Você provavelmente já percebeu o poder que o cinema exerce em nossas vidas. Uma das artes modernas e extremamente difundidas em nosso mundo contemporâneo, o cinema tem o poder de nos fazer refletir sobre quem somos e para onde estamos indo, além de nos contar, através de variadas histórias, ideias que por vezes ainda não havíamos pensado. Assim, o filme é muito mais que um entretenimento, mas uma ponte que nos leva à reflexão.
Muitos filmes fazem isso conosco, e outros, de forma quase escondida, nos causam um grande impacto. É o caso de Wall-E (2008), uma das animações mais icônicas da Disney-Pixar. À primeira vista, esse é um filme infantil, direcionado apenas para nossos filhos, sobrinhos e crianças em geral. Entretanto, quando assistimos ao longa-metragem, percebemos que, no fundo, a narrativa é uma das grandes reflexões acerca do mundo moderno – uma crítica direta a nosso modo de vida atual – e vislumbra um futuro distópico, mas que não deixa de ser uma possibilidade caso continuemos a caminhar nesta direção.
Nesse aspecto, o filme não encanta apenas com sua estética e personagens carismáticos, mas também nos alerta para questões fundamentais, como o cuidado com o meio ambiente, o impacto da tecnologia na vida humana e a necessidade de equilíbrio para uma existência mais harmoniosa. Assim, o que a rigor seria apenas outro filme voltado ao público infantil, nos acerta em cheio, adultos, pois nos reconhecemos nessa realidade, o que nos faz refletir sobre o futuro da humanidade.
Sobre o que trata Wall-E?
Antes de refletirmos sobre o filme, precisamos entender um pouco do seu contexto. Dirigido por Andrew Stanton, Wall-E se passa em um futuro distante, onde a Terra se tornou inabitável devido ao excesso de lixo e poluição. A humanidade abandonou o planeta e passou a viver em uma gigantesca nave espacial, chamada Axiom, enquanto pequenos robôs foram deixados para limpar o que restou.
De início esse parece ser um cenário improvável, mas será mesmo tão impossível? O filme, criado em 2008, reflete questões que estão cada vez mais atuais com a poluição do ar, dos rios, mares e outras ilhas de lixo que fabricamos todos os anos. A poluição aumenta à medida que consumimos e produzimos mais. Para onde vamos levar tudo isso? Wall-E é o futuro que teremos caso não consigamos encontrar uma resposta satisfatória.

O protagonista do filme, Wall-E, é um desses robôs que tem como missão limpar a Terra. Após décadas, ele é o último em funcionamento, tendo assim uma jornada solitária em meio a um deserto de destroços e ar poluído, o qual se tornou a Terra. Ele passa seus dias compactando montanhas de lixo e coletando objetos curiosos, revelando uma personalidade sensível e solitária.
Entretanto, tudo muda quando uma sonda espacial cai próximo a sua área de atuação. Lá estava um robô superavançado, com mais recursos que Wall-E e que veio investigar as condições do planeta. Seu nome é EVA. Os dois se conhecem e juntos embarcam em uma jornada que pode redefinir o destino da humanidade.
O que podemos aprender com Wall-E?
O primeiro e grande aprendizado do longa-metragem está na reflexão sobre como cuidamos do nosso planeta. Apesar de ser um tema amplamente debatido nas últimas décadas, o meio ambiente segue sendo prejudicado com o avanço da humanidade; afinal, para manter o ritmo de produção e consumo a que estamos habituados é necessário matéria-prima, esta encontrada apenas na natureza. Assim, desde os primeiros minutos do filme, Wall-E nos confronta com um cenário apocalíptico: um planeta coberto de lixo, sem vegetação, sem vida, resultado desse estilo de vida predatório e insaciável.

Infelizmente, essa visão não está tão distante da realidade. O desperdício excessivo e a degradação ambiental são desafios que enfrentamos diariamente, seja a nível individual ou coletivo. Um exemplo cotidiano desse problema pode ser encontrado no uso desenfreado de plásticos descartáveis, um dos materiais que não se desgasta com o tempo; logo, não é reabsorvido pela natureza nem entra em seu ciclo de renovação. O uso excessivo de plástico causa não apenas o acúmulo desse material, mas polui diversos ecossistemas e interfere diretamente na vida de animais.
A cada ano, milhões de toneladas de plástico vão parar nos oceanos, prejudicando a vida marinha e contaminando ecossistemas inteiros. Assim como a humanidade de Wall-E ignorou os sinais de alerta, muitas sociedades continuam a priorizar o consumo em vez da sustentabilidade. É nesse ponto que a ficção encontra-se com a realidade: será que não estamos caminhando para um futuro parecido? É evidente que não viveremos no espaço, talvez não tenhamos também as mesmas condições que os humanos do filme; porém, a ficção tem o papel de nos alertar sobre como podemos acabar vivendo em um mundo em que não podemos respirar ou ter condições de nos manter, criando assim um ambiente inóspito para a própria vida humana.

A grande reflexão do filme parte desse ponto e nos indaga: será que queremos esperar até que seja tarde demais para agir? Pequenos hábitos, como reciclar, reduzir o desperdício e apoiar políticas ambientais, podem fazer uma enorme diferença para evitar um futuro desastroso para toda a humanidade.
Junto a isso, outro ponto-chave do filme está na forma que utilizamos a tecnologia. Como premissa, toda tecnologia que desenvolvemos tem como objetivo facilitar nossa forma de viver, seja a nível físico ou emocional, ou dando suporte para novas ideias. Assim, não há problema em usar a tecnologia em si, pois essa é uma grande aliada, mas o que ocorre quando aquilo que deveria facilitar nossa vida se torna uma prisão?
No filme, a humanidade está presa ao conforto e não consegue se livrar dessas amarras, o que a torna totalmente dependente daquilo que deveria ser apenas uma cômoda facilidade. Podemos achar, num primeiro momento, que isso nunca acontecerá conosco, mas será mesmo? Basta pensarmos na dificuldade que muitas pessoas possuem em sair de casa sem um celular, algo que até algumas décadas atrás era comum, afinal, nem celular existia. Hoje, porém, a nomofobia é um fato consumado e atinge milhões de pessoas. O medo de se desconectar causa ataques de pânico, ansiedade e outra série de problemas psicológicos.

Logo, estamos dependentes dessa tecnologia a nível psíquico, mas também no campo físico. Há quem não consiga sair de casa sem GPS, ou mesmo trabalhar sem ter acesso a internet. Tais tecnologias, que facilitam, e muito, nossa forma de viver, podem acabar por aprisionar nossa mente e corpo diante delas. É isso que ocorre em Wall-E, e isso nos leva a refletir até que ponto usamos de maneira inteligente as tecnologias que desenvolvemos. A crítica do filme, portanto, não poderia ser mais atual.
Por fim, o filme nos mostra que o equilíbrio é essencial. É interessante apontar que Wall-E, mesmo sendo uma máquina, demonstra mais humanidade do que os próprios humanos da Axiom, ou seja, demonstra que possui virtudes, que busca realizar seu dever e entende a necessidade de melhorar o mundo. Essa parece ser uma construção narrativa comum, porém é uma crítica muito importante: à medida que ficamos presos aos nossos desejos, realizando apenas aquilo que nos satisfaz, podemos nos transformar em pessoas desumanas.
Quantas vezes perdemos nossa empatia, nossa generosidade e gentileza quando estamos pensando apenas em nós mesmos? É isso que ocorre com a humanidade em Wall-E, que está presa dentro de uma caverna de desejos.Portanto, Wall-E não é apenas uma animação infantil; é um lembrete poderoso de que nossas escolhas hoje determinam o futuro. Basta agora sabermos qual desses futuros queremos cultivar e fazer nossas escolhas.
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