Conhecendo Xangô, o Deus do fogo oculto

Todas as Culturas Humanas criaram seus Mitos, Deuses e Lendas. Sejam antigas ou modernas, sempre buscamos explicar a nossa realidade e para tanto essas histórias e crenças são caminhos que ajudam a entendermos um pouco do Mistério do Universo. Se hoje, por exemplo, buscamos entender o mundo através do método científico, com provas, experimentos e teorias, em civilizações mais antigas as ideias e símbolos eram a trilha a ser percorrida para conhecer os Segredos que regem a Natureza.

Desse modo, não é incomum conhecermos diversas mitologias e, em maior ou menor grau, suas histórias apresentarem ideias ou relações parecidas umas com as outras. Como cada cultura desenvolve seus mitos a partir de suas experiências, os Deuses e Lendas que permeiam as civilizações são as mais variadas possíveis, mas todas têm um mesmo sentido: compreender melhor o Universo e seus fenômenos.

Se partirmos dessa premissa ao estudar sobre mitologia poderemos perceber que esta é um campo fértil de Ideias e Símbolos que nos ajudam a refletir sobre a nossa própria realidade. Os mitos, afinal, não são apenas histórias antigas que não fazem sentido, mas sim ideias e realidades psicológicas que ocorrem todos os dias conosco em diferentes situações. Portanto, hoje iremos conhecer um pouco mais sobre a mitologia africana a partir de um dos seus Deuses: Xangô, o Deus do fogo.

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Conta a Mitologia Iorubá que Xangô não nasceu como um Orixá, mas tornou-se um. Ele era o Rei de Oyó – região da atual Nigéria – e era conhecido por ser justo e guerreiro. Xangô tinha pretensões de conquistar sempre novos territórios, o que gerava guerras e disputas com outras regiões da África. Precisando de novas armas para combater seus adversários, Xangô pediu que sua esposa, Iansã, fosse até um reino vizinho chamado Baribas e trouxesse uma poção mágica, pois esta lhe daria poderes. Iansã então viajou e conseguiu a poção para o seu marido, porém, sua curiosidade foi maior do que a obediência e ela provou a poção antes de Xangô. Assim que ela bebeu a poção a cuspiu, devido ao péssimo gosto da bebida, porém, de sua boca saiu uma labareda de fogo. Assim, não apenas Xangô tornou-se um ser poderoso, mas também sua esposa.

Xangô, ao perceber que a poção funcionava, a bebeu e passou a controlar os raios e os trovões, além de obter o Poder do Fogo. Entretanto, por descuido, o rei de Oyó acabou incendiando sua cidade enquanto testava suas habilidades. Como punição, o conselho de anciões de Oyó determinou a expulsão do rei e que este deveria cometer suicídio na floresta como uma forma de redimir-se pelos danos causados. Xangô concordou com o veredito e dirigiu-se à floresta, porém, nunca encontraram seu corpo. Assim, conta-se a lenda que os Orixás, ao verem o rei na floresta, o transformaram em um Deus. Desde então, ao escutarem os trovões e enxergarem os raios em uma tempestade, os seguidores das religiões africanas entendem como uma manifestação do poder de Xangô, que segue vivo e protegendo seu reino na condição de Divindade.

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Para além do mito, existem diversos símbolos e representações de Xangô. Antes de falarmos disso, porém, vale ressaltar que Iansã, a esposa de Xangô, também é uma Orixá da Mitologia Iorubá e, tal como seu marido, está associada aos trovões, raios e ao fogo. O fato dela beber da mesma poção que Xangô a faz ter características parecidas, apesar de também ter claras distinções e atributos específicos. 

Além de Iansã, Xangô tem outras duas esposas, Obá e Oxum. Sua principal arma é a Oxé, também conhecida como Machado de Xangô. Com esse machado de duplo fio Xangô combate os inimigos e protege seus filhos, sendo este um símbolo da dualidade. Nas tradições antigas o machado de duplo fio representava ao guerreiro o combate tanto externo como interno, ou seja, além de enfrentar seus inimigos era preciso, acima de tudo, vencer a si mesmo. Visto isso, Xangô não é apenas um Orixá guerreiro, conquistador, mas também representa aqueles que buscam aprender sobre si mesmos e desejam caminhar para a Sabedoria. Por isso Xangô também é conhecido como protetor dos intelectuais, ou aqueles que procuram o conhecimento. O livro, por exemplo, é um dos elementos presentes no culto a esse Orixá, como meio de representar a busca pela Sabedoria.

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Uma evidência dessa ideia está no próprio nome do Orixá que significa “senhor do fogo oculto”. Trata-se aqui do fogo interno – por isso oculto, pois ninguém pode ver – que seria a nossa Essência, aquilo que de mais Sagrado existe em nós. Somente através da Sabedoria podemos chegar a conhecer a nós mesmos, o que somos para além dos nossos prazeres, instintos e dores. O machado de Xangô protegeria essa chama interna, vigiando-a para que não se apague. 

Levando essa ideia para nossa vida prática, pensemos nas guerras internas que travamos ao longo do dia. Muitas vezes entramos em conflito (o famoso “peso na consciência”) por não saber como agir em algumas situações. Frente a isso, poderíamos usar o fogo oculto de Xangô como referência para as nossas ações e refletir: o que estou prestes a fazer irá aumentar minha chama interna, ou irá apagá-la? Irei me aproximar do que sou verdadeiramente ou não?

Colocando em exemplos, pensemos dessa forma: entre o meu prazer pessoal e o meu dever frente ao mundo, qual deve ser minha prioridade? Essa parece ser uma resposta “simples” e a grande maioria deve responder que é preferível cumprir com o dever. Entretanto, na prática, temos dificuldade de escolher entre esses dois. Há, quase literalmente, uma guerra interna para decidir como agir frente a essas situações. Por isso Xangô usa seu machado para proteger e manter o fogo oculto aceso e vivo, pois muitas são as batalhas que enfrentamos diariamente para seguirmos firmes. 

Junto a isso, Xangô, não por acaso, também é o Orixá da Justiça, pois é quem busca o equilíbrio justo de todas as coisas. É quem consegue agir e, eventualmente, punir aqueles que não alimentam sua chama interna. Porém, não pensemos em Xangô como uma Divindade punitiva, mas sim como aquele que aplica a correta Justiça, afinal, antes de julgar os outros também julga a si mesmo. Assim, a Divindade, e aqueles que têm devoção por Xangô, nunca sentenciam sem antes investigar suas reais motivações.

Aqui no Brasil, Xangô está associado a alguns santos e arcanjos da Igreja Católica. O principal deles é São Jerônimo, um dos doutores da Igreja e principais sábios da cristandade. Xangô também está associado ao arcanjo Miguel, um dos santos guerreiros e conhecido como o Arcanjo da Justiça. Essas duas associações ajudam a compreender, em síntese, o que o Orixá Iorubá representa: A guerra justa.

Tentemos explicar: a Justiça é, em linhas gerais, uma Ideia a ser alcançada. Todos nós queremos, em maior ou menor grau, sermos Justos. Porém, nem sempre somos Justos em nossas ações, seja conosco ou com as pessoas ao nosso redor. Quando, por exemplo, não gostamos de alguém, seja por qual motivo for, tendemos a agir de forma injusta com a pessoa. Por isso que a conquista da Justiça, para nós, é uma batalha interna, pois não podemos deixar nossas emoções e preconceitos determinarem a forma que julgamos os demais. Acima disso, é preciso usar corretamente a razão para enxergarmos o que seria, em cada caso, a Justiça. Assim, o caminho para vencermos a batalha em nome dessa Virtude é a Sabedoria, ou seja, conhecermos a nós mesmos e sabermos diferenciar quando estamos agindo através de nossas emoções e quando estamos, de fato, buscando o Equilíbrio e a verdadeira Justiça.

Assim, Xangô não é apenas o Orixá guerreiro e conquistador que conta-se em seu mito, mas sim uma Ideia de Justiça e de superação de si mesmo, que podemos viver todos os dias. Quando observamos por esse ponto de vista, não há espaço para preconceitos ou limitações para com a cultura Iorubá, apenas respeito pelas Ideias inspiradoras que esses Deuses carregam em si e que tanto ajudam em nossa caminhada. Que possamos, portanto, enxergar essa Justa Batalha em nossas ações e, assim como Xangô, consigamos derrotar nossos adversários internos e proteger nossa chama interna.  

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