A África é uma das regiões com as civilizações mais antigas de todo o planeta, onde são encontrados os principais vestígios históricos do processo evolutivo de toda a Humanidade. Com uma diversidade oceânica de mitos, símbolos, deuses, seres espirituais, formas religiosas e rituais de todos os níveis de complexidade, a África guarda ensinamentos muito valiosos para todos nós.
Hoje vivemos um processo de decadência de todas as civilizações, não apenas naquele continente, mas em todo o mundo. As formas religiosas, os ritos, os símbolos foram se “esvaziando” ao longos dos séculos e perdendo seus significados até chegarmos a níveis de banalizações e de superficializações deploráveis.
Mas, há milhares de anos, quando as Culturas Africanas viviam o ápice de seus altos Ideais, uma historinha era passada oralmente dos pais para os filhos, na cultura Iorubá. Diziam que no começo, ainda antes que houvessem os dias, o Deus de todos os Deuses, criador de tudo o que existe, Olódùmarè, criou o Òrum, ou o Céu. Esse mundo era infinitamente mais deslumbrante e perfeito do que tudo que conhecemos hoje. Se às vezes nos encantamos com uma noite estrelada, ou com a vastidão dos oceanos, imagine um outro mundo do qual este em que vivemos não passa de um mero reflexo. Assim é o Òrum, o Mundo Espiritual, causa inicial de tudo que existe, forjado por Olódùmarè a partir de forças sutis da Natureza.
Todas essas forças que movem a nossa realidade estavam primordialmente no Òrum, até que Olódùmarè dá mais um passo na evolução do Universo e cria seres que são a própria personificação dessas forças, os chamados Orixás.
Quando tudo está em perfeita Harmonia no Òrum, com todos os Orixás em plena atuação, regidos por Olódùmarè, a evolução força mais um salto: a criação de um outro mundo. Assim, Olódùmarè encarrega um dos Orixás, o Òrìsànlá para modelar o Ayé, ou Mundo Físico, que é este que conhecemos.
Inicialmente, todas as planícies e montanhas do Ayé eram desabitadas. Apenas os Orixás fluíam sobre a terra através da força dos ventos, do movimento das águas e do calor do fogo, até que Olódùmarè dá mais um passo evolutivo e manda Òrìsànlá modelar um Ser do pó da terra, à semelhança dos Deuses do Òrum. E assim é feito, mas quando o protótipo está pronto, Òrìsànlá percebe que falta algo. O Ser é inanimado, semelhante a um boneco de cera.
Assim, Olódùmarè aproxima-se da escultura de barro talhada pelas mãos de Òrìsànlá, e sopra em suas narinas. Nesse movimento, uma essência exala de dentro do Deus único e soberano e penetra no boneco de barro, fazendo com que uma essência Divina integrasse naquele corpo. E este fenômeno desencadeia vários efeitos inimagináveis: respiração, batimentos cardíacos, fluxos sanguíneos, conexões neurais, olfato, visão, tato, emoções e pensamentos. Assim, dessa complexidade, surge a Alma vivente, que é a síntese do Òrum e do Ayé. A União dos dois mundos, pois é uma parte de Olódùmarè habitando um corpo de matéria.
Esse mito da criação dos mundos, encontrado na cultura Iorubá da África, a região mais antiga do planeta, possui chaves simbólicas que revelam aspectos inconscientes, que carregamos em todos nós. Essa “historinha”, que era contada às crianças há milhares de anos, está falando de três planos de realidade: o Espiritual (Òrum), o Físico (Ayé) e o Humano, que nasce da união dos dois anteriores. Toda essa evolução encontra-se em nossa constituição. Nosso corpo físico está no plano Ayé, assim como também acontece com todos os animais. Mas nossa razão e nossas emoções estão em outro plano de realidade, o plano da Natureza Humana. E assim como temos um corpo físico e um “corpo” psicológico, constituído pelos pensamentos e emoções, há uma terceira parte dentro de nós, a nossa essência espiritual, representada pelo fôlego de Olódùmarè.
Nós, os Humanos, somos mais profundos e mais complexos do que nossa visão superficial é capaz de registrar. As entrelinhas das Mitologias Africanas detém preciosos tesouros de autoconhecimento, mas que infelizmente são ofuscados pelo preconceito e pela falta de profundidade do homem contemporâneo.
Independente das crenças, da cultura, ou de qualquer coisa, todo Ser Humano possui dentro de si este sopro divino de Olódùmarè. E não importa muito o nome que se dê a isso, cada mitologia tem a sua forma de representar. O mais importante é trazer à consciência os grandes ideais filosóficos de Fraternidade Universal, pois quando entramos em contato com esta nossa essência, percebemos que neste mundo de matéria, o Ayé, muitas coisas nos separam, como a classe social, a cor da pele, as opiniões, mas no Mundo Espiritual, todos nós somos exatamente iguais, pois nascemos do mesmo Sopro Divino. Somente com esta consciência, podemos trabalhar por um Mundo Novo e Melhor, que nascerá de um Ser Humano Novo e Melhor.