Bem-vindos a mais um texto da série “Gêneros Musicais”! Hoje falaremos sobre o samba, um dos patrimônios imateriais do nosso país! Pela sua alegria de ritmo e melodia, o samba não só nos conta a nós nossa história, mas também apresenta as raízes de nossa cultura através de músicas do cotidiano, que falam de amor, de problemas e também de soluções perante a vida. Hoje aprenderemos um pouco sobre suas origens e como esse estilo, outrora visto com maus olhos pela sociedade, se tornou uma marca da identidade nacional.

Antes de adentrarmos ao mundo do samba, porém, é fundamental avisar que o nosso grande objetivo com essa série de textos é causar uma reflexão sobre o modo como consumimos esse tipo de arte e verificar se estamos sendo influenciados inconscientemente pelas músicas que gostamos. Nesse aspecto, não se trata de categorizar os gêneros musicais como bons ou ruins, mas entender suas nuances e o que transmitem para nós. Porém, para entender com mais profundidade essa ideia, recomendamos que leiam nosso texto de introdução, pois nele desenvolvemos nossos objetivos e reflexões sobre essa temática.
Dito isto, falemos sobre esse gênero musical. Primeiramente, devemos compreender que o samba não é apenas um ritmo, mas uma parte fundamental da nossa construção enquanto identidade nacional. Não por acaso, quando algumas pessoas pensam no Brasil, elas imaginam alguns estereótipos, e o samba está sempre entre eles. Mas de onde ele surgiu? Como essa associação entre Brasil e samba começou?
A origem do samba
O samba nasce de um encontro. Ou melhor, de um reencontro ancestral. Ele brota da diáspora africana, da dor da escravidão, das rodas de tambor nos terreiros de candomblé, das cantigas de trabalho e dos lamentos disfarçados de melodia. Como sabemos, no Brasil colonial os povos africanos trazidos à força para cá foram separados de suas famílias, uma estratégia para evitar a mobilização dos escravizados e assim mantê-los sob custódia sem o risco de revoltas. Nesse processo, culturas e idiomas que talvez nunca se encontrassem, devido à distância geográfica no continente Africano, passaram a conviver lado a lado.
Desse modo, a separação acabou gerando novas uniões, criando uma nova expressão cultural, advinda da diversidade de povos escravizados. E dentre essas combinações de culturas surgiu o Samba, como uma adaptação da tradição de diversos povos africanos. Sendo assim, podemos afirmar que o samba surge dessas raízes profundas, onde a música era tanto instrumento de fé quanto de fuga simbólica da realidade em que estavam inseridos.

Do ponto de vista histórico, o termo “samba” já aparecia em registros do século XIX, usado para descrever festas populares de origem afro-brasileira, marcadas por dança e percussão. Nessas festas, muitas vezes mal vista pela elite que dominava os escravizados, nasceu uma forma de expressão que unia corpo, voz e ancestralidade.
É importante atentarmos profundamente sobre essa questão. Antes que o samba se tornasse sinônimo de Carnaval, antes das gravações e dos estúdios, antes mesmo dos desfiles e enredos, existia o samba de roda, feito de maneira quase clandestina e sujeito à muita perseguição. Assim, nas origens do samba há, acima de tudo, um ato de resistência e preservação de tradições. Nesse aspecto, o samba nasceu, primeiramente, como um ato de sobrevivência cultural dos negros escravizados. Impossibilitados de manter suas línguas, religiões e famílias, eles transformaram a dor em ritmo, a saudade em canto e a memória em movimento.
Apesar de uma série de discussões sobre em qual estado surgiu o samba, a grande maioria dos historiadores concorda que foi em Salvador que essa expressão tomou corpo e ganhou o nome “samba de roda”. Essa primeira forma de samba não era apenas entretenimento, muito menos uma maneira de celebrar a existência; era também um verdadeiro rito religioso, em busca de conectar-se com algo que estava para além da dura realidade dos escravizados. O samba de roda nasceu nas senzalas e sobreviveu nos quintais quando a escravidão deixou de existir em nosso país. E embora tenha sido por muito tempo considerado uma subcultura, foi ele quem deu origem a toda uma linhagem musical que se espalharia por todo o Brasil.
De acordo com a história, quando as primeiras baianas migraram para o Rio de Janeiro, levavam na bagagem não apenas seus corpos, mas também o samba. Tia Ciata, por exemplo, nascida na Bahia, foi uma das grandes responsáveis por manter essa tradição viva em solo carioca. Mas a semente foi plantada no Recôncavo, com suor, sangue e tambor. Salvador é, portanto, o útero do samba.

Entretanto, é importante ressaltar que, de fato, foi no Rio de Janeiro que o samba encontrou seu auge. Apesar de atualmente ser um ritmo espalhado por todo Brasil, a grande projeção do samba ocorreu nas terras cariocas. No bairro da Cidade Nova, em especial na chamada Pequena África, figuras como Tia Ciata abriram suas casas para rodas de samba que misturavam batuques africanos com violões e flautas europeias. Ali, entre a tradição e a modernidade, o samba urbano tomava forma. Não era apenas uma manifestação religiosa, mas também artística e popular.
Foi em uma dessas rodas, por exemplo, que nasceu a primeira música de samba oficialmente gravada: “Pelo Telefone”, em 1917. Essa música, atribuída a Donga e Mauro de Almeida, marcou o início de uma nova era. O samba ganhava os salões, o rádio, e aos poucos conquistava o coração do Brasil.
Com “Pelo Telefone”, o samba começa a trilhar um caminho que, até então, parecia improvável: o da oficialização cultural. A partir daí, não se tratava apenas de uma música marginal, tocada nos quintais escondidos das tias baianas; o samba começava a frequentar os estúdios de gravação e a alcançar o gosto da classe média.
Durante os anos 1920, nomes como Sinhô, Pixinguinha e João da Baiana ajudaram a consolidar o gênero e a ampliar sua musicalidade. O samba se modernizava, mas sem abandonar suas raízes. Havia ainda resquícios da chula, do maxixe e do lundu em suas melodias, misturando tradição e inovação. Essas primeiras gravações tornaram-se verdadeiros marcos históricos.
Ao mesmo tempo em que registravam o nascimento de um novo estilo, os sambas deste período também denunciavam as tensões sociais de um país ainda marcado pela desigualdade racial. Mesmo ganhando os palcos, o samba e seus criadores continuavam sendo marginalizados. Devemos lembrar, por exemplo, que desde o final do século XIX, a “vadiagem” era vista como um crime no Brasil e as rodas de samba, assim como a capoeira, eram vistas dessa maneira. Assim, o samba foi um estilo de música extremamente marginalizado nesse período, principalmente por uma questão racial imposta pela sociedade do período.
A consolidação nas Décadas de Ouro (1930–1950)
Com a chegada do rádio ao Brasil na década de 1930, o samba passou a ocupar um espaço privilegiado na cultura popular. Por ter uma forte capilaridade social, ou seja, está presente nas casas e na vida cotidiana, o samba acabou se tornando uma música que a grande maioria das pessoas conhecia. Era o som que embalava os bailes, que tocava nas casas e que dava a cara de um país que se modernizava. Nessa época, surge um dos maiores gênios do gênero: Noel Rosa.
O “Poeta da Vila”, como ficou conhecido, soube dar ao samba uma linguagem lírica, crítica e cotidiana. Suas letras misturavam humor e melancolia, abordando desde o amor não correspondido até as injustiças sociais. Com ele, o samba passou a dialogar ainda mais diretamente com o povo.
Outro nome essencial foi Cartola, mestre da poesia e da sensibilidade. Um dos primeiros membros da Estação Primeira de Mangueira, ele deu ao samba uma profundidade emocional raramente vista em qualquer outro gênero. Suas canções, como “As Rosas Não Falam” e “O Mundo É um Moinho”, são hinos da alma brasileira e se tornaram atemporais, sendo regravada várias vezes por diversos artistas.
Poderíamos citar outros tantos sambistas que marcaram a história, porém, não há páginas suficientes para fazê-lo. Assim, seguimos com a história do samba. Outro salto importante na projeção desse estilo musical foi a criação das escolas de samba, na década de 1930. O carnaval, que hoje também é uma expressão cultural brasileira, ganhou ainda mais notoriedade com os desfiles das escolas, as fantasias, os sambas-enredo e toda a magia que envolve a festa.
O que antes era uma manifestação popular e espontânea passou a ter organização e espetáculo. Essas escolas não só preservaram o ritmo como também o reinventaram, tornando-se espaços de memória, resistência e arte. Portela, Mangueira, Salgueiro, Beija-Flor, Mocidade, Imperatriz e tantas outras escolas passaram a representar comunidades inteiras e a carregar nas costas as esperanças e as vozes das favelas cariocas. Logo, o samba passou a ser a grande expressão musical dessa festa e foi, ao longo de décadas, ganhando novos horizontes.
O samba na segunda metade do século XX
O Brasil mudou ao longo do século XX. O mundo pós-guerra trouxe ao nosso país a busca pelo desenvolvimento e, consequentemente, o mergulho no regime militar. O samba, sempre atento ao seu tempo, também seguiu as mudanças sociais. Uma nova geração de sambistas garantiram a manutenção da música, com temáticas profundas e voltadas para os problemas do mundo. É o caso de Paulinho da Viola e de Clara Nunes, dois grandes expoentes desse período.
Clara Nunes, a bem dizer, foi uma das sambistas de maior projeção no período. Infelizmente, partiu cedo; porém, deixou uma marca indelével na sua geração, se consagrando como uma das vozes femininas de maior relevância dentro do gênero.
Durante esse período, o samba ainda enfrentava críticas de setores da elite cultural, que viam o gênero como algo “pouco sofisticado”. Mas, justamente por falar com o povo, por ser expressão genuína de uma cultura que vinha das ruas, o samba seguia mais vivo do que nunca.
Nos anos 1990, o samba passou por mais uma transformação importante: o surgimento e a explosão do pagode romântico. Se por um lado o samba tradicional era mais voltado à crítica social, à ancestralidade e à vida cotidiana, o pagode trouxe uma linguagem direta, afetiva e popular, tornando-se rapidamente um fenômeno nacional.
Atualmente, no século XXI, o samba precisou reafirmar sua relevância como um dos gêneros musicais mais populares do Brasil. Em um mundo globalizado e multifacetado como o nosso, as raízes culturais rapidamente mudam; porém, a tradição do samba consegue se manter viva mesmo em meio a tantas novidades e mudanças. Visto isso, o samba hoje é ao mesmo tempo um movimento popular e um espaço de memória no qual passado e presente estão a todo tempo em diálogo. Do mesmo modo que surgem artistas novos, os clássicos do samba nunca deixam de ser tocados.
O que sentimos ao escutar samba?
É comum falarmos que o samba é sinônimo de alegria. O ritmo da percussão e os instrumentos de corda fazem com que, quase automaticamente, tenhamos vontade de nos movimentar, de dançar. Enquanto gênero musical, o samba tem em sua gênese, pela composição dos seus instrumentos, uma força capaz de fazer nosso corpo vibrar. Por isso, é quase impossível passarmos incólumes ao escutar suas músicas.
Por outro lado, ao refletirmos sobre suas letras, é natural pensarmos que nem só de alegria o samba vive. Marcado por uma forte desigualdade social, nascida da dor dos que foram arrancados da sua terra, o samba muitas vezes nos dá um grau de melancolia, de tristeza. É interessante perceber como letra e melodia, no caso do samba, parecem falar de emoções opostas.

Ao passo de termos um ritmo alegre e pulsante, as letras acabam por falar de dor e sofrimento. Esse mix contraditório de emoções é que, muitas vezes, nos faz gostar tanto do samba, pois reflete exatamente o que é a vida em nuances, sendo, na maior parte das vezes, contraditória. É essa dualidade que nos aproxima e nos faz perceber a beleza desse gênero musical.
Para além da dualidade, o samba é marcado por uma fé na vida. É perceptível que, no fundo, a alegria que transparece do samba é uma resposta para a dura realidade em que muitos homens e mulheres foram criados, mostrando que, apesar do cenário de dificuldade, haverá sempre uma crença de que tempos melhores virão. É esse olhar otimista da vida que resgata a alegria e nos tira da melancolia dos tempos. Essa é a verdadeira fé que o samba nos proporciona, fazendo com que vejamos os nossos problemas com mais leveza.
Samba e identidade nacional brasileira
Visto tudo isso, não tem como desassociar o samba da identidade nacional brasileira. Se por um lado é fato que nem todos os brasileiros apreciam esse estilo musical, por outro não podemos negar que ele faz parte de nossa história desde sua gênese. É por isso que o samba é mais do que música, é um símbolo de brasilidade. Ele representa, talvez como nenhum outro gênero, a complexidade cultural do Brasil: a miscigenação de raças, a resistência do povo negro, a criatividade das periferias e a alegria que insiste em resistir mesmo diante da dor.

E ao falarmos do samba como identidade nacional, não estamos falando somente de um processo cultural, feito de forma quase “aleatória”. A bem da verdade, o samba foi pensado para ser o gênero musical próprio do Brasil, assim como a bossa nova. Getúlio Vargas, por exemplo, utilizou o gênero como ferramenta política, promovendo-o como expressão oficial da cultura popular brasileira. Foi uma maneira de unificar o país sob um símbolo artístico que falasse ao coração do povo.
Contudo, o samba nunca deixou de ser do povo, especialmente da população negra. Ele representa uma identidade coletiva construída na base da exclusão social e da resistência cultural. Ao ouvir um samba, o brasileiro se reconhece — no sotaque, na história, na dor, no riso. Por isso, o samba é mais do que trilha sonora do Brasil. Ele é espelho; mostra quem somos, com todas as contradições, belezas e feridas. E é justamente por isso que ele permanece relevante: porque fala de nós.
O legado imortal do samba
Por fim, lembremos uma frase de Alcione, uma das sambistas mais importantes dos nossos tempos: “Não deixe o samba morrer, não deixe o samba acabar”. O samba não pode morrer pois toca onde as palavras comuns não alcançam. Seu legado não está apenas nas gravações ou nos livros de história, mas nos corpos que dançam, nas vozes que cantam, nas mãos que tocam, nas rodas espalhadas por todo Brasil, nos sorrisos e lágrimas que escorrem daqueles que apreciam suas letras.

O samba inspirou poetas, escritores, cineastas e artistas de todos os tipos. Ele moldou a música popular brasileira e influenciou outros gêneros como a bossa nova, o samba-rock, o funk carioca e até o rap nacional. Cada nova geração de músicos que se conecta com suas raízes ajuda a manter viva essa chama.
Além disso, é importante destacar que o samba promove valores como comunidade, resistência, memória e alegria, servindo de instrumento de educação, cultura e transformação social. Nas escolas de samba, jovens aprendem arte, história e cidadania. Nas rodas, o samba se torna lugar de escuta, troca e identidade.
Dito tudo isto, o samba não é um estilo do passado. Ele pulsa no presente e aponta para o futuro. Ele não é moda, mas sim uma memória viva. E enquanto houver voz, corpo e coração, haverá samba. A cada roda que se forma embaixo de uma árvore, a cada bloco que desce uma ladeira, a cada nota que ecoa de um cavaquinho, o samba renasce. Ele sobreviveu à repressão, ao preconceito, à indiferença. Viva o samba!
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