O desenvolvimento da escrita é um dos grandes marcos da humanidade. Quando paramos para pensar acerca das tecnologias desenvolvidas pelos seres humanos atribuímos, geralmente, ao domínio do fogo ou a invenção da roda o primeiro lugar, porém, há muito tempo se reconhece a escrita como o divisor de águas da nossa evolução. Para os historiadores, o desenvolvimento da escrita define o Período Histórico, sendo todas as experiências humanas anteriores denominadas de “Pré-História”. Com a escrita, foi possível apresentar, de forma mais elaborada, registros acerca do cotidiano, formular leis e refinar nossa capacidade cognitiva a partir da relação de símbolos com ideias, e a combinação destes na formação das palavras e frases.
A escrita também marca uma diferença inegável do ser humano frente às outras espécies do planeta. Como uma forma de linguagem, colocar em um suporte material símbolos que representam ideias é uma forma de fazer algo imaterial e subjetivo, como sensações e sentimentos, ter uma representação no mundo concreto. Essa capacidade é única e exclusiva do ser humano, que consegue não somente captar essa forma de pensamento simbólico, mas também se esforça para traduzi-lo e ensiná-lo.
Ao longo da História, desenvolveram-se várias formas de escrita: a escrita cuneiforme, na Suméria; os hieróglifos e o hierático, no Egito Antigo; o Kanji, no Japão; o Sânscrito, na Índia Antiga; entre outras. A maioria dessas escritas – principalmente as primeiras formas, desenvolvidas na Era Antiga – relacionava símbolos com ideias, entretanto, não existia um fonema, ou seja, um som. Muitos especialistas defendem que o primeiro alfabeto, ou seja, uma forma de escrita que combina símbolos com fonemas, dando assim som às palavras, surgiu no Egito Antigo, como uma derivação da escrita hierática, entretanto, poucas evidências apontam para essa versão. Outras escritas, como o Sânscrito, demonstram ter a relação entre símbolo e fonema desde sua origem, o que provavelmente tem relação com sua cultura, transmitida pela oralidade e que, a partir da necessidade, fez surgir a ideia de colocar símbolos que representassem o que estava sendo dito. Nesse sentido, a combinação da fala com a escrita demonstra ainda mais o avanço da linguagem e do pensamento simbólico, sendo capaz de conectar habilidades distintas para uma melhor elaboração do sistema de escrita e de sua transmissão.
No vídeo abaixo, podemos aprender mais sobre a origem da escrita.
Para o Ocidente, porém, geralmente lembramos do alfabeto a partir de nossa herança greco-romana. Ao retomarmos a origem da palavra “alfabeto”, por exemplo, percebemos que ela vem do grego, sendo a junção das letras “alfa” e “beta”, até hoje comumente usada em alguns ramos. O alfabeto grego, por sua vez, já é derivado de uma outra civilização da antiguidade, os Fenícios. Sendo assim, não há exatamente um consenso sobre sua origem. O que podemos apontar, certamente, é que o alfabeto fenício foi amplamente difundido e passou, ao longo de muitos séculos, a ser a principal forma de escrita para os comerciantes. Vale lembrar que esse povo formado na Ásia Menor, e que fez colônias ao longo de todo o norte de África, tinha como principal meio de sobrevivência o comércio, o que exigia uma capacidade de interação com outras culturas e uma forma comum de se comunicar entre elas. Assim, por meio da necessidade, os fenícios desenvolveram seu próprio sistema de escrita, facilitando não apenas a comunicação entre os povos, mas também a organização de suas mercadorias. O desenvolvimento do alfabeto, portanto, foi uma necessidade econômica e de sobrevivência desta civilização. Os gregos, ao perceberem a utilidade do alfabeto, juntaram sua própria forma de escrita ao destes antigos mercadores, melhorando assim o seu próprio sistema que, ao longo dos séculos, tornou-se o grego antigo que conhecemos.
Com a ascensão dos romanos e sua conquista de todo o Mediterrâneo, desenvolveu-se um novo alfabeto, assim como um novo idioma: o latim. O alfabeto latino tem como base o grego, e com a expansão de Roma passou a ser amplamente usado não apenas na Europa como também em todos os territórios em que os romanos dominaram, como parte da Ásia Menor, África e parte da Península Arábica. Assim, o latim se tornou a grande língua dessa região, e sua influência é nítida quando observamos os idiomas modernos como português, inglês, francês, italiano e espanhol, todos sendo uma variação do latim – e por isso são chamados de línguas latinas.
Cada alfabeto foi agregando mais complexidade na escrita e, assim, conseguindo transmitir melhor suas mensagens. Essa evolução se reflete em termos práticos, principalmente nas formas mais subjetivas de que usamos nossa escrita: textos e poesias. Não é à toa que uma língua com declinações, tempos verbais e complexidades como o latim produziu uma das mais belas literaturas, que são os poemas romanos. Desse modo, à medida que evoluiu a escrita e suas formas, também se tornou mais completa e precisa a maneira de descrever sentimentos e pensamentos, sendo o idioma uma ferramenta na difusão de conhecimentos. Um exemplo disso é a língua alemã, que, à medida que foi evoluindo, conseguiu criar palavras para praticamente todo tipo de emoção e percepção humana. Isso só é possível graças à evolução e sofisticação do idioma, que vai dando novas possibilidades para construção da língua.
Nas versões míticas, das mais diversas culturas, é comum encontrarmos relatos de que tanto a escrita como várias outras artes e ciências, como a agricultura, a música e a matemática, foram ensinadas aos homens pelos antigos deuses. Por este motivo, algumas línguas antigas, como os hieróglifos egípcios, eram usadas apenas para textos sagrados ou cerimônias, pois são consideradas línguas sagradas. Na cultura grega também havia um tipo específico de poesia, a poesia sacra, que era dedicada aos deuses, e por isso sua forma poética era proibida de ser usada para fins mundanos. Assim, separava-se a poesia em três partes: o épico, o lírico e a sacra. Essa divisão não é mera formalidade, mas sim uma distinção para mostrar que a língua também é a materialização de uma forma divina e uma forma de ter acesso a esse mistério, logo, não deveria ser usada de qualquer modo, muito menos tratada em pé de igualdade com a língua “vulgar”.
Considerando tais aspectos, podemos concluir que uma linguagem desenvolvida nos capacita a transmitir uma mensagem de forma mais eficiente, sendo que a própria linguagem é por si só um símbolo do desenvolvimento humano. Mas isso nos deixa com uma questão importante para refletirmos: o que estamos transmitindo com a nossa língua hoje em dia?
Hoje percebemos como a linguagem é usada principalmente para transmitir mentiras, para manipular pessoas e propagar o ódio. Utiliza-se os mais diferentes recursos do nosso idioma para difundir algo que nos torna piores. Se nos dedicássemos para sermos emissores de mensagens boas e verdadeiras, se nos dedicássemos, pelo menos algumas vezes no dia, em transmitir algo que seja positivo na vida dos outros seres humanos , talvez assim fôssemos capazes de também sacralizar esta incrível ferramenta que, segundo os mitos, nos foi dada pelos deuses. É um exercício que vale a pena fazer, não acham? Que possamos ser responsáveis em transmitir boas ideias ao mundo através das mais diferentes formas de linguagens, dos mais diversos idiomas; e que honremos esse legado atemporal que os antigos – ou mesmo os deuses – nos deixaram.