Imagine-se como um artista. Todo artista tem seu grande sonho de fazer sua Arte e ter o reconhecimento que merece. Já imaginou se você pudesse ter este sonho realizado, mas às custas de plágio? Será que encontraria felicidade e realização nisso? Para que serve a Arte, afinal? Para agradar o público ou para expressar a identidade de um artista? Todos esses questionamentos nos fazemos ao assistir o filme “Yesterday”, de 2019, que está no serviço de streaming Netflix.
Jack é um músico que há 10 anos tenta viver de suas composições e performances, porém, apesar de ter o apoio de seus amigos e familiares, nunca conseguiu o sucesso almejado. Certo dia, no mesmo momento que ocorre um apagão mundial, ele sofre um acidente e, após acordar, percebe atônito que a banda pop The Beatles foi apagada da memória de toda a humanidade. Somente ele tinha a memória e conhecimento da existência deles. Percebendo a oportunidade, Jack abandona as composições próprias e passa a tocar as canções dos Beatles, que indubitavelmente tinham um valor musical muito maior e, aos poucos, vai alcançando o que ele sempre quis, uma carreira musical de sucesso.
À medida que seu sucesso cresce, a angústia e preocupação também, pois o medo de ser descoberto está sempre presente e a falta de realização como artista fica cada vez mais evidente. Aquelas canções não eram oriundas de sua experiência de vida e das expressões de sua alma, eram apenas reproduções de grandes artistas. Uma cena que ilustra bem o quanto faltava dele naquele sucesso e naquelas canções, é quando Jack tenta inserir uma canção de sua autoria no meio de outras que estavam sendo gravadas para o álbum de estréia e a equipe não aprova. Somente as músicas compostas pelos Beatles é que agradavam a todos.
Até que ponto o sucesso vale a pena? O que é o sucesso na verdade? É ser validado pela opinião dos outros ou aceitar quem nós somos e viver nossa vida conforme nossos valores, mesmo que não haja aplausos?
O filme nos convida a refletir sobre a realização humana. O homem é feliz quando se realiza plenamente, quando sente que cumpriu com seu papel. Cada um de nós tem algo a contribuir, algo que somente nós podemos entregar ao mundo, mas muitas vezes isso não significará um reconhecimento mundial, um sucesso estrondoso, premiações e fã-clubes. A grande maioria de nós não se torna um Beatle, e aí, onde está a felicidade, afinal?
Depois de percorrermos saudosamente a tentativa de Jack de lembrar os pormenores das músicas e de nos deliciarmos, ouvindo canções que realmente são belas, profundas e sensíveis, bem como nos identificarmos com o protagonista e até mesmo torcermos pelo seu sucesso, já que ele é carismático e sua história de vida nos faz perceber que ele é uma boa pessoa, o filme nos encaminha para aquilo que nós já sabemos ser um final inevitável. Jack, por ser um bom ser humano, não tinha como sustentar aquele comportamento, não era uma postura ética.
No fundo, no fundo, nós queremos ter sucesso sendo nós mesmos, queremos tocar as pessoas com nossos sentimentos, nossas reflexões e nossas ações no mundo, aspectos genuinamente nossos. Ainda hoje lembramos aquele trecho de Shakespeare, em que Hamlet se pergunta “Ser ou não ser, eis a questão”, porque de fato, a todo momento, a vida nos convida a agirmos conforme nossos valores, conforme nosso Ser nos dita.
Jack só encontra a verdadeira realização quando abre mão de assumir a autoria de músicas que não eram dele. Como quem aceita ser quem é, gosta de quem é, assume sua história de vida e começa a compor canções que expressam seu ponto de vista sobre o mundo, assim naturalmente vai conquistando seu espaço. Não num palco para milhares de pessoas, mas para aquelas poucas que estavam ali genuinamente para ouvi-lo e para se emocionar com quem ele realmente é. Façamos e sejamos como Jack, busquemos a felicidade através de nossa autenticidade.