O Novembro Azul nos convida a refletir sobre a importância de cuidar da saúde masculina, um dos bens mais preciosos da vida humana. Muitas vezes, só notamos essa verdade quando estamos enfermos ou diante de uma doença grave que reduz nossa qualidade de vida e nos faz confrontar nossa própria mortalidade. São nesses momentos de dor que percebemos o quão valioso é manter-se saudável; e, não raramente, nos arrependemos de não ter buscado ajuda antes, feito exames de rotina e ido regularmente ao médico, pois o grande problema de saúde começa nos pequenos sinais que ignoramos.

Dentro da nossa sociedade atual, é comum perceber que há uma maior resistência dos homens perante a ideia de cuidar da saúde de forma mais rotineira. Num panorama geral, as mulheres já fazem exames com mais frequência, enquanto o público masculino ignora dores, cansaços e sinais que o corpo manda. Assim, os problemas são arrastados para cenários quase irreversíveis, algo que poderia ser evitado com consultas regulares.
Por que os homens fazem isso? A resposta para essa pergunta está na maneira como eles são criados e na cultura geral, construída ao longo do tempo. Grande parte dos homens foi criada com base na força bruta e para aprender a resistir e não reclamar. Desse modo, uma pequena dor se transforma erroneamente em “besteira”, algo passageiro, que hipoteticamente deixará de incomodar em breve.
Outro equívoco é pensar que ir ao médico é um luxo, pois não se pode perder um turno de trabalho para fazer exames ou consultas. Essa mentalidade de seguir adiante sem importar-se com os danos ao corpo é, portanto, um reflexo de uma forma de educação pautada na necessidade de prover sua família e nunca mostrar vulnerabilidade.

Não precisamos afirmar o quanto essa mentalidade é nociva e tem matado a população masculina precocemente. Além disso, alguns exames ainda são vistos como tabus para esse público, uma vez que se criou uma visão preconceituosa que atinge aqueles que realizam tais procedimentos. O exame de prevenção do câncer de próstata, por exemplo, ainda hoje é visto como algo desonroso e que deve ser evitado a todo custo pelos homens. Consequentemente, esse fato faz com que seja difícil diagnosticar a doença em sua fase inicial, quando ainda é possível fazer um tratamento seguro.
Foi pensando nesse dilema que nasceu a campanha “Novembro Azul”, inspirada diretamente no sucesso do Outubro Rosa. Sinteticamente, podemos apontar que o Novembro Azul é uma campanha mundial voltada para a conscientização sobre a saúde do homem, especialmente em relação à prevenção do câncer de próstata. Com o passar do tempo, o movimento passou a representar algo ainda mais amplo: um convite para refletir sobre o modo como os homens lidam com a própria saúde.
Esse é um assunto cada vez mais urgente em nossa sociedade, pois não é fácil quebrar uma mentalidade enraizada há séculos – ou talvez milênios – na forma de criação masculina. Por isso, durante o mês de novembro, é comum ver empresas, escolas e instituições públicas se engajando nessa causa e estimulando os homens a fazerem diferentes tipos de exames para monitorar sua saúde. Além das propagandas diretas, há um reforço positivo usando a cor azul, símbolo da campanha.
Assim, monumentos são iluminados de azul, profissionais de saúde promovem palestras, e o tema ganha espaço nas redes sociais. No entanto, quando o mês termina, a atenção sobre a necessidade da prevenção volta a diminuir, e o que deveria ser uma mudança de mentalidade se torna apenas uma lembrança simbólica.
Essa oscilação mostra um problema mais profundo: a cultura da prevenção ainda não está incorporada à rotina masculina. Muitos homens continuam a procurar o médico apenas quando sentem uma dor severa, quase paralisante ou quando a doença já compromete a qualidade de vida. Ironicamente, é comum refletirmos sobre o quanto é importante a prevenção; porém, na vida prática, acabamos esquecendo de ir ao médico, e isso se torna o último item de nossa lista de prioridades. Assim, passamos anos sem fazer exames, afinal, se não estamos “sentindo nada”, então não há necessidade de verificar como está sua saúde. Esse é um pensamento equivocado, e falaremos ainda mais sobre isso hoje.

Feita essas reflexões iniciais, o Novembro Azul surge como uma oportunidade de discutir não apenas doenças, mas também a forma de agir no mundo, que precisa mudar. É um chamado para pensar a prevenção como uma escolha, ou seja, por livre decisão e responsabilidade com nós mesmos e não por um ato de medo. Mais do que alertar sobre o câncer de próstata, que dentre todas as doenças é a que mais causa medo e constrangimento no público masculino, a campanha quer estimular a mudança da cultura: a de que cuidar de si mesmo é um gesto de maturidade, não de fragilidade.
Curiosamente, num mundo em que cada vez mais a medicina avança a passos largos, pouco adianta ter novas formas de exames e tratamentos se o paciente chega tardiamente nos consultórios. Não por acaso, campanhas de diagnóstico precoce, não somente no mês de novembro ou voltado ao público masculino, têm ganhado cada vez mais força dentro da sociedade. As dores que ignoramos nos alertam que algo não está bem, seja para um problema físico ou psicológico que passa a afetar nosso organismo. Ser negligente com esses sinais é assinar um atestado de óbito, pois, ao agir assim, estamos voluntariamente deixando nosso corpo sofrer ao não procurarmos ajuda.
A bem da verdade, um dos fatores que nos levam a esse cenário não é somente a negligência. Cada vez mais, vivemos em um ritmo de vida acelerado, e o estresse cotidiano se normaliza; logo, a saúde acaba ficando em segundo plano, pois o importante é continuar produzindo e se mantendo ativo no ritmo frenético em que vivemos.
Dito isso, devemos pensar que a prevenção, nesse contexto, não é apenas um ato médico, mas também um ato de resistência contra a indiferença e o descuido, que indiretamente é cultivado quando adotamos o estilo de vida que a sociedade nos impõe. O homem que decide cuidar de si está, de certa forma, rompendo com uma tradição de negligência e reafirmando o valor da própria vida.
A origem e a evolução do Novembro Azul
Falando sobre o movimento em si, o Novembro Azul nasceu em 2003, na Austrália, dentro do movimento Movember. O nome é a junção de moustache (bigode) e November (novembro), que retratava uma ideia simples: deixar o bigode crescer como símbolo de engajamento pela saúde masculina. Esse tipo de campanha se tornou uma febre na internet dos anos 2000; porém, no caso do Movember, isso ganhou proporções mundiais. O gesto, que no início era simplesmente simbólico, transformou-se em um fenômeno que chegou a todos os países e passou a ser ressignificado. A intenção era tornar visível um tema historicamente invisível e que não era discutido dentro do meio social.

Rapidamente a “brincadeira” ganhou engajamento e abriu as portas para o diálogo sobre temas historicamente negligenciados pelos homens, como o câncer de próstata, o câncer de testículo e as doenças mentais presentes na vida do sexo masculino. O gesto do bigode funcionava como um ponto de partida para conversas que muitos evitavam, abrindo espaço para discutir prevenção e bem-estar de forma acessível e descontraída. É curioso pensar que esse ato, até então visto como uma brincadeira, era, na verdade, uma forma de falar de assuntos até então espinhosos para uma população que não estava aberta ao diálogo.
Assim, ao quebrar essa primeira barreira, foi possível explorar um pouco mais da psique masculina e fazer com que a cultura de não cuidar da própria saúde fosse vista como um ato egoísta e negligente e não como algo que reforçava sua identidade enquanto homem. Com o passar dos anos, o Movember se consolidou como um dos maiores movimentos de saúde masculina do mundo, promovendo campanhas de conscientização, arrecadação de fundos e ações voltadas à pesquisa e ao tratamento de doenças que afetam o público masculino.
Mais do que incentivar o uso simbólico do bigode, o movimento buscou desafiar estereótipos sobre masculinidade e estimular os homens a adotarem uma postura ativa em relação à própria saúde. No Brasil, graças à inspiração do Movember, deu-se origem ao Novembro Azul, em 2011, que ampliou a proposta inicial e transformou-se em um amplo esforço de educação e prevenção de doenças, voltado à realidade brasileira.
Por séculos, falar sobre doenças masculinas era quase um tabu. Questões como câncer de próstata, depressão e impotência sexual eram tratadas com silêncio e constrangimento, visto que homens foram ensinados a aguentar calados as dores da vida, tanto física como psicológica, e encontrar em outras soluções formas de esquecer esses problemas. Daí nasce o culto à violência, a busca por aprender autodefesa e artes marciais como meio de aliviar tensões, além do uso abusivo de álcool como uma realidade do nosso país, principalmente por parte dos homens. Não pensemos, portanto, que essas ações são frutos de um desejo inerente do ser humano, mas que são maneiras de tentar aplacar, de algum modo, seus temores e anseios.
O Movember começou a romper esse bloqueio, transformando o assunto em pauta pública. Graças a um movimento “banal”, homens começaram a discutir abertamente temas antes considerados privados. O humor e a simplicidade do gesto ajudaram a quebrar o gelo e estimular o diálogo. Assim, podemos perceber que o verdadeiro valor do Novembro Azul vai além da cor, do bigode ou das ações simbólicas realizadas para incentivar a prevenção da saúde. O ponto central é o debate que ele gera, pois é graças a isso que podemos romper com uma cultura tão consolidada dentro da mentalidade masculina.
Assim como o Outubro Rosa abriu espaço para discutir o câncer de mama e o autocuidado feminino, o Novembro Azul cumpre um papel semelhante para o público masculino: ele questiona comportamentos, combate preconceitos e reforça a importância da informação como ferramenta de prevenção.
Por que o homem ainda se cuida menos?
Frente a essa questão, é fundamental encontrarmos respostas para essa pergunta: por que o homem ainda se cuida menos? Será que é inerente à sua biologia? Ou, como estamos percebendo, há uma forma construída de mentalidade que nos faz ignorar grande parte das dores que sentimos. Vale ressaltar que essa percepção não é fruto de achismos, mas sim de dados estatísticos. Elas apontam, por exemplo, que homens vivem, em média, menos que as mulheres. Sabemos que isso pode se dar por vários motivos, como questões genéticas, por exemplo; porém, grande parte dessa estatística se explica por meio do comportamento e da cultura masculina, sendo a mais evidente a resistência masculina à prevenção.

Antes de falarmos sobre isso, porém, vale destacar como o comportamento masculino, ensinado por meio de gerações, contribui profundamente para a escalada da taxa de mortalidade dos homens. Sabe-se, por exemplo, que grande parte da violência no trânsito é causada por homens que, após uma colisão ou acidente, discutem e acabam chegando à violência física. Por que isso ocorre? Será apenas uma questão hormonal? Acreditamos que não. Quando olhamos para nossa educação, homens recebem um reforço positivo para a violência, o qual se repercute em frases como “Não levo desaforo para casa!” ou “Você não sabe com quem está se metendo!”. Esse ímpeto de violência, consequentemente, os coloca em situações de risco.
Pegando essa perspectiva como referência, o homem é “treinado” para não demonstrar fraqueza. Assim, do mesmo modo que não está disposto a ceder em uma discussão de trânsito, também não está inclinado a se colocar na posição de paciente, naturalmente frágil perante o médico. Os homens temem fazer exames por sentirem medo de não serem vistos como capazes de continuar vivendo da maneira que escolheram, pois identificar uma doença, mesmo sendo o melhor dos mundos em um estágio inicial, é mostrar ao mundo que você está vulnerável.
Sabemos que esse tipo de pensamento não é lógico; porém, muitas vezes, o comportamento humano foge ao raciocínio comum, e por isso mesmo é fundamental tentarmos mudar essa cultura tão nociva que tem levado os homens a saírem da existência precocemente. Portanto, é fato que grande parte dos homens só busca atendimento médico em situações extremas, e isso ocorre porque, ao longo da vida, eles aprendem a associar o autocuidado à fraqueza.
Além disso, há também o fator prático, tão presente na psique masculina. O cotidiano dos homens é frequentemente pautado por jornadas longas de trabalho, falta de tempo e sobrecarga de responsabilidades. Apesar disso ser uma realidade também para as mulheres, a educação feminina já consolidou a ideia de que é importante ter um tempo para se cuidar.
Logo, mesmo possuindo responsabilidades e um peso social similar no mundo em que vivemos, os homens ainda não aprenderam a harmonizar suas prioridades e, assim, dedicam-se apenas a viver pelo trabalho, realizando seus desejos, enquanto ignoram a saúde. Assim, quando precisam escolher entre uma consulta médica e mais algumas horas de produtividade, a consulta costuma ficar para depois.

Há ainda, como já citamos, o medo do diagnóstico. Para alguns homens, descobrir uma doença é mais assustador do que tê-la. Isso porque o diagnóstico os obriga a lidar com a própria finitude, algo que contraria a imagem de invencibilidade associada ao masculino. No entanto, não saber não evita a realidade, apenas retarda as chances de agir a tempo.
O problema da saúde masculina é, portanto, menos biológico e mais comportamental. Não se trata de falta de recursos, mas de falta de hábito e de prioridade. A campanha Novembro Azul tenta preencher esse espaço, lembrando que cuidar-se não é vaidade nem fraqueza, mas prudência. É uma escolha racional e madura. Um homem que vai ao médico não é alguém em busca de um problema, mas sim alguém comprometido em evitar que ele surja. Essa é a mentalidade que a campanha busca consolidar.
O câncer de próstata e a importância do diagnóstico precoce
Agora que entendemos os motores que fazem girar o comportamento masculino que afasta a prevenção da saúde, é importante falarmos do principal motivo do Novembro Azul: O câncer de próstata. Atualmente este é o tipo de câncer mais frequente entre os homens brasileiros, desconsiderando aqui o câncer de pele. Ele se desenvolve de forma lenta e, nos estágios iniciais, quase sempre não apresenta sintomas. Essa característica o torna extremamente perigoso, porque a ausência de dor é interpretada como sinal de saúde. No caso dos homens, como vimos, ao não sentir nenhum tipo de desconforto, a busca por fazer exames de rotina é extremamente baixa.
Visto isso, é importante sabermos que a próstata é uma glândula pequena, localizada abaixo da bexiga, e é responsável por produzir parte do sêmen. Quando as células dessa glândula começam a crescer de forma descontrolada, buscando maior autonomia do que o necessário, forma-se o câncer. O problema é que, na maioria dos casos, o tumor só provoca sintomas, como a dificuldade para urinar ou dor, em fases avançadas, quando o tratamento é mais complexo e invasivo. Caso seja descoberto em seus estágios iniciais, pode-se tratar o problema retirando a próstata ou com outras terapias intensivas; porém, em estágios avançados, há um risco de metástase, o que torna a doença letal.
A boa notícia é que a detecção precoce aumenta significativamente as chances de cura. Para isso, são necessários dois exames: o PSA (um exame de sangue que mede o nível de uma proteína produzida pela próstata) e o toque retal, que permite ao médico avaliar alterações na glândula. Entretanto, principalmente ao que se refere ao segundo exame, há uma grande resistência por parte dos homens de realizá-lo.
Apesar de simples e rápidos, esses exames ainda enfrentam preconceito e desinformação. Há quem evite o toque retal, por exemplo, por vergonha ou constrangimento, esquecendo-se de que se trata de um procedimento médico, realizado de forma profissional e discreta. O desconforto de alguns segundos não se compara às consequências de uma doença não diagnosticada. Muitos casos poderiam ser evitados se o exame fosse visto com a naturalidade que merece. O tabu, portanto, é um obstáculo tão grave quanto o próprio câncer.

Dito isto, é fundamental entendermos que o Novembro Azul não é apenas uma data simbólica; é um ponto de partida para uma reflexão mais ampla sobre o comportamento masculino diante da saúde. Ele não busca criar medo, mas consciência. A prevenção, não tenhamos dúvida, é um gesto racional e positivo perante a vida, uma vez que é natural a manutenção da saúde e de tudo que existe. Assim como cuidamos do carro, da casa e do trabalho, precisamos cuidar do corpo e da mente, que sustentam esses bens materiais.
Por fim, para que possamos viver com mais consciência essas ideias, é essencial compreender que a verdadeira masculinidade do nosso tempo deve ser medida pela capacidade de agir com responsabilidade diante das dificuldades. Não deixaremos de ser homens devido a um exame ou por cuidarmos de nossa saúde, assim como evitar brigas e viver pacificamente não nos tornam covardes, mas sim pessoas com mais consciência sobre o coletivo e seus valores. Portanto, o homem que se cuida não é frágil, mas sim lúcido. Ele entende que a força está em garantir que ele possa continuar presente, produtivo e saudável.
Que o Novembro Azul não seja apenas um lembrete anual, mas o início de uma rotina de escolhas conscientes, porque a prevenção não é um ato de medo; é uma decisão de inteligência e respeito pela própria vida.
Desde cedo, muitos homens aprendem a não chorar, a não demonstrar dor ou fraqueza. Isso nos faz lembrar do texto “O Menino Que Engoliu o Choro“, que retrata com sensibilidade como essa repressão pode crescer junto com o menino e se tornar uma armadura que o impede de pedir ajuda.
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