Você já percebeu como diferentes partes do nosso organismo estão completamente interligadas? É comum, por uma questão didática, nossos professores de biologia separarem os órgãos e sistemas do corpo em blocos para que assim possamos aprender com eficácia acerca das suas funções. Nesse sentido, será que nossas emoções, sentimentos e pensamentos não influenciam diretamente em nosso organismo, causando uma má regulação ou funcionamento deles?
Essa percepção é tão antiga quanto a própria humanidade, apesar de ser comprovada cientificamente somente há poucas décadas. Ainda assim, nos dias atuais, podemos encontrar quem ache que nossos “alimentos” psíquicos, ou seja, aquilo que guardamos e consumimos de forma subjetiva, não tem relação com os nossos hábitos e o funcionamento biológico do nosso corpo.
Da mesma maneira que a mente influencia no corpo, também é comprovado que o corpo influencia diretamente em nossos estados emocionais. Para confirmar essa ideia basta pensarmos em como ficamos após praticar um esporte que gostamos. A atividade física libera uma série de hormônios que nos causam alegria, euforia e bem-estar. O mesmo acontece quando estamos diante de uma refeição que apreciamos, o que nos leva a estados emocionais positivos. Se partimos dessas considerações, podemos compreender que somos um só organismo que possui diferentes atributos: corpo, energia, emoções e mente. Todas essas partes, tal qual um automóvel, estão interligadas e funcionam de maneira interdependentes.
Por muitos séculos, porém, essa percepção de um organismo integrado foi perdida pela nossa ciência. Quando olhamos para os tratamentos de saúde, por exemplo, nota-se que existe uma preocupação em tratar apenas de forma isolada o local em que nosso corpo se machucou ou gerou uma doença. Entretanto, seria necessário tratar o organismo como um todo, desde os seus aspectos mais sutis como os pensamentos e emoções negativas, como também a doença em seu aspecto mais objetivo, tal qual fazemos atualmente. Mas nem sempre foi assim.
Hipócrates, o grande patrono da medicina e um dos primeiros médicos da Grécia, falava aos seus pacientes, antes de tratá-los, se eles estavam dispostos a abrir mão dos pensamentos e emoções que o fizeram adoecer. Essa abordagem tão “inovadora” para os tempos modernos era, na realidade, um princípio que era seguido dentro de todas as escolas de medicina da antiguidade, tanto no Oriente quanto no Ocidente. Tratava-se o indivíduo de forma completa, e não como um autômato que precisa apenas substituir peças quando estas estão velhas ou desgastadas.
Nesse sentido, é preciso compreendermos que somos um e que, de forma direta ou não, tudo em nós está em comunicação. Nosso estômago é um exemplo perfeito disso, pois nas mais distintas tradições ele tem um papel tão importante quanto o cérebro ou o coração em nossa funcionalidade.
De modo objetivo, o estômago é o órgão responsável pela transformação dos alimentos em bolo alimentar e esse é um dos principais componentes da digestão, o processo no qual conseguimos absorver os nutrientes necessários para nos manter vivos. Dentro do nosso sistema digestivo, composto também pelos intestinos, existe um universo à parte de microorganismos, em geral, bactérias e fungos que vivem de maneira harmônica (quando estamos saudáveis) conosco. Por isso uma dieta balanceada é fundamental para manter esse mundo interno em equilíbrio.
De acordo com a medicina chinesa, o estômago está diretamente ligado à maneira que tomamos decisões. É o órgão que define as nossas escolhas e tem um papel direto no nosso sistema nervoso. Nessa mesma linha, podemos dizer que ele atua como um “segundo cérebro”, uma vez que somos conduzidos por suas inclinações. Quem de nós nunca ouviu o dito popular “está pensando com a barriga” quando queremos comer um alimento que nos apetece? Parece-nos, portanto, que há de fato uma relação intrínseca entre esse órgão e todo o sistema digestório com as nossas tomadas de decisões.
Além disso, diversas tradições associam as práticas alimentares a um caminho de evolução espiritual. Os Ascetas Orientais, por exemplo, praticavam suas meditações junto a jejuns intermitentes, alguns chegando a morrer de inanição para alcançar esse estado superior de consciência. Já na religião Islâmica existe o Ramadã, o mês sagrado dos Muçulmanos em que só é permitido se alimentar quando o sol se põe. Em outras doutrinas religiosas, acontece algo similar, como, em determinados períodos do ano, deve-se abster de certos alimentos e bebidas.
Precisamos compreender que tais práticas não são fruto do acaso, mas símbolos que associam diretamente aquilo que ingerimos com nosso caminho evolutivo. Se fisicamente o alimento nos serve para ter energia e nos manter vivos, deve-se considerar que em uma perspectiva subjetiva também há alimentos que servem para a alma e não somente ao nosso corpo.
Podemos entender, desse ponto de vista, que o sistema digestivo não tem uma função somente de processar alimentos, mas, desde tempos remotos, busca associá-los a ideias mais profundas. Hoje em dia, através da ciência, sabe-se que somente no intestino, há mais de cem milhões de neurônios, o que permite sua independência operacional frente aos outros órgãos do corpo. Além disso, cerca de 80% de todo nosso sistema imunológico parte desta região.
Não por acaso, existem diversos tratamentos de doenças neurodegenerativas, como Alzheimer e Parkinson, doenças autoimunes, como vitiligo, psoríase e diabetes, e até mesmo casos de autismo, que são fundamentadas fortemente na mudança alimentar. Há inúmeros casos clínicos relatados de melhorias dos quadros, até mesmo de remissão, por causa da alimentação. Como uma patologia do sistema nervoso pode melhorar por causa da alimentação? A justificativa consiste na tese de que esse eixo cérebro – estômago/intestino estão interligados.
No fim, toda a complexidade do estômago e o sistema digestivo humano apresentam um duplo aspecto que nos é tão importante: por um lado, ele cumpre funções objetivas, ligadas diretamente à nossa sobrevivência enquanto corpo físico. Sem ele, sem dúvidas, jamais poderíamos estar aqui. Porém, apesar de um aspecto extremamente material, muitas doutrinas e religiões perceberam sua ligação com um elemento mais sutil do Ser Humano, que é a nossa vida espiritual. Desse modo, podemos dizer que esse sistema é uma ponte entre a terra e o céu, a matéria e o espírito.
Talvez essa seja, em última análise, a razão pela qual as práticas alimentares e os jejuns estão tão presentes na vida das pessoas que buscam essa ascensão espiritual, pois elas veem nesse sistema inteligente uma maneira de abrir as portas da nossa consciência.