Curta “Jinxy Jenkins & Lucky Lou”: os opostos se completam

O mundo é dual. Desde a antiga Sabedoria Hindu até os modelos atômicos, percebemos que a composição do mundo funciona formando polaridades. Bem e mal, cima e baixo, esquerda e direita, alto e baixo, positivo e negativo, etc. Através dessas dualidades é que percebemos o mundo, pois nossa mente precisa separar, quantificar e racionalizar para entender. Dessa maneira, separamos cada elemento para compreender como ele participa dentro do Todo. Precisamos apontar, porém, que toda dualidade é apenas um “jogo de ilusões”, pois apesar de diferentes formas, estamos inseridos na mesma realidade e somos compostos, em essência, da mesma matéria divina. Tal como castelos na areia, podemos nos diferenciar a partir de diferentes combinações da matéria, porém, somos todos compostos pelos mesmos grãos de areia. 

Essa ideia inicial é fundamental para aprendermos sobre a unidade presente em todo o Cosmos. Nos apegamos aos diferentes tipos de formatos, seja a nível físico ou psicológico, e acabamos renegando aquilo que não nos agrada e abraçando veemente o que mais apetece aos nossos gostos pessoais. 

Ainda assim, mesmo sabendo da ilusão que é a dualidade, não podemos negar que ela está presente na maneira como observamos o mundo. Quando nos aprofundamos nesse pensamento, percebemos que praticamente a todo momento, estamos escolhendo e nos identificando com algumas dessas dualidades. Partindo disso, devemos nos questionar: o mundo é feito de dualidades, de partes opostas, então estamos destinados a estar sempre em algum lado dessa trincheira existencial? 

O curta “Jinxy Jenkins & Lucky Lou” encontrou um modo divertido de nos apresentar uma saída para tal questionamento. A obra de 2014 nos apresenta o bem-humorado encontro “ao acaso” de dois jovens: de um lado, o azarado Jenkins, do qual tudo na Vida dá errado; do outro, a sortuda Lou, que mesmo se esforçando para ter um dia ruim, acaba sempre sendo agraciada com a sorte. O desafortunado Jenkins tem uma Vida bastante triste, fruto das desventuras que vive cotidianamente e, mesmo com tanta sorte, a agraciada Lou também é infeliz. 

Jenkins é infeliz por tudo em sua Vida ir ao encontro do fracasso; já Lou é infeliz porque não consegue sofrer, tendo assim uma monótona vida de sucesso. Sim, pode nos soar estranho, mas uma Vida sem desafios, em que tudo se resolve “por mágica”, é uma Vida que não nos permite evoluir. E sem evoluir, sem lutar, não há Glória nem Felicidade. 

É com o encontro desse casal impossível, de lados completamente opostos dentro dessa realidade dual, que os diretores Michael Bidinger e Michelle Kwon nos levam a refletir sobre a questão das polaridades. Isso porque eles, em suas extremidades, vão em busca da completude. 

Sentir-se completo é perceber que a dualidade é apenas uma forma de compreender a realidade. Nada existe de forma absoluta, pois se assim o fosse, não existiria sua contraparte. A doutrina chinesa nos apresenta um símbolo que representa perfeitamente esta ideia: o Yin Yang. Dentro do branco há o preto e dentro do preto há o branco, pois o movimento só pode existir a partir da oposição. No entanto, isso não significa que estar em lados opostos não é estar em dois extremos ou absolutos. Muitas vezes, imaginamos a oposição como uma luta, um cabo de guerra entre duas forças inconciliáveis. Entretanto, devemos entender a oposição a partir do complemento. Ou seja, a outra parte não é a minha oposta, mas é aquilo que me completa.

E como se tornar completo em um mundo dividido? Bom, o curta também nos dá essa dica. Quando conseguimos nos ligar ao outro, quando alcançamos uma verdadeira concórdia dentro de uma convivência, ou seja, unimos Coração com Coração, podemos atingir essa Plenitude. Para tanto, é preciso um exercício intermitente de compreender o outro e não se fechar em sua própria identidade. Em uma relação, seja com um parceiro, amigo, ou em uma relação de qualquer outra natureza, buscamos sempre preservar nossa identidade. É natural que isso ocorra, pois nossas convicções acabam construindo pontos de vista fixos. Porém, se não tivermos consciência disso, podemos nos tornar pessoas rígidas e intransigentes. Sendo assim, acabamos caindo nesse jogo de ilusões e esquecemos de construir laços harmônicos com o outro. Nesse tipo de postura mental, é impossível conhecermos a concórdia e a verdadeira ligação com outras pessoas.

Nesse sentido, é preciso, inicialmente, dissolver nossas posturas rígidas e abraçar a beleza que há na dança da dualidade. Aceitar o outro tal como é, com suas virtudes e debilidades, buscando sempre encontrar o ponto de equilíbrio, em que a justiça seja o grande mediador, é fundamental para chegarmos nesse nível de relação. O mesmo podemos fazer com a natureza ao nosso redor, encontrando o modo correto de se relacionar com os minerais, as plantas e os animais.

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Nesse sentido, curta nos entrega uma bela mensagem a partir das aventuras desse casal improvável, que achamos só poder existir em uma animação. Entretanto, acreditamos que todos gostariam de ter uma relação dessa natureza: que o ponto de União estivesse para além de gostos e formas e que, na convivência, cada um expressasse sua parte em favor do Todo. 

Infelizmente, usamos nossas diferenças como um ponto de ruptura nas relações, e não como uma oportunidade de convergência harmônica, em que cada um cumpre um papel dentro das suas possibilidades. Em um mundo que busca cada vez mais reafirmar suas identidades de forma tão rigorosa, as relações acabam se tornando verdadeiros cabos de guerra em que uma parte, naturalmente, cede à pressão do outro. Assim, enquanto uma parte “ganha” força, a outra sofre para se adaptar. 

Porém, em uma verdadeira relação como a que vemos em “Jinxy Jenkins & Lucky Lou”, o respeito pela forma de cada um é essencial. Mais do que o simples aceitar, é preciso um esforço consciente para viver de acordo com as necessidades e adaptações que ambos devem fazer para viver o amor em sua plenitude. Dessa forma, podemos, de fato, encontrar nossa contraparte e reconhecer que, para além de um encontro de corpos, há um encontro de Almas.

A Filosofia Tibetana nos diz que devemos silenciar o que nos diferencia, para alcançarmos o que nos une. Em outras palavras, podemos entender que, apesar das diferenças, todos estamos unidos de alguma forma através de uma Essência Atemporal que reside em cada Ser. Assim, percebemos que em nós há de tudo: o positivo e o negativo, o bem e o mal. Por isso, podemos reconhecer e aceitar aquele que, aparentemente, é diferente. Devemos lembrar que, no fundo, somos parte do Universo, esse imenso e complexo organismo que está interligado e é harmônico, mas que ainda não somos capazes de observar com maestria. Lembremos, enfim, que somos os grãos de areia que nessa imensa praia assume uma forma, mas que é, no fim das contas, somente isso: uma forma na areia que as águas do tempo irão dissolver.

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