A velhice é comumente vista como uma etapa da Vida que não nos agrada. Seja pelo nosso corpo físico começar a apresentar debilidades, ou pela proximidade com a morte, é fato que, para a maior parte das pessoas, a velhice não é agradável. Existe até um termo médico para quem tem medo da velhice: a gerontofobia. Mas será que a velhice traz apenas problemas e dificuldades, ou será que somos nós que não sabemos lidar com essa etapa da Vida?
Marco Túlio Cícero, conhecido como o maior orador da Roma Antiga, se debruçou sobre esse tema, pois a maioria dos romanos, assim como nós, não acreditavam que a velhice pudesse ter seus prazeres. É interessante perceber que essa questão não é exclusiva do nosso tempo, sendo o problema da velhice, antes de tudo, um problema Humano, o problema de saber lidar com sua mortalidade.
Cícero nos brinda primeiramente com uma ideia que pode parecer óbvia, mas que raramente paramos para refletir: a velhice é uma necessidade da Natureza, pois tudo que é vivo, morre. Pense em um fruto: ele nasce, amadurece, dá seu suco e então apodrece. É necessário fechar ciclos, e a Natureza sabe disso. Logo, a velhice é algo natural, pois existe para que o ciclo da Vida Humana se encaminhe para seu fechamento. Aceitar esse fato é um primeiro passo para aprendermos a lidar com a Vida quando estivermos com uma idade avançada.
Um outro ponto importante que devemos compreender sobre a velhice é que ela em si não é um problema. Se o problema fosse o tornar-se velho, então todos os velhos reclamariam disso. Mas, de fato, há pessoas que não veem na velhice uma maldição. Ao contrário, existem pessoas que a consideram a melhor etapa da vida, a qual é repleta de constatações e sínteses, presentes que carregarão até o último suspiro de suas vidas. Logo, o problema está em como encaramos e vivenciamos a velhice. Colocamos a culpa em nossa idade quando não conseguimos mais realizar as atividades que outrora nos davam prazer: não conseguimos correr tão rápido quanto antes, nem ter a mesma disposição de quando estávamos no auge da juventude, e para quem passou a vida a dedicar-se apenas a esses prazeres, certamente observar a decadência de suas habilidades físicas será uma tortura. Como não se frustrar frente a essa inevitável debilidade?
Cícero nos traz uma chave interessante sobre como envelhecer bem: a prática das Virtudes, a Vida interior. Quando a vida externa não mais atender às nossas necessidades, quando não pudermos mais viver pelos prazeres sensoriais, quando a Vida exigir, nessa etapa, que tenhamos Força e Virtude, lá ela estará presente, se assim a cultivarmos. Só envelhece bem quem viveu bem a juventude. A prática das Virtudes deve ser um norte, uma referência desde cedo, para que o cultivo dessa maneira de Vida possa florescer quando nosso corpo começar a não mais ser eficiente como antes. E como efetivamente isso pode nos auxiliar a encararmos bem a velhice?
Quando questionado sobre como a Virtude se expressaria e ajudaria a combater as debilidades ocorridas na velhice, Cícero nos apresenta diversos argumentos. O primeiro deles se refere a um pensamento errado, porém muito popular até os dias de hoje, a ideia de que a velhice nos afasta da vida ativa. Quantas vezes já não pensamos que ao nos aposentarmos não precisaremos mais fazer nada? Que a velhice é a causa de nossa inércia e que não atuamos por já estarmos velhos? Cícero mostra que apesar de não ter mais o vigor físico da juventude, na velhice podemos aportar com a experiência, com conselhos, e ajudar os mais novos a desenvolverem melhor suas atividades. O papel da velhice, nesse caso, é o de coordenar e aconselhar os jovens. Essa capacidade de dirigir, de mostrar uma visão mais sábia, pode ser feita (e é extremamente necessária) dentro da vida pública, portanto, os velhos têm um grande papel na vida ativa, seja a nível individual ou coletivo.
Outro ponto fortemente comentado a despeito da velhice é que ela tira os prazeres sensoriais, os prazeres instintivos, que são despertos na adolescência e florescem na juventude. Quanto a isso, Cícero aponta que essa privação dos prazeres é, na verdade, uma das grandes dádivas da velhice. Apesar de parecer polêmico, o que Cícero sugere é que com a cessação dos prazeres sensoriais (aqueles advindos dos cinco sentidos), o Homem pode mais facilmente perceber os prazeres inteligíveis, aqueles que só podem ser acessados a partir da razão e que estão vinculados às Virtudes. Quando jovem, segundo Cícero, o Homem persegue seus instintos e pode facilmente vender seus princípios, trair a pátria e seus companheiros, pois nele a força do querer realizar o seu desejo é um imperativo. Afinal, onde reina a vulgaridade, obviamente não há lugar para a Temperança. E onde o prazer triunfa, a Virtude não pode sobreviver. A quem se deixa dominar por tais desejos, a velhice será uma etapa dura da Vida, pois sua única fonte de prazer irá secar. E mais uma vez, Cícero nos convence que a prática das Virtudes é o melhor caminho para envelhecermos bem, pois elas não nos abandonarão até o fim de nossas vidas.
E sobre o fim, Cícero apresenta as razões pela qual não devemos achar ruim que a velhice nos aproxime da morte. A morte é natural, então que a aceitemos. Portanto, não devemos desejar mais tempo do que nos foi dado, e sim aproveitar as oportunidades diárias para fazermos valer nossa experiência e desenvolvermos as Virtudes. Do que adiantaria termos mais 10, 20 ou 30 anos se não aprendemos nada com as experiências?
Por fim, Cícero conclui que a maneira mais Bela de morrer é com a Inteligência intacta e os sentidos despertos, deixando a Natureza desfazer lentamente o que ela fez. Aquele que construiu um barco ou erigiu um prédio, é o mais indicado para destruí-lo. Assim também como foi a Natureza que criou o Homem, é melhor que ela decida como desagregá-lo. Não devemos, enfim, temermos a morte e muito menos desejar uma Vida demasiadamente longa. Lembremos da frase de Epíteto, o filósofo estoico: “Há coisas que dependem de mim e coisas que não dependem”.
Vamos nos concentrar no Agora, no Presente, desenvolver nossas Virtudes e Cultivar uma Vida Interior. Dessa forma, quando estivermos próximos do fim, poderemos olhar para trás e sorrir, pois ao longo da jornada plantamos Belas sementes, fomos exemplo para os demais e fomos dignos da Vida que vivemos.