O nosso conto de hoje, remete à tradição Sufi. O sufismo é a corrente do misticismo islâmico em que os praticantes buscam a perfeita contemplação de Deus, através do ascetismo, de práticas ritualísticas e da vivência dos Valores de sua doutrina. Sua grande busca é para aprender, entender e se conectar com Ele (Deus). Embora a presença do sufismo se dê esmagadoramente na corrente sunita, existe também entre os xiitas. Os sufis, termo dado aos adeptos, são conhecidos pelo seu ascetismo e pelo forte compromisso com os Mestres, que consideram ser o elo de ligação entre o discípulo e Maomé. Dentre seus propagadores de destaque, encontra-se o autor do livro de onde retiramos esse conto. Idries Shah, nascido na Índia britânica, foi considerado o porta-voz do sufismo no Ocidente. Para ele, essa tradição era anterior ao próprio Islã. É um meio de conexão com a Sabedoria eterna, que no contexto árabe se adaptou às nuances culturais e continuou seu caminho de religar o Homem com a fonte da Vida. Esse conceito é muito interessante, pois confere um ponto de União entre essa fascinante produção do mundo muçulmano e todas as outras escolas místicas, que a quase totalidade das grandes religiões Humanas possuem. É como se entre a Cabala Judaica, o Gnosticismo Cristão e o Sufismo operasse uma mesma lei. Uma força que guia os Homens para a compreensão desse Mistério da Causa Primeira do Universo, que chamamos de Deus. Se assim realmente o é, não podemos afirmar. Mas é reconfortante pensar que existe uma possibilidade de Unir esses três grupos irmãos, filhos do mesmo Pai Abraão, e com tantas histórias de brigas, separação e sofrimento.
Mas, voltemos ao conto, que é nossa pérola de hoje. E o chamamos assim, por sua preciosidade em nos levar a reflexões muito profundas. Ousando aplicar a leitura de Idries Shah, ao termos contato com essa parábola, não há como não ser imediatamente remetido à frase bíblica, descrita pelo evangelista Mateus (6:21): “Onde está teu tesouro, aí está o teu coração”. E ousando um pouco mais, diríamos que a recíproca é verdadeira: Onde está seu coração, aí está seu tesouro.
No conto denominado “A Imagem do Eu de Ouro”, conhecemos a história de Abdul Malik. Adjetivado como “o homem bom” da sua cidade, era conhecido por sua caridade com os menos favorecidos. Apesar de rico, seu coração e, portanto, seu tesouro, não estava em suas moedas. O que ele possuía de mais valioso? Uma capacidade de acessar a sua verdadeira Identidade, e recolher de lá uma Generosidade que se traduzia em verdadeiros atos heróicos. Em um desses atos, ele vende toda a sua fortuna e a distribui aos pobres, e assim passa a ver que a maior Felicidade é servir, é entregar-se por completo, e não apenas compartilhar os excedentes. É aí então, que o conto nos apresenta o fantástico encontro de Abdul com seu Eu verdadeiro. Uma curiosa figura Humana, na forma de um “dervixe”. Os dervixes são mestres sufis que fizeram voto de pobreza e ascetismo. Eles também possuem o mesmo tesouro de Abdul: a independência dos bens materiais. Dali em diante, todos os dias, como recompensa por sua Bondade, ele poderia golpear o dervixe, que se transformaria em ouro para o desfrute de Abdul.
Na primeira aparição, nosso protagonista não estava só. Seu convidado Bay-Akil, ficou espantado com o maravilhoso fenômeno, mas os dervixes são conhecidos por suas façanhas milagrosas e ele logo se convenceu de que não estava louco. Ele recebeu parte do ouro dado por Abdul. Mas, por não possuir aquele mesmo tesouro interno do amigo, deixou-se dominar pela ganância. E o desfecho foi violento e catastrófico. Abdul tinha tudo o que precisava, sua Generosidade gerava a riqueza que era necessária para servir “aqueles a quem ele só podia ajudar materialmente”. Por outro lado, Bay-Akil não tinha aquilo que era necessário para viver ricamente: uma compreensão de que a Generosidade é uma Lei da Vida!
Abra as janelas de sua casa e você verá que isso é uma verdade natural. O Sol sempre nos dá seus raios, sem pedir nada em troca. Esses raios são parte dele mesmo, fruto de uma intensa atividade interna que gera essa radiação tão poderosa e útil, verdadeira criadora de Vida. Ao alcançar a Terra, todas as formas de Vida aprendem a lição da Generosidade solar e a reproduzem. As plantas, por exemplo, geram oxigênio, frutos, sombras, folhas, caules e tudo oferecem incondicionalmente. Se pudéssemos identificar a Felicidade dos vegetais, descobriríamos que eles são felizes assim. Dessa forma, Abdul estava inteiramente vinculado a esse fluxo da Vida. Se é assim, então por que muitos de nós nadamos contra a corrente, como Bay-Akil, e achamos que a Felicidade está em gerar para acumular?
A Vida, o maior tesouro que alguém pode receber, nos foi dada, nós não a compramos. Mas, como nos disse o grande poeta Fernando Pessoa, os Deuses vendem quando dão. Essa energia vital que recebemos não é uma doação sem finalidade. Ela é um investimento que a Natureza fez em você. E como todo investimento, Ela espera algo em troca. Quando você se for, será que devolverá somente um monte de bens acumulados? Ou será que o investidor Divino, poderá recolher como fruto desse investimento mais Amor, mais Fraternidade, mais Felicidade, mais Vida?
A nossa Vida atual é muitas vezes encarada como uma corrida desenfreada pelo conforto, pela segurança e pelo prazer. Então, é perfeitamente compreensível que pensemos que a riqueza material é um pré-requisito para a Felicidade. E se essa é a nossa realidade, faremos tudo para conquistar esse tipo de riqueza, afinal, como nos disse o filósofo Aristóteles, todos os Homens buscam a Felicidade. Porém, isso nos leva a fazer concessões ao longo da Vida. Abrimos mão de um pouco de nosso tempo e o trocamos por um salário. Depois vendemos nossos sonhos para manter uma posição profissional, ou dedicarmo-nos ao que dê mais dinheiro. E se a riqueza material que conquistamos com isso não puder comprar a esperada Felicidade, corremos o risco de abrir mão de nossos princípios, envolvendo-nos em negócios pouco honestos em troca de mais moedas.
Mas, não são poucas as histórias daqueles que têm muita riqueza e pouca paz. Assim, como muitas são as histórias daqueles que dão muito e são felizes assim. O que diferencia um do outro? Uma frase do filósofo árabe Avicena resume bem. Ele disse: “O vinho é o amigo do moderado e o inimigo do beberrão”. Sêneca, grande filósofo estóico, disse o mesmo, um pouco mais diretamente: “A riqueza é escrava do sábio e mestre do tolo”. O que nos faz ter uma relação sadia com o dinheiro é não ficar dependente dele.
Mas, não nos entenda mal. Essa reflexão não é uma ode à pobreza, ou um apelo para conversão ao ascetismo de nosso personagem central. Vivemos num mundo material. E de fato, a grande maioria de nós, não é tão livre quanto Abdul. Ainda sentimos a necessidade de possuir. Mas, se não podemos retirar as algemas do desejo material, que pelo menos não nos esqueçamos de quem somos nesse processo. A riqueza é uma ferramenta tão somente. Assim como todas as coisas materiais, ela não existe por si só, não é um fim em si mesma. Seu valor real, está no uso que fazemos dela. Se aplicamos em viagens, bens e prazeres, geramos Felicidade para nós mesmos, o que é muito agradável. Mas, se os investimentos em fazer o Bem a tantos quanto possível, com prudência, se concretizar, perceberemos que algo mágico acontece. A riqueza se divide, mas a Felicidade se multiplica.
E já que falamos de desejo e de riqueza, desejamos que você aprenda com Abdul, que a maior riqueza está dentro de você e não fora. Você pode fazer isso, se quiser, ouvindo a música “Amor pra Recomeçar”, de Frejat. Especialmente nessa parte:
Eu desejo que você ganhe dinheiro
Pois é preciso viver também
E que você diga a ele
Pelo menos uma vez
Quem é mesmo o dono de quem