Este mito é um dos mais conhecidos da história da civilização ocidental, e também um dos mais antigos. Trazido de Creta para Atenas, conta-nos acerca da aventura de um dos maiores heróis já conhecidos: Teseu.
Antes de contarmos propriamente o mito, é importante ficarmos atentos para algo que o filósofo Aristóteles já nos advertia. Os mitos clássicos não são apenas histórias da carochinha, folclore e superstição de um povo ingênuo que acreditava em monstros e super-homens. São, antes de tudo, inteligentes e complexas estratégias de educação de um povo. Eles contêm em si uma moral elevada, que busca ser transmitida sob uma forma bela, a arte. Assim, essas histórias possuem sempre uma mensagem para o ser humano sobre como viver a vida, como conquistar a si mesmo, como realizar sua própria humanidade. É que aqueles sábios homens do passado, entenderam que o homem tem uma função no Cosmos, e isso lhe dá uma finalidade para a vida. Sendo essa ideia muito profunda e difícil de ser explicada com palavras, usaram imagens de heróis, guerras, homens que tentam fugir de seus destinos, disputa entre filhos e pais, amores impossíveis… Cada uma dessas imagens carregam um conteúdo humano e, portanto, eterno. Como veremos com Teseu, todos os personagens falam sobre nós mesmos.
Teseu nasceu em Trezena, filho de uma complicada história que envolve Poseidon (o Deus dos oceanos), Etra (filha do rei Piteu) e Egeu (rei de Atenas). Não contaremos esse trecho, por serem poucas as linhas desse texto. Mas, por ora basta dizer que ele era ao mesmo tempo filho de um Deus e de um rei. Egeu era um rei já velho e, com medo do que os seus inimigos pudessem fazer a seu filho recém-nascido, decidiu que ele deveria crescer em Trezena e que a verdade só deveria ser contada quando ele tivesse forças para voltar em segurança para Atenas. Junto da mãe, ele cresce forte e valoroso, e quando alcançou idade suficiente, foi enviado de volta à cidade de seu pai. Recebido com toda a alegria por um rei que sonhava ardentemente com um herdeiro, Teseu se depara com uma terrível realidade que acontecia em sua cidade natal. Após um cerco realizado pelo governante de Creta, o rei Minos, Atenas oferece um cessar fogo mediante o pagamento de um tributo. Minos, que buscava vingança contra a morte de seu filho, exige um pagamento assombroso. Todos os anos, sete jovens homens e sete jovens mulheres deveriam ser enviados a Creta, para serem oferecidos como alimento a um poderoso monstro, o Minotauro.
A história desse monstro, que vivia num labirinto dentro da ilha de Creta, se confunde com a história do próprio rei Minos. Antes de ser coroado, ele se envolveu em uma disputa com seus dois irmãos acerca do trono. Para provar que ele tinha direito, pediu o favor a Poseidon de enviar um touro branco como sinal, prometendo sacrificá-lo em homenagem ao Deus. O pedido foi atendido e o animal apareceu sobre as espumas das ondas. O animal era tão belo que todos imediatamente se curvaram a Minos. O Rei, todavia, decidiu não sacrificar tão maravilhoso animal e, em seu lugar, ofereceu outro touro branco de seu rebanho. Obviamente, ninguém pode querer enganar a um Deus e sair ileso a isso. A vingança de Poseidon foi cruel. Ele fez a esposa de Minos, Pasífae, se apaixonar perdidamente pelo animal. Consumida por esse desejo, a rainha procura Dédalo, um criativo inventor, treinado pela própria Deusa Atena e lhe pede ajuda. Ainda que constrangido por um pedido tão recriminável, ele constrói uma vaca de madeira, a rainha entra nela, e consegue enfim consumar seu intento. Dessa união grotesca nasce um ser bestial, o Minotauro, que possuía corpo de homem e cabeça de touro. O rei envergonhado pelos seus erros, exige do próprio Dédalo a construção de uma prisão para o monstro. Dédalo então constrói o maior e mais incrível labirinto já visto e o Minotauro é aprisionado dentro dele.
Voltando a Teseu, o herói ao se deparar com o sacrifício da juventude ateniense, oferece a si próprio como sacrifício. Embora relutante por ter acabado de reencontrar o filho, Egeu permite a sua partida. Logo ao chegar em Creta, Teseu depara-se com Ariadne, a bela princesa do reino. Os dois apaixonam-se e Ariadne passa a viver a angústia de perder seu amor no labirinto da fera. Ela sabe que Teseu pode vencer o Minotauro, mas tem medo de que ele se perca no esplêndido labirinto. Decide, por isso, procurar o único homem que pode lhe ajudar: Dédalo. Compadecido pelo sofrimento da princesa, ele diz que ela deve entregar ao amado um novelo de lã, que será desenrolado e marcará o caminho de saída. A princesa corre para a porta do labirinto e entrega o novelo de lã. Teseu enfrenta então sua prova com coragem e valentia, penetra no labirinto, derrota o monstro com sua espada e retorna em segurança para sua amada. Os dois fogem da ilha de Creta para Atenas.
Se Aristóteles estiver certo, esse mito pode nos ajudar a crescer em humanidade. Jung, o famoso psiquiatra, já nos ensinava que a linguagem da vida é a linguagem simbólica. Assim, vamos tentar encontrar todos esses personagens dentro de nós mesmos, nos focando em quatro elementos: o labirinto; o Minotauro; Ariadne e Teseu.
O Minotauro é o símbolo da potência humana dominada pelo seu lado animal. Quantas vezes nós mesmos somos guiados pelos nossos instintos mais vulgares? Por exemplo, quando ao nos depararmos com aquele prato que adoramos, salivamos e nos inquietamos como um cão na frente de um forno de frangos assados? Ou quando o despertador toca, e como um bom bicho-preguiça, lentamente levantamos a mão e… acionamos a soneca? Ou quando olhamos o desfile de belos corpos nas ruas como um leão que observa as zebras tomando água? São esses pequenos e perigosos impulsos que nós precisamos dominar! E todos eles são filhos de algum grau de egoísmo nosso. Assim como Minos preferiu guardar o touro para si, e de seu egoísmo nasceu o Minotauro, dentro de nós também nascem alguns monstros quando agimos de forma semelhante. Essas monstruosidades de nossa personalidade, só podem ser derrotadas por um ato de altruísmo. Por isso, precisamos escolher sermos Teseu e sacrificar nossa vida em nome de algo maior que nossos próprios interesses.
Teseu é a imagem do herói clássico, e por isso mesmo é um modelo de ser humano. Nascido da união entre céu e terra, entre Deus e o homem, entre espírito e matéria, guarda em si uma enorme força. Pense em tudo que os seres humanos já produziram, e nossa mente parece não conhecer limites! Quando esse poder é colocado a serviço de nosso egoísmo, ou de nossos desejos sensuais, nos tornamos monstros da pior espécie. Geramos Hitlers, Mussolines, Stálins, e tantos outros criminosos e assassinos. Ah, mas quando dedicamos esse poder à fraternidade, à generosidade, à justiça, ao amor, somos Mandelas, Madres Teresas, Irmãs Dulces. Somos TESEUS! Homens e mulheres que resgatam os valores mais profundos da Humanidade. E, por que deveríamos agir como os heróis, correr riscos e enfrentar monstros, se a maioria da população não faz nada? Porque no fundo de nosso Ser, ouvimos um sussurro que nos diz que é essa a direção que devemos tomar. É uma linha tênue, um fio que nos leva para fora deste labirinto que é a vida. O fio de Ariadne.
A donzela é um personagem comum em diversas histórias da humanidade. Símbolo de pureza, representa um estado de consciência a que o ser humano deve buscar unir-se. Qual é o ser Humano (com H maiúsculo) que não se enamora dos grandes ideais? Que não deseja uma vida justa, honesta, generosa, honrada? Se não quer isso, então talvez esteja preso no labirinto das paixões animais. Ariadne é este estado de consciência, a que todo aquele que vence seus animais internos sonha em desposar. Ela nos espera na porta desse colossal desafio que é a experiência humana. E ainda que tenhamos que enfrentar muitos vícios e monstros internos dentro deste labirinto antes de encontrá-la face a face, sabemos que estamos em contato com ela por causa de um fio que nos une.
Como vimos, todo esse enredo acontece conosco todos os dias, e não é em um labirinto Cretense, mas dentro de nós mesmos. Aliás, o labirinto é a própria vida, que sempre nos dá inúmeras oportunidades de vencer o eu-animal, ou perder-se no caminho. Esse mito pode ser encarado como o resumo da vida humana. Todos, e cada um de nós, viemos aqui com um encontro marcado com um Minotauro. Se aceitarmos isso, teremos uma chance de vencê-lo e poderemos procurar o fio que nos levará de volta a nossa pureza original. Se não, nos sentiremos perdidos, sem saber para onde ir, e atemorizados pela sensação de estarmos sozinhos, vulneráveis.
Olhe-se no espelho toda manhã e repita: qual será o Minotauro que eu vou derrotar hoje? E mantenha-se atento nos corredores da vida. Pegue seus piores instintos pelos chifres, e com uma vontade heroica mate o que tem que morrer. Nessa hora, você sentirá a sensação de dever cumprido, que é tão boa quanto encontrar seu verdadeiro amor. É a melhor coisa que um herói de verdade pode desejar. Seja um Teseu cotidiano… Viva o Mito!