O que você faria se pudesse voltar ao passado? Será que gostaria de mudar algum detalhe de sua infância? Evitar uma experiência dolorosa ou mesmo reverter um erro cometido naqueles tempos? Muitas vezes desejamos que certos aspectos de nossa vida não tivessem ocorrido do modo como aconteceram e essa indignação com nossa própria história nos faz pensar que talvez tudo pudesse ser diferente caso as nossas escolhas tivessem sido outras. Esse pensamento está correto, afinal, toda a nossa vida foi definida, gostemos ou não, pelas escolhas e ações que tivemos ao longo de nossa existência. Mas será que alterar o passado nos levaria, necessariamente, para um futuro melhor?
Essa é uma das grandes discussões levantadas pelo filme Efeito Borboleta. Lançado em 2004, o longa conta com a participação de Ashton Kutcher no papel principal e nos conta a curiosa história de Evan Treborn. Nascido numa pacata cidade norte-americana, Evan (Ashton Kutcher) não é uma criança normal. Com o pai internado por causa de problemas mentais, ele foi criado apenas pela mãe, Andrea. O menino começa a apresentar “blackouts” de memória quando está sob pressão emocional. Depois de passar por uma série de exames, o médico recomenda que o garoto faça um diário, numa tentativa de recuperar as lembranças que ficam reprimidas. A adolescência de Evan, no entanto, continua sendo uma série de desastres para ele e os três amigos: o medroso Leny, o malvado Tommy e a namorada Kayleigh.
Separados definitivamente por uma tragédia, a qual o rapaz não consegue se lembrar, ele muda de cidade ao lado da mãe. O tempo passa. Ainda com problemas de memória, Evan se torna um estudante de psicologia e vai morar numa república. Um dia, ao ler os diários da infância, ele começa a ter visões e a lembrar tudo o que os “blackouts” de sua mente reprimiram no passado. O rapaz imagina que está interferindo no passado e fazendo mudanças em alguns fatos. Mas, tudo não passa de pura imaginação. As alterações feitas começam a refletir no presente, e as consequências, acidentalmente, prejudicam ele ou os amigos. Evan faz várias tentativas de voltar ao passado para consertar tudo que deu errado na esperança de dar um desfecho feliz à sua trágica adolescência.
Todavia, sempre que Evan muda algum aspecto do seu passado, na esperança de construir o futuro perfeito ao lado dos seus amigos e sua namorada, parece que o novo futuro passa a ser, de certo modo, pior do que o anterior. Frente a essas sucessivas tentativas fracassadas, o jovem vai descobrindo que talvez não exista esse futuro perfeito e que, na verdade, é preciso entendermos que a vida tem uma dinâmica própria, uma inteligência que tenta fazer com que encontremos o sentido de tudo que vivemos.
Dentro dessa perspectiva, o filme deixa de ser apenas mais um longa que se propõe a entreter o espectador e nos leva a uma profunda reflexão sobre viagem no tempo, o sentido das experiências que passamos e o destino inexorável que precisamos viver. Falaremos um pouco de cada uma dessas ideias agora.
Tratando sobre viagem no tempo, é inegável que o “poder” de Evan se relaciona diretamente com os paradoxos que envolvem viajantes do tempo. Afinal, se o passado, presente e futuro estão intrinsecamente ligados, semelhante a uma teia de aranha na qual todas as partes estão em contato, como garantir que uma alteração no passado não cause a destruição do próprio viajante no presente ou no futuro? Um exemplo clássico disso está em pensarmos que um viajante do tempo poderia, por exemplo, assassinar seus avós ainda crianças no passado e, consequentemente, ele não teria como existir no presente. Porém, se ele não existe no presente (ou no futuro), como ele poderia ter voltado no tempo? Esse e outros casos semelhantes levaram os teóricos da viagem no tempo a postular que um dos princípios para que possa existir tal forma de viajar entre os espaços temporais seja o de que o viajante não teria poder de alterar o passado, tornando-se assim um espectador do tempo.
No caso do filme, a viagem ocorre de forma um pouco diferente, uma vez que o que se translada no tempo é a consciência de Evan e não o seu corpo. Sua mente lança sua consciência até o passado, e o pequeno Evan, que antes era apenas uma criança vivendo suas experiências, naquele momento tem total discernimento sobre quem é e sua “missão” de mudar o que está prestes a viver. A viagem no tempo, nesse caso, não ocorre por uma máquina ou um processo tecnológico, mas, de fato, por um “poder” que serve para explicar como Evan foi capaz de chegar até sua infância e alterá-la.
Isso nos leva ao próximo ponto de reflexão: qual o sentido das experiências que vivemos? É notável que o que somos hoje, para o bem ou para o mal, é resultado de tudo que vivemos e, consciente ou inconscientemente, processamos. As dificuldades de uma infância não ficam restritas à tenra idade, mas carregam em nós cicatrizes profundas que nos moldam. Desse modo, mesmo que essas experiências sejam traumáticas, é graças a elas que somos quem somos. A grande questão vem a partir daí: gostamos de quem somos hoje? A maioria das pessoas pode responder que sim, mas, ao mesmo tempo, também achamos que muitas experiências poderiam ser alteradas, que poderíamos ser mais felizes, mais realizados se tivéssemos escolhido outros caminhos ao longo da nossa jornada. O fato de não nos realizarmos com a vida que vivemos talvez seja justamente por não entendermos a necessidade de passarmos por algumas das vivências que fomos submetidos.
Desse modo, podemos pensar em um exemplo para tornarmos essa ideia mais clara. Imagine uma criança que reprova de ano. Certamente, passar por essa experiência não é nem um pouco agradável, e muitas podem tomar esse fato como um incentivo a desistir dos estudos, a largar a escola e usar sua vida para outros propósitos. Ao mesmo tempo, se a criança entende o motivo de ter repetido de ano e se compromete a se esforçar ainda mais no próximo ano letivo para passar, pode aprender muito mais do que matérias escolares como História, Física ou Matemática. Para além disso, essa criança aprenderá sobre a disciplina, sobre o esforço e a necessidade de cumprir com seus deveres. Assim, retiramos a essência das experiências e aprendemos mais do que o fato objetivo. Nesse aspecto, se tentamos alterar esse passado e evitamos a temida reprovação, talvez essa criança cresça e se torne um adulto que não conhece o valor das virtudes que citamos. Desse modo, as experiências carregam em si muito mais do que os seus resultados visíveis: também são capazes de causar grandes transformações nos indivíduos que sabem enxergar o que lhe acontece como uma oportunidade de crescimento interior.
Há, portanto, uma série de experiências que nos são necessárias. A dor e a alegria que são providas dessas experiências podem nos ajudar a tomar consciência de uma debilidade ou qualidade que possuímos. O destino, portanto, pode ser conduzido por vários caminhos, e cabe a nós perceber que toda nossa jornada foi, é e sempre será uma decisão nossa, mas que tem como finalidade a evolução humana. As duras experiências do passado são necessárias para formar nosso caráter, para nos ensinar importantes lições sobre convivência, autoconhecimento e a busca de enxergar o que há por detrás da vida comum. Mais que isso, devemos reconhecer que estamos todos conectados e, ao alterar um pequeno detalhe dessa jornada, podemos chegar a lugares obscuros, que não reconhecemos como nosso e que nos causam ainda mais temor que a vida que levamos atualmente.
Dito isso, é fundamental falarmos do próprio nome do filme: Efeito Borboleta. Esse efeito é, na verdade, um conceito da Física e advém de uma teoria ainda mais famosa, a teoria do caos. Ele nos diz, de forma resumida, que “o simples bater de asas de uma borboleta pode causar um furacão no outro lado do mundo.” De forma simples, essa frase busca mostrar que todos os elementos da natureza estão conectados e que, tal qual um castelo de dominós pode ruir com a queda de uma única peça, todo o equilíbrio da natureza está em constante mudança, em processos de evolução e destruição que a modificam e, ao mesmo tempo, a permitem ser harmônica. Assim como afirmava Heráclito, filósofo pré-socrático da antiga Grécia, a mudança é a única coisa que permanece estável no Universo, sendo assim uma lei da natureza.
Por fim, Efeito Borboleta se transformou em um fenômeno do cinema, sendo assistido por milhões de telespectadores. Seu sucesso está, sem dúvidas – para além das questões técnicas –, no fato de ser uma narrativa que atinge a todos nós e, ao mesmo tempo, consegue passar uma mensagem única de como é preciso aceitar a vida da maneira como ela se desenha, compreendendo nosso destino, e que, às vezes, querer a mudança é apenas se colocar em um novo cenário, com peças diferentes, mas com o mesmo objetivo perante a vida. Portanto, não desejemos cenários distintos para nós, mas sim que possamos entender o “jogo” que a vida constantemente vem nos colocando para praticar, mesmo que não estejamos entendendo todas as regras.
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