O filme Chico Bento e a Goiabeira Maraviósa traz à vida o carismático personagem criado por Mauricio de Sousa, resgatando a importância da memória coletiva e da natureza no imaginário brasileiro. Quem nunca se debruçou sobre as revistas em quadrinhos que contam as aventuras de personagens como Mônica, Cebolinha, Cascão, Magali e tantos outros? É inegável que essa obra faz parte da cultura brasileira e atingiu – e ainda atinge – gerações de pessoas ao longo das décadas. São dezenas de personagens, cenários e histórias que encantam gerações desde os anos 1960; porém, há um que carrega não só um sotaque típico e um modo de vida que representa milhões de brasileiros: o Chico Bento.

Com sua fala caipira e seu chapéu de palha, Chico Bento é um dos personagens mais carismáticos da Turma da Mônica. O garotinho que vive na roça nos convida a mergulhar em uma realidade onde a terra, a natureza e a comunidade são os principais centros da vida humana. Em 2025, esse universo em que se passa a saga de Chico Bento ganhou vida nos cinemas de todo o Brasil com o filme “Chico Bento e a Goiabeira Maraviósa”, e trouxe para o público atual – muito mais ligado às telas do que os quadrinhos tradicionais – uma nova referência para perpetuar a história desse grande personagem, agora em um novo formato.
A beleza de uma história simples e cativante
Vamos conhecer um pouco sobre o filme e refletir acerca de sua mensagem principal. Primeiramente, o filme se passa na Vila Abobrinha, o clássico vilarejo do universo do Chico Bento. Lá, a rotina é marcada pelo canto dos galos, pelas festas da comunidade e pela tranquilidade típica do interior, muito bem retratada no filme e que já ganha o público pelo seu apelo afetivo. Grande parte dos brasileiros tem suas raízes no interior do Brasil, tendo convivido, pelo menos em seus anos iniciais, com o ambiente rural.

Assim, a bucólica Vila Abobrinha nos dá um gosto de nostalgia; porém, ao mesmo tempo, o filme consegue dialogar com o seu verdadeiro público: as crianças. A linguagem, a pureza e o modo de olhar para a vida encantam tanto jovens como adultos, e são esses fatores que realmente tornam o filme um espetáculo.
Frente a isso, todas as crianças se encontram para brincar na goiabeira do Nhô Lau, uma árvore frondosa, frutífera e simbólica, plantada décadas atrás por um antepassado da vila. Mais do que um ponto geográfico, ela é um símbolo afetivo, espiritual e comunitário, sendo um marco importante para a história da vila e de seus moradores..
No entanto, como toda boa história, a paz que envolve toda a vila começa a mudar quando eles recebem a visita de representantes de uma construtora que pretende abrir uma estrada ligando cidades vizinhas, passando exatamente onde está a goiabeira. O projeto parece inevitável, afinal, seria um “avanço” para a região, mas a destruição iminente da árvore causa revolta em Chico e seus amigos. Eles não aceitam que algo tão precioso possa ser apagado do mapa em nome de um progresso que não escuta ninguém.
A partir daí, se inicia uma verdadeira epopeia infantil, em que os pequenos se tornam grandes defensores da árvore e da história que ela representa. Eles pesquisam documentos antigos, mobilizam os adultos da vila, criam planos mirabolantes e até confrontam o prefeito e os empresários, sempre com coragem, criatividade e união. É, de fato, um roteiro simples e sem muitas reviravoltas, o que demonstra que o filme foi feito para ter uma mensagem direta e de fácil absorção, excelente para o público infantil e isso é uma grande qualidade.
Nos dias atuais, com maior complexidade nas histórias que buscam ser contadas, nem sempre um filme que é próprio de crianças é feito para esse público, contendo assim camadas e recortes que mais se assemelha aos anseios dos adultos do que a simplicidade dos jovens. Frente a isso, “Chico Bento e a Goiabeira Maraviósa” é uma preciosidade do cinema atual, não só por ter uma linguagem adaptada ao seu público, mas também por conseguir transmitir valores e ideias belas sem recorrer a tanta complexidade.
Grande parte desse mérito está na escolha do protagonista do filme. Para os apreciadores das histórias da Turma da Mônica, é notável que, entre todos os personagens, o Chico Bento é muito mais do que um menino da roça – visto muitas vezes como um “ignorante” pela fala “errada” e seu sotaque caipira. De todos, é o que melhor conserva a pureza, o amor pela natureza e demonstra uma sabedoria que não está nos livros, mas sim na própria vida.

Além disso, Chico Bento também demonstra outra grande beleza que está, cada vez mais, se perdendo em nossa vida: o amor pelo coletivo. Na Vila Abobrinha – e demais histórias do Chico Bento – é nítido que há uma forte ligação entre as pessoas que moram na sua comunidade, criando assim verdadeiros laços de amizade e companheirismo. Esse é o símbolo de um Brasil coletivo, no qual todos se conhecem pelo nome, onde se compartilha o que se tem, e onde ninguém é deixado para trás. Chico Bento é leal, amigo e justo, o que por si só já o credencia a ser um grande personagem a ser apresentado às nossas crianças.
O que podemos aprender com “Chico Bento e a Goiabeira Maraviósa”?
Para além dos aspectos técnicos e a nostalgia que nos invade, o filme consegue ser uma fábula moderna, ou seja, tal qual as histórias infantis que ao fim deixam uma lição de moral, também podemos encontrar valiosas ideias dentro da sua história.
O primeiro ponto que destacamos é a própria goiabeira, defendida com unhas e dentes por Chico Bento e seus amigos. É nítido que a goiabeira representa muito mais do que uma planta, afinal, ela é símbolo da memória coletiva da comunidade, do enraizamento afetivo e da ligação entre gerações. É sob sua sombra que os personagens cresceram, que amizades se formaram, que histórias foram contadas. Derrubá-la não seria apenas perder uma árvore, mas principalmente apagar um pedaço da identidade da vila.
Assim, por mais que para alguns seja apenas uma árvore, para quem vive naquele local, a goiabeira é uma parte importante de sua própria construção enquanto ser humano. De maneira simples, o filme toca em um tema sensível a nós hoje em dia, que é o desastre da preservação de nossa memória coletiva. Cada vez mais os centros históricos, locais que contam e preservam a memória de nossas cidades, estão sendo abandonados e destruídos, tudo em nome do progresso. Assim, à medida que a cidade avança para o futuro, deixa-se de lado o passado.
Nesse sentido, a estrada que ameaça a goiabeira é a metáfora de um tipo de desenvolvimento que atropela tudo: a natureza, as memórias, as pessoas. O filme propõe uma pergunta fundamental: é possível crescer sem destruir? Será que não poderia existir uma forma de evoluir nossas cidades sem prejudicar aquilo que já existe?
Ao mostrar a luta dos moradores para encontrar soluções alternativas, a história ensina que o verdadeiro progresso é aquele que ouve, respeita, dialoga e, acima de tudo, preserva os valores de toda a comunidade. No entanto, vemos que o crescimento desenfreado é, infelizmente, uma norma na vida atual em que os valores e desejos individuais acabam se sobrepondo aos coletivos; porém, para viver em sociedade, é preciso entender que essa não é uma opção viável.

Frente a isso, podemos lembrar de uma frase clássica do livro “Meditações”, do imperador-filósofo Marco Aurélio, que diz: “O que é bom para a colmeia é bom para a abelha”. Não há, portanto, um verdadeiro desenvolvimento sem pensar no bem coletivo. Devemos construir – e essa é uma mensagem para todas as gerações – um modelo de vida sustentável, inclusivo, que seja capaz de valorizar o crescimento a partir de um modo de vida que não abra mão de nosso passado.
Por fim, podemos entender que “Chico Bento e a Goiabeira Maraviósa” é uma excelente opção para assistir em família. Com seu olhar idealista e simplicidade, o pequeno caipira nos ensina que salvar uma árvore é salvar a história de um povo e que preservar não é resistir ao novo – que inevitavelmente chegará por força da própria evolução –, mas abraçar a modernidade com consciência.
Comentários