O real valor da Beleza e da Arte 

Qual o valor da Arte? E com essa pergunta queremos refletir sobre qual é a finalidade da Arte. Para que ela serve? Essa pode parecer uma pergunta sem utilidade, isso porque nem sempre tomamos consciência das coisas que fazemos. Às vezes, apenas repetimos os padrões que a opinião pública nos fornece. Sejamos a favor ou contra os padrões estabelecidos, quantas vezes nós realmente desenvolvemos uma ideia própria, ao invés de simplesmente seguir alguma manada de opinião que sempre pensa e “tuíta” igual. Perguntar a si mesmo o porquê fazemos o que fazemos, sentimos o que sentimos e pensamos o que pensamos pode ser uma ferramenta poderosa para tomarmos novamente as rédeas de nossa Vida. Mas não vamos nos perder na conversa e voltemos a falar de Arte. 

Talvez a pergunta deva ser feita de uma outra forma: Deve a Arte ter alguma utilidade? Oscar Wilde, no prefácio de seu livro, “O Retrato de Dorian Gray”, afirma que toda forma de Arte é completamente inútil. E, por incrível que pareça, é justamente nessa inutilidade que reside seu valor. Para Wilde, a única desculpa para se produzir algo inútil é por causa de uma admiração intensa. Aqui o artista é equiparado ao verdadeiro amante, que encontra contentamento em Amar. 

Pense um pouco: quando você viaja até a França e paga para contemplar a Monalisa, o que você espera receber em troca, que não o próprio ato da contemplação? A Arte seria inútil não por não ter sentido, mas por ser um fim em si mesma. Assim como o verdadeiro amante Ama e, embora possa colher os benefícios do Amor, continuaria amando ainda que não fosse correspondido, da mesma forma, o artista pode ganhar a Vida com sua Arte, mas, ainda que não recebesse um centavo por ela, a continuaria fazendo. O homem moderno, ao contrário dessa visão, acostumou-se a dedicar um olhar utilitarista para a Vida e, assim, sempre olha para as coisas buscando usá-las, por exemplo, olha uma árvore e só consegue ver lenha para sua fogueira, sombra para seu conforto e fruto para sua fome.

Com isso em mente, vamos analisar isso com mais detalhes por meio de uma possível situação. A cerejeira espera a primavera chegar para mostrar ao mundo o esplendor de suas flores e, ao invés de vermos um ser vivo que é a expressão de um pequeno milagre, uma verdadeira obra de Arte natural, há aqueles que só afiam os machados em busca de madeira. E de tanta corrupção de caráter, há os que veem as grandes obras de Arte somente como uma forma de gastar dinheiro. Quem não consegue ver a essência das coisas, mas só aquilo que lhes pode servir, não é capaz de compreender o verdadeiro sentido da Arte. 

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A garota do brinco de pérola por Johannes Vermeer.

Ainda que a Arte seja um fim em si mesma, não podemos falar de Valores absolutos nesse mundo. Todas as coisas são julgadas em função de algum referencial. Assim, podemos dizer que a comida está salgada, comparando-a com a média de sal usada pela culinária de nossa cultura. De fato, talvez também não seja possível falar neste mundo de algo que seja um fim em si mesmo. Por exemplo, porque vamos ao médico? Para termos saúde. Para que queremos saúde? Para trabalharmos. Para que trabalhamos? Para ganhar dinheiro. Para que queremos dinheiro? Para obtermos prazer. Para que buscamos prazer? Para sermos felizes. Repita essa equação com qualquer coisa, que você verá que ela termina em algo para além do mundo físico. Esse mesmo raciocínio pode ser usado para a Arte? Vejamos. Se não buscamos a Arte em si, mas algum estado a que a Arte pode nos levar, o que buscamos então? 

Platão, filósofo grego, nos apresentou a sua teoria das ideias. Para ele, tudo o que existe no mundo físico é a concretização imperfeita de uma ideia perfeita. Assim, concebeu dois mundos: um de sombras (em que vivemos) e um de ideias (que devemos buscar). Quem sabe fique melhor explicado com um exemplo. Imagine que queremos construir uma casa, do que precisamos primeiro? Da ideia da casa organizada em um projeto. Com isso em mãos, podemos contratar os melhores profissionais e usar os melhores recursos, mas a casa sempre irá apresentar um desnível mínimo em uma parede, um tom de cor diferente etc, pois a coisa feita, nunca é perfeita. A perfeição é atributo da ideia. E para Platão, nesse mundo das ideias, há três ideias mais elevadas que todas: a Justiça, a Bondade e a Beleza. 

A Arte hoje tem muitas funções, mas, para muitos pensadores do mundo clássico, a mais importante de todas é a de canalizar, ou seja, materializar o arquétipo da Beleza. Parece ser difícil compreender a Beleza como uma ideia, mas não é. Basta pensarmos que quando vemos uma paisagem natural, nos agradamos e reconhecemos a Beleza nela. Assim como quando vemos uma atitude de Generosidade, Coragem, ou Justiça, também reconhecemos nessa paisagem esta mesma Beleza. Ou quando descobrimos algo novo sobre o Universo, olhamos aquele pedacinho de Verdade e vemos Beleza nele. Percebem que há Beleza em todas estas situações? Este atributo, então, seria uma Virtude, e as coisas, as ações e as obras de Arte poderiam se aproximar, ou se afastar deste ideal arquetípico. Sempre que as coisas se aproximam, é como se elas tivessem captado um pouco dessa Virtude. É essa captação, essa materialização, que faria do artista um buscador, um homem que busca a Beleza. O artista vive no mundo sensível, no mundo de sombras, mas mesmo assim pode ser um pontífice entre um mundo e outro, já que ele consegue fazer com que os outros também percebam este atributo Divino através de suas obras.

Dito isso, qual o valor metafísico da Arte? A Arte pode nos conectar com esse atributo Divino que é a Beleza. Para Platão, esse contato é fundamental para que desenvolvamos o gosto pelo que é Harmônico e Saudável. E, progressivamente, de tanto gostar da Harmonia nas formas, tenderemos a procurar esta mesma Harmonia nas relações, nas emoções e nos pensamentos. O grande filósofo deu tamanha importância a isso, que, no seu grande livro “A República”, ele recomenda que a educação das crianças deve começar pela Música (a Arte das musas), uma vez que a Arte tem um papel pedagógico de depurar nosso gosto pela Vida. 

Toda Arte é então essa ponte entre dois mundos? Respondemos com outra pergunta. Todas as leis são justas? Dessa forma, assim como as leis se aproximam mais ou menos da Justiça, na medida em que refletem esse arquétipo, cada expressão artística poderia ser mais ou menos próxima deste ideal de Beleza. Então, como saber qual expressão artística participa mais da ideia da Beleza? Esse campo minado deixaremos que você mesmo percorra. Como nos disse Roger Scruton, filósofo inglês, em seu livro “Beleza”, tudo leva a crer que a Beleza possui fundamentos na razão. Para ele, cabe a cada um enfrentar o desafio de encontrar esse fundamento, traçando comparações críticas e examinando cada expressão à luz do seu conhecimento e de suas próprias experiências de Vida. E se colocarmos essa busca no centro de nossas Vidas, encontraremos um lugar de Paz Interior, do qual jamais cansaremos.

Não parece uma Bela forma de viver a Vida? Experimentando a Arte e refletindo o quanto ela nos liga ao melhor de nós mesmos? O quanto, ao final desse contato, ansiamos por construir um mundo mais Justo e Bondoso? Ou ainda melhor, o quanto, depois de sermos tocados pela Beleza transmitida pela Arte, desejamos ardentemente construir em nós mesmos aquilo que sonhamos para o mundo. 

No fim das contas, voltaremos a Wilde. Toda Arte em si é superfície e símbolo. Aqueles que vão além da superfície o fazem sob seu próprio risco. Aqueles que desvendam o símbolo o fazem sob seu próprio risco. Nesse caso, o risco maior é o de descobrir a si mesmo nas expressões artísticas que tocam sua Alma. Então, que essas descobertas lhe deem orgulho e possam ser recomendadas a todos os Seres Humanos que precisam de uma trilha. E que sirvam de ponto de partida para que eles também corram seus próprios riscos e se aventurem nesta busca pela essência da Arte. 

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