro seria capaz de erguê-lo. Caso contrário, o peso do escudo seria tanto que esmagaria aquele que tentasse portá-lo.
Sir Uwaine, outro cavaleiro que acompanhava Sir Galahad na missão, tenta utilizá-lo e é imediatamente ferido pelo peso do escudo, falhando no teste. Naquele momento se pensava ser impossível usar o escudo, sendo assim uma arma inútil para os futuros combates. Após o fracasso de Sir Uwaine, Galahad é convidado a portar o escudo. Ele o recebe com humildade e, ao usá-lo, é envolvido por uma sensação de paz e força. O escudo não tem um peso descomunal, mas se torna tão leve quanto uma pena e mais resistente do que qualquer outro metal.
O sacerdote acaba explicando que o escudo foi destinado, desde o início dos tempos, ao cavaleiro mais puro, e somente ele poderia utilizá-lo. Assim, Galahad passa mais uma vez na prova e ganha a sua principal arma. Em muitas aventuras, o seu escudo ajuda a proteger a si e aos demais, sendo fundamental para o cumprimento do dever e para a saga de encontrar o Santo Graal.
É interessante perceber que o escudo é muito mais que um item mágico: é a validação das virtudes de Galahad. Ele só funciona quando segurado pelo cavaleiro, ou seja, o que verdadeiramente o protege são suas virtudes e não o item mágico em si. Essa ideia é muito interessante e podemos usá-la para a nossa vida também.
Comumente pensamos que nossos muros e grades são a nossa proteção física, mas o que verdadeiramente nos protege é a nossa atenção, nossa disciplina, nossa organização. O que queremos apontar é que o aspecto externo e objetivo é apenas o reflexo de uma mentalidade, de princípios e valores. Assim como o escudo só é o reflexo do que Galahad possui dentro, nossas aquisições são apenas símbolo do nosso esforço. Quando vivemos de maneira virtuosa, mesmo que exteriormente possamos estar em um ambiente limitado e cheio de privações, ainda assim nada pode nos atingir, pois o que verdadeiramente protegemos – que são nossos princípios – está eternamente salvaguardado pelas nossas ações.
Por fim, cabe destacarmos que apesar de não ser o cavaleiro mais conhecido dos contos arturianos, Sir Galahad é, sem dúvida, um dos mais inspiradores. Sua pureza e retidão são exemplos de como nossas virtudes não são espadas, mas sim escudos que ajudam a proteger e salvar os demais diante dos perigos do mundo. Não devemos pensar, portanto, em nossas qualidades para atacar e subjugar os demais, mas sim usá-las como meio de manter o bem-estar de todos à nossa volta. Essa é uma ideia muito válida, porém, poucas vezes usada da maneira correta.

Não é à toa que esses contos são tão inspiradores e podem nos ajudar a viver melhor, mostrando-nos um caminho por onde seguir frente à nossa existência. Eis o valor de aprender sobre tais histórias que vencem o tempo, pois não importa o local, a civilização ou cultura em que estamos inseridos, a realidade humana não mudará, e poderemos viver essas ideias seja onde for.
Esse foi mais um texto da série “Contos arturianos”! Esperamos que tenham gostado e nos encontramos nos próximos contos!




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