Quem de nós não gosta de histórias fantásticas, cheias de magia, mistério e aventuras? Talvez essas histórias não nos encantem mais devido à nossa idade, pois acreditamos que tais narrativas são exclusivas para as crianças. Entretanto, mesmo que pensemos preferir a “realidade”, esses mundos fantásticos seguem a habitar em nós, cheios de simbolismos e ideias que valem a pena ser explorados.
Que tal dar uma chance a um filme que relembre um pouco da sua infância, mas de uma maneira distinta. Quando crianças, nossa mente apenas enxergava vilões e mocinhos, e existia uma diferença clara entre eles. Porém, será mesmo que o mundo é tão dividido assim? E será que não há um ponto em comum que possa unir as pessoas, para além dos seus aspectos “bons” ou “ruins”? Pensando nessas perguntas, chegamos a indicação do filme de hoje: Wicked!

Em uma era marcada por incertezas, polarizações e transformações sociais aceleradas, Wicked surge com uma valiosa mensagem sobre identidade, empatia e o impacto das narrativas que escolhemos contar ou acreditar. Será, portanto, que o vilão é sempre ruim? O/A mocinho(a) é sempre bom/boa? Se para uma criança é importante enxergar tais papéis bem definidos, na vida adulta é fundamental entendermos que não há absolutos, e grande parte de nossas percepções está associada a como observamos os fatos. Wicked nos mostra essa ideia de maneira brilhante.
Inspirado no musical da Broadway e baseado no romance de Gregory Maguire, o filme nos transporta novamente para a Terra de Oz, mas não para revisitar os passos de Dorothy e sim para acompanhar a vida de uma personagem injustamente estigmatizada: Elphaba, a Bruxa Má do Oeste. Assim, a história agora é vista do ponto de vista da Bruxa. Será que isso mudará nossa perspectiva? Wicked nos mostra outro lado dos personagens e se apresenta como uma história que fala sobre amizade, injustiça, escolha e coragem.
Do que trata Wicked?
Qual é o enredo deste filme? A primeira vista, podemos pensar que se trata de uma releitura do Mágico de Oz, mas a história de Wicked se desenrola antes dos acontecimentos com Dorothy e sua jornada para retornar à sua casa. Podemos apontar, portanto, que Wicked é uma sequência prévia (chamado no mundo do entretenimento de “prequel”) que subverte a perspectiva clássica, ou seja, que nos coloca agora diante dos dilemas da Bruxa e tendo sua perspectiva como a principal.
No filme, a protagonista é Elphaba, uma jovem nascida com a pele verde e dons mágicos extraordinários, cujas origens já carregam um estigma social. Desde pequena, ela enfrenta rejeição e desprezo, inclusive por parte de seu pai, que a vê como um fardo. Sua única motivação inicial é proteger sua irmã mais nova, Nessarose, que tem uma deficiência física. Quando Elphaba é enviada para a Universidade de Shiz, sua vida muda drasticamente. Lá, conhece Galinda (que mais tarde adotará o nome “Glinda”), uma jovem encantadora, vaidosa e popular. Apesar de personalidades opostas, as duas acabam desenvolvendo uma amizade improvável e comovente.
À medida que Elphaba descobre as injustiças por trás do governo do Mágico de Oz, ela se recusa a compactuar com um sistema opressor que explora criaturas mágicas e distorce a verdade. Suas ações em prol da justiça são interpretadas como ameaças, e a sociedade – manipulada pela propaganda oficial – passa a enxergá-la como uma vilã. É então que Elphaba recebe o rótulo de “Bruxa Má do Oeste”, enquanto Galinda, agora Glinda, se torna símbolo da “bondade” institucionalizada, ainda que carregue em si dúvidas, culpas e contradições.

A mudança de perspectiva é um dos pontos altos do filme, visto que agora podemos entender que nem todo vilão é, de fato, uma pessoa má. Uma antiga frase nos fala sobre isso: “Na perspectiva do herói, todo vilão é maligno, mas perguntamos ao vilão seus motivos?” Ao pensar sobre isso, podemos levar valiosas reflexões para a nossa vida, visto que muitas vezes não escutamos os diferentes lados de uma mesma história e ficamos apenas com a versão que achamos interessante.
Dentro da própria história da humanidade, há, em muitos casos, esse tipo de abordagem; afinal, a história oficial sempre é escrita sob o ponto de vista dos vencedores. O mesmo ocorre nas narrativas clássicas, e Wicked se apresenta com um importante papel de nos fazer refletir sobre a necessidade de ver os dois lados dos fatos.
Como Wicked pode nos inspirar?
Primeiramente, devemos entender que Wicked é, antes de tudo, um exercício de empatia. Ao nos colocar no lugar da “bruxa má”, percebemos que a imagem do vilão é, muitas vezes, uma construção social, forjada a partir de medos coletivos, ignorância e interesses de poder. Elphaba nunca foi má, foi apenas diferente, inconformada e corajosa o suficiente para dizer não. O que o filme faz é escancarar a facilidade com que a sociedade transforma dissidentes em inimigos públicos.

Essa mensagem ressoa fortemente em tempos atuais, em que muitos indivíduos e grupos são marginalizados por desafiarem normas estabelecidas. Quantas vezes já vimos essa história se repetir? Grupos ou indivíduos que não aceitam as normas estabelecidas e que desejam mudanças passam a ser vistos como personas non gratas, que, em alguns momentos da história, foram perseguidos e até mesmo mortos por causa das suas opiniões. Isso não os faz vilões, mas sim as vítimas de um regime totalitário e que não aceita questionamentos. Dito isso, fica evidente a principal mensagem de Wicked: antes de julgar alguém, escute sua história. Nem toda “bruxa” merece a fogueira; às vezes, ela só está tentando mudar o mundo.
Além desse ponto principal de reflexão, vale destacar a amizade entre Elphaba e Glinda. É curioso pensar que as duas personagens são opostas em diversos aspectos: desde o ponto de vista físico – uma vez que Elphaba é tida como uma pessoa de aspecto estranho devido à sua pele verde (uma clara referência a uma sociedade racista do Mágico de Oz) – até o aspecto psicológico e seus motores sociais. De um lado, mais uma vez, está Elphaba, a inconformada com o “sistema”; do outro está Glinda, a popular, a aceita em todos os locais e que se beneficia do próprio sistema.
Apesar dessa dualidade tão expressa, a amizade nasce no coração das duas. É interessante essa perspectiva, pois mostra que, apesar das diferenças que possuímos – e todos nós temos várias distinções –, isso não é um impeditivo para que a amizade cresça e se desenvolva. Ao longo da jornada, as duas vão aprendendo a lidar com suas formas e buscam manter esse laço inquebrantável. Elphaba e Glinda representam, juntas, o processo de amadurecimento que todos nós precisamos passar. Nesse sentido, Wicked mostra que crescer não é apenas conquistar um lugar no mundo, mas aprender a fazer escolhas difíceis e a abrir mão de certos sonhos que vivem apenas em nossa imaginação. Amadurecer, nesse aspecto, é saber lidar com as frustrações e entender que nem sempre podemos ganhar, e que, de fato, em certos momentos seremos vistos como vilões.

Ainda nessa perspectiva, outro grande ponto de impacto do filme está na figura do Mágico de Oz. Ele representa a figura central da autoridade e foge da estética do vilão comum, o que é maligno por natureza e quer destruir tudo. Na verdade, o mágico deseja a manutenção do sistema e manipula seus cidadãos para que estes não se rebelem. Seu poder se mantém por meio da ilusão, da construção de inimigos externos e da manutenção da ignorância.
Por fim, Wicked se mostra muito mais do que um filme. O longa é, em essência, uma aula sobre como podemos ser enganados quando estamos presos a estereótipos e preconceitos, e quando apenas escutamos uma versão do que está sendo contado. Nesse sentido, a obra se torna um exercício de empatia e crítica com e ao que é nos passado.
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