O que é Xamanismo? Não é uma religião, não é uma ciência, não é a cultura de um povo específico. Talvez os limites do nosso sistema de pensamento ocidental não dêem conta dessa pergunta. Para simplificar os conceitos, costumamos encaixar as práticas xamãs na categoria dos feiticeiros, curandeiros, magos, etc. Por isso, este texto pretende construir uma aproximação do que seria o Xamanismo, a partir da nossa linguagem ocidental e contemporânea.
Quando nascemos, encontramos ao nosso redor uma cultura que olha a realidade a partir de um ponto de vista ou um paradigma e somos tendentes a compreender tudo a partir dessa visão, na qual estamos mergulhados e desenvolvemos nossa personalidade. É como se esse paradigma fosse único, a tal ponto de não existir outro jeito de acessar a realidade. No entanto, isso é uma ilusão. A realidade é como uma montanha, ao redor da qual há inúmeros pontos de vista, mas todos olham para a mesma montanha. A ciência, a tecnologia, as formas religiosas, as artes, tudo que dispomos, que conhecemos e que nos é familiar não são os únicos meios de acesso à realidade, são apenas mais um ponto de acesso.
O Xamanismo, nesse sentido, é um jeito de acessar a realidade diverso do jeito como hoje acessamos. Xamanismo é uma mentalidade, uma cosmovisão, um paradigma que envolve aspectos Sagrados, científicos, artísticos, políticos e sobretudo filosóficos, mas por caminhos desconhecidos e de certo modo intraduzíveis em nossa linguagem. O termo em si, “Xamanismo”, não é muito feliz, pois acaba sugerindo algo que é muito limitado para o que de fato é esse jeito de ver a realidade. Criado por antropólogos que estudavam a manifestação de práticas mágico-religiosas na região da Sibéria, o termo se limita a descrever um sistema de práticas ligadas a curas por meio da natureza, transes religiosos, etc.
Na verdade o Xamanismo é muito maior do que isso. Essas práticas que envolvem curas, uso de substâncias psicoativas, alterações de consciência, formação de religiões, etc, constituem uma espécie de vestígio na contemporaneidade de um jeito de acessar a realidade que entrou em ocaso ao longo de milênios, do qual conhecemos apenas alguns poucos traços e ficamos sem saber exatamente o que é. Existem escritas rupestres com datação de 30 mil anos que já retratavam práticas xamânicas. Mal conseguimos mapear os últimos quatro mil anos da nossa história, o que dirá o que aconteceu nos últimos trinta mil anos? Não sabemos. Como se explica a construção de monumentos tão colossais como as pirâmides que encontramos hoje no Egito e nas civilizações pré-colombianas da América? Como se explica a existência de xamãs na região da Sibéria e ao mesmo tempo de pajés na floresta amazônica brasileira, com práticas e ritos similares?
A história nos é completamente misteriosa, como o é também a Natureza. Não conhecemos em profundidade as Leis Ocultas do mundo natural, mas podemos afirmar que houve momentos na história humana em que nossos ancestrais acessavam aspectos da Natureza que ainda nos são desconhecidos, comunicavam-se com seres que ainda não entendemos bem quem são, de que natureza são, de onde provém, nem que essência tem. Chamamos de espíritos, elementais ou qualquer outro termo, porque precisamos construir uma narrativa para poder lidar com algo tão desconhecido, mas essas categorias não dão conta de explicar exatamente o que são em essência.
Quando somos muito ignorantes em relação a alguma coisa, a experiência nos mostra que o melhor a se fazer é crescer em conhecimento para poder lidar com esse desconhecido. É muito perigoso começar a manejar o desconhecido sem antes levantar o véu que o encobre. Você já ouviu falar na história do acidente com o Césio – 137 na cidade de Goiânia? Ocorreu em 1987, quando uma pessoa que trabalhava com coleta de lixo levou para casa uma cápsula com a substância radioativa, sem saber do que se tratava. Os parentes começaram a apreciar o objeto, pois no escuro, brilhava muito. Assim, filhos, vizinhos, todos tiveram contato com o material, admirando o fenômeno. O que aconteceu foi muito triste, duzentos e quarenta e nove pessoas contaminadas morreram, entre elas crianças, jovens, adultos, além de muitos terem tido amputações e lesões permanentes, sem falar em diversos danos psíquicos. Essas pessoas não tinham culpa, foram atraídas pela Beleza da Natureza, a luminosidade do material, mas não conheciam as Leis Naturais que regem esse tipo de material.
Essa experiência é muito representativa do perigo que há em se fazer uso inadequado de fenômenos da Natureza que nos são desconhecidos. Podemos cair em um abismo, não por maldade, pois a intenção, às vezes, é a melhor possível. O uso de ervas com fim de provocar alteração da consciência, por exemplo, com todo respeito aos grupos que praticam, já que em geral estão em busca de quietude mental e de respostas para suas buscas profundas, parece ser uma prática ainda muito perigosa para esta contemporaneidade, em razão do desconhecimento da nossa cultura em relação aos aspectos físicos, energéticos, psíquicos, mentais e espirituais que envolvem esse tipo de interação. Nossos ancestrais praticavam porque detinham o conhecimento que não temos. Os achados arqueológicos ao longo de todos os continentes do planeta apontam para uma cosmovisão antiga muito diferente da que temos hoje. O jeito de lidar com as doenças, a agricultura e com os sistemas vivos em geral era muito diferente do nosso, e é desse paradigma que surgiu essas práticas ritualísticas envolvendo uso de ervas, cura pela natureza, etc. Ao que parece, o mais recomendável a se fazer em relação às práticas xamãs é buscar conhecê-las, com o respeito que se deve ter diante do desconhecido e com a Vontade investigativa que devemos ter enquanto Espírito Humano buscador do Mistério.