As tradições têm um valor inestimável em nossas vidas. Quem de nós aprendeu uma receita de família, passada de geração em geração? Quando ficamos doentes, por exemplo, e nossa mãe ou avó sabe um chá que é essencial para nos devolver a saúde, não é mesmo? Esses conhecimentos que, em geral, são desenvolvidos por meio da experiência acumulada dos nossos antepassados, são parte de uma sabedoria popular que nos foi legada. Assim, diferentemente das descobertas científicas testadas em laboratório e por diferentes teorias, a tradição se constrói a partir da prática diária, da observação de resultados e, principalmente, da transmissão desse conhecimento.
Essa forma tradicional, porém, pode ser vivida sob diferentes âmbitos: desde tradições familiares até à cultura de uma civilização que, baseada nessa transmissão de conhecimento, construiu verdadeiras ciências, na antiguidade. Considerando esse ponto de vista, há um grande legado humano que podemos acessar a partir da tradição desses povos que se utilizavam de diferentes métodos para resolver problemas cotidianos. A maioria desses problemas, por sua vez, ainda nos afeta profundamente como, por exemplo, algumas doenças. Todos os Seres Humanos, desde a sua origem, passam pela experiência de ficar doentes. Hoje, temos uma medicina bem consolidada, baseada no método científico e na produção de diversos remédios, vacinas e tratamentos para as mais diferentes enfermidades. Porém, como será que os antigos lidavam com esse problema?
Conheceremos, agora, um pouco da tradição Indiana através da sua medicina, chamada de Ayurveda. Em sânscrito, a palavra “Ayurveda” significa “ciência da vida” e vem sendo praticada desde o início da história do povo Indiano, há cerca de cinco mil anos. Essa ciência da cura, porém, tem muitos pontos distintos da nossa forma atual de medicina, o que pode ser encarado como um ponto muito válido, pois se a compreendermos bem, poderemos expandir nossa visão acerca da nossa saúde e como fazer para mantê-la por mais tempo.
Um dos primeiros princípios da medicina Ayurveda, por exemplo, trata-se não apenas do nosso aspecto biológico, mas principalmente mental. Para os antigos Hindus, o nosso corpo não era uma “máquina” biológica, que basta tratar os sintomas físicos e tudo estará bem. Na realidade, a Ayurveda busca tratar o Ser Humano como um todo, entendendo que, se há um problema físico, seja ele qual for, haverá também um problema psíquico envolvido. Assim, diferentemente da nossa medicina, o conceito de saúde para a Ayurveda é a harmonia entre o corpo, a psique e a alma.
Neste sentido, o tratamento da medicina Ayurveda passa por uma série de áreas da saúde como a Nutrição, a Terapia, a Yoga, o uso de chás e fitoterápicos, entre outros aspectos. Para entendermos melhor essa percepção, vamos entender um pouco sobre cada um desses aspectos para a medicina Indiana. Começando pela alimentação, os Hindus partem de um princípio muito interessante: cada pessoa tem uma natureza e ela reflete diretamente em nossos corpos. Assim, para cada um de nós há grupos de alimentos que nos favorecem e outros que devemos evitar. Se fizermos um comparativo com a nutrição atual, perceberemos que essa ideia também está presente neste ramo da saúde. Cada pessoa tem um ritmo distinto, um metabolismo e, em alguns casos, até rejeição (ou alergia) a certos alimentos. Por isso, as dietas são individuais e não, necessariamente, o mesmo regime alimentar trará benefícios para duas ou mais pessoas.
Esse aspecto da individualidade é fundamental para entendermos que não somos nós que nos ajustamos aos remédios ou às tendências da saúde, mas que as dietas e os tratamentos é que se adaptam ao que o nosso corpo precisa para se restabelecer. Dito isso, para a medicina Ayurveda existem três tipos gerais de pessoas: Pitta, Vata e Kapha.
Uma pessoa Pitta, de maneira geral, tem como característica o metabolismo acelerado e por isso são muito ativas. Igualmente, elas sentem muita necessidade de ingerir água. Já as pessoas do tipo Vata, em geral, são pessoas com pouca massa muscular, magras e tendem a ser mais altas. São ágeis e flexíveis. E os Kapha são mais densos e ganham peso mais facilmente. São pessoas fisicamente mais fortes, com muita massa.
Esses são aspectos puramente físicos, mas, de acordo com a medicina Ayurveda, cada um desses tipos também apresentam características psicológicas próprias. Frente a isso, não iremos detalhar tais aspectos, pois precisaríamos de muitas páginas para discorrer sobre o assunto, porém é importante não perdermos de vista esse princípio da medicina Indiana: nada está separado. Logo, tudo que está expresso no físico, também existe em nossa psique, pois o corpo, em seu aspecto mais profundo, é um só.
Tendo isso em mente, as práticas de terapia e meditação são fundamentais dentro do tratamento Ayurveda. Isso porque a meditação, por exemplo, busca equilibrar todos os nossos elementos internos, notadamente, os pensamentos e emoções. Já as terapias fazem com que possamos compreender aquilo que em nós se formou como um trauma. Nessa perspectiva, é essencial resolver tais problemas de natureza psicológica, pois são eles que irão, cedo ou tarde, manifestar-se em nosso corpo.
Junto a essas práticas, há também massagens para liberação de energia e relaxamento do corpo e práticas de purificação. Quanto a esta, devemos entendê-la tanto no aspecto físico, com a higiene pessoal, assim como uma purificação de sentimentos, emoções e pensamentos que nos “sujam” de modo sutil. A verdadeira saúde está em manter esse estado de equilíbrio, tanto dentro como fora de nós, pois não é possível dizer que se está saudável quando diversos traumas e emoções estão contidas em nosso ser mais profundo.
Nessa perspectiva, lembremos de uma importante frase dita pelo poeta romano Juvenal Mens sana in corpore sano, ou seja, “mente sã em um corpo são”. A verdadeira saúde é aquela que apresenta o equilíbrio em todos os aspectos, sejam eles de ordem psíquica ou somática. Atualmente, a nossa medicina ainda apresenta divisões quanto a isso, uma vez que quando estamos doentes, em nosso aspecto físico, achamos que apenas nosso corpo está debilitado. De igual modo, quando alguma doença psíquica se manifesta, achamos que somente a nossa mente se encontra “fora do lugar”, e que práticas voltadas ao corpo não agregam em nada para o processo de cura. Entretanto, cada vez mais, percebemos o quanto nosso corpo é, de fato, um só. Hoje, diversos tratamentos já indicam o valor psicossomático de tratamentos, ou seja, que a melhora de nossa saúde física afeta também nossa saúde mental e vice-versa.
Apesar da medicina Ayurveda não ter comprovação científica, suas ideias e princípios são inestimáveis para termos uma compreensão mais profunda da vida. Destacamos tal aspecto pois, infelizmente, ainda achamos que meios tradicionais, vividos há milênios, são práticas ultrapassadas e que em nada podem nos ajudar. Somos filhos da ciência e é graças aos avanços científicos que podemos ter uma vida mais longa, porém, a nossa qualidade de vida não, necessariamente, está relacionada a tais avanços. Qualidade de vida, em síntese, é a capacidade de estarmos em equilíbrio com o mundo à nossa volta, seja o mundo natural ou as nossas práticas sociais. Neste sentido, reafirma-se o valor de termos uma saúde integral que abranja todos os nossos aspectos, do físico ao mental.
Por fim, a lição mais significativa que a medicina Indiana pode nos deixar é essa: somos um único corpo, logo, devemos tratá-lo como um todo e não somente suas partes. Se assim o fizermos, poderemos perceber, quem sabe, que essa visão de unidade em nós mesmos pode ser ampliada até considerarmos a vida humana como una. Logo, não há separação entre nós, e o problema que tira a saúde de uma pessoa, seja onde for, é um problema para toda a humanidade. Se passarmos a nos enxergar como um só corpo que precisa urgentemente de uma cura (pois há muitas partes que estão doentes em nossa sociedade), não nos permitiríamos ficar um dia sem buscar ajuda para os demais. Dentro dessa perspectiva, urge a necessidade de renovar a saúde da humanidade, tanto física, psicológica, como espiritualmente. Que sejamos nós esses agentes da cura para um mundo mais Justo, Bondoso e Belo.