Você já ouviu falar da civilização maia? Provavelmente sim. Quando pensamos nos maias, é comum vir em nossa mente o famoso “calendário maia” no qual previa que o mundo “acabaria” em 2012. Você se lembra disso, meu caro leitor? Porém, para além dos estereótipos e detalhes gerais sobre essa civilização, há um universo de descobertas e mitos que nos são interessantes e que podem nos ajudar a refletir sobre a vida e o seu processo de evolução. Para tanto, precisaremos mergulhar nesse universo completamente novo para alguns e que nos guarda grandes surpresas.
Começando pelo aspecto histórico, a civilização maia floresceu entre os séculos III e X d.C., o que corresponde ao período de 200 a 900 da nossa era atual, e se estabeleceu na região da América Central, mais precisamente em parte do atual México, Guatemala, El Salvador e Honduras. Quando observamos a linha do tempo, nos parece pouco o tempo em que essa civilização se desenvolveu; porém, os maias são, na verdade, o resultado de outra série de povos que, ao longo de milênios, vieram se sucedendo na região. Por isso, seus conhecimentos vastos sobre astronomia não são resultados de alguns séculos, mas uma herança que veio se aprimorando desde um tempo que nem mesmo os historiadores conseguem estimar com precisão.
Frente a isso, por que não conhecemos tanto sobre esse povo? Em linhas gerais, grande parte de nossos estudos regulares se dedica a explicar os acontecimentos históricos a partir de uma visão eurocêntrica, ou seja, em que o continente Europeu é o foco principal. Assim, ao mesmo tempo em que aqui na América, o chamado “novo mundo”, estava florescendo diversas civilizações, na Europa ocorria o período chamado de “Idade das Trevas”, a famosa Idade Média. Os Maias só passam a fazer parte da história mundial quando os europeus chegam até o novo continente. Assim, focamos grande parte dessa narrativa histórica em saber as relações entre europeus e povos nativos (genericamente chamados de pré-colombianos), e não estudamos tanto sobre eles em si, sua cultura, visão de mundo e legado para a humanidade.
Visto isso, vamos agora conhecer mais precisamente os Maias, talvez a civilização americana mais misteriosa que conhecemos. Como já apontamos, os Maias perfizeram na região onde hoje é a Guatemala e o México toda uma trajetória de nascimento, desenvolvimento, apogeu e declínio civilizatório, sem que houvesse nenhum registro, nenhum sinal de conhecimento disso pela civilização europeia no mesmo período. A datação do início dessa civilização é desconhecida; fala-se em três mil ou quatro mil anos antes de Cristo, mas é certo que o seu declínio ocorreu por volta do Século XI, e seu desaparecimento quase total ocorreu com a chegada dos colonizadores – cerca de quatrocentos anos depois – os quais queimaram a maioria de seus registros. Assim, saber muito pouco sobre essa civilização decorre do fato de na época dos descobrimentos ela já estar praticamente desaparecida, mas também se alia a esse fato a destruição de grande parte de sua cultura material, seus codex, estátuas e cidades. Logo, o pouco que nos restou forma um quebra-cabeça com dezenas de milhares de peças faltantes, o que dificulta a criação de uma imagem precisa de como esses homens e mulheres do passado pensavam e viviam.
Outro aspecto para o qual devemos nos atentar é que tendemos a valorizar somente os elementos herdados da cultura greco-romana e da tradição judaico-cristã, que formaram grande parte da nossa base cultural ocidental; porém, seguimos a linha de que o melhor caminho para a humanidade é olhar para todas as culturas, todas as mitologias e formas religiosas e artísticas de maneira comparada, eclética, permitindo-se explorá-las e descobrindo seus aspectos mais profundos. Não somos orientais ou ocidentais, nativos ou colonizadores, mas somos, acima de todas as diferenças, seres humanos. E só através dessa perspectiva é que poderemos ampliar nossos horizontes e nos aproximar um pouco mais da grandeza e profundidade da natureza humana. E a mitologia maia é muito rica em símbolos e ensinamentos que conversam com a nossa alma.
Dentre os poucos mitos maias que conhecemos, devido aos atos de barbárie dos colonizadores espanhóis, falaremos do mito de criação da humanidade, registrado no livro Popol Vuh, um dos poucos textos que sobreviveram ao apagamento cultural dessa civilização. Também conhecido como Livro do Conselho, é nele que encontramos o mito da criação do homem.
Conta esse mito que acima de todo o panteão maia, havia uma trindade de deuses regentes: Tepeu, Gucumatz e Huracán. Este último é muito parecido com o Espírito Santo da trindade judaico-cristã, pois ele aparece como um vento que sopra sobre a Terra. Na narrativa da criação do mundo no Gênesis, é dito que o Espírito de Deus pairava como o vento sobre a face das águas. Inclusive, o termo no original hebraico traduzido como Espírito Santo é Huah, que significa vento, sopro ou brisa.
Mas a parte do mito maia que fala da criação do homem difere um pouco da criação de Adão na cultura judaico-cristã. Para os Maias, o homem foi criado em etapas evolutivas. Primeiro, os deuses fizeram o homem da lama, mas com o passar do tempo, o protótipo começou a se desfazer e eles convidaram outros deuses do panteão para participarem da criação. Então, elaboram o segundo protótipo de madeira, mas depois de um certo tempo, percebem que está faltando vida nele. Nesse momento, eles chamam mais deuses e confeccionam um terceiro homem a partir do milho, que é a versão atual do ser humano e a que vem apresentando mais poder de realização na História.
Observe que o jeito como essa civilização trata a narrativa da criação do homem envolve três aspectos muito curiosos: a evolução, a vida e o sustento da vida. Para eles, a criação do homem não é um acontecimento concluído, mas um processo que continua, que ainda está acontecendo. E esse processo se aprimora à medida que manifesta mais vida. Na primeira etapa, o barro, a presença da vida era tão pouca que logo começou a se diluir. Na segunda, os homens de madeira possuíam vida, mas ainda era muito insatisfatória, pois eles eram incapazes de se lembrar dos deuses, seus criadores. Por isso, os deuses inundaram a Terra em um dilúvio e transformaram esses homens nos macacos. Na terceira tentativa, a partir do milho, que é considerado um alimento sagrado, os deuses criaram seres humanos capazes não somente de se alimentar e se reproduzir, mas também capazes de pensar, refletir sobre os mistérios e se aproximar do Sagrado.
Esse mito é um convite para a evolução, pois nos mostra que passamos por várias etapas em nossas vidas. Algumas delas podem parecer que foram falhas, mas, na verdade, foram importantes para nos tornarmos quem somos hoje. E o objetivo disso tudo é nos transformarmos em seres cada vez mais capazes de compreender o sentido da vida e de participar, de forma consciente, da criação dos deuses.
Essa evolução está tão presente nessa civilização, que até os deuses aparecem em uma escala evolutiva. A trindade sinaliza uma ordem de deuses em um etapa evolutiva maior do que todo o panteão; depois há deuses que são os primeiros chamados, depois há os segundos; e à medida que essas escalas de deuses se envolvem no processo da criação, o homem evolui também. É como se cada um dos deuses oferecesse algo a mais para que a criação ficasse cada vez mais perfeita. Nesse caso, a criação somos nós mesmos, e precisamos agora entender de que forma também podemos colaborar com os deuses e com todos os seres da Natureza, para participar da criação de um mundo cada vez melhor.