Em geral, o nosso primeiro contato com os valores humanos e sociais se inicia através da audição das contações de histórias infantis. Isso pode refletir na construção das nossas crenças, preconceitos e princípios éticos que levamos por toda uma vida. Assim, as histórias aprendidas nos apresentam conceitos que vão constituindo a nossa personalidade pouco a pouco, ou seja, vão nos ensinando as noções de limites do certo ou do errado, do moral e do imoral, que vão sendo cristalizados de certa forma dentro dessas doces histórias. A magia com que os adultos nos contaram nos ajudou, no processo de imaginação, a desenvolver os nossos sentimentos e a ter o contato inicial com as ideias abstratas do mundo racional. Quem de nós não lembra da historinha da formiga que trabalhou durante todo o verão para se prover durante o inverno, nos ensinando desde muito cedo sobre o valor do trabalho e a importância da organização e do planejamento.
Quem de nós não imaginou, por longas horas, e se solidarizou com o patinho feio, que na verdade era um cisne e por isso se diferenciava dos demais, sofrendo preconceitos na sua comunidade?
O fato é que sempre se buscou associar as características humanas, principalmente as suas debilidades ou virtudes, às habilidades dos animais, como por exemplo, uma pessoa que expressa força em tudo o que faz irá nos lembrar a força do leão, ou alguém muito sábio, associamos a águia, ou mesmo, alguém muito astucioso e esperto costumamos tomar um certo cuidado, porque algo no nosso inconsciente nos diz que essa pessoa se comporta como uma raposa, que devido ao seu método de caça, são conhecidas pela sua astúcia e esperteza. Por causa desta característica “traiçoeira” do animal, as pessoas que demonstram comportamentos desleais são metaforicamente chamadas de “raposas”. E por falar na raposa, ela também tem sua a marca registrada no mundo das histórias infantis.
Conta uma das versões, que um lenhador viúvo e pai de uma criança tinha como animal de estimação, e melhor amigo, uma raposa. Tal comportamento e afeto pelo animal despertava um certo incômodo em toda a vizinhança, ainda mais que o lenhador viúvo deixava aos cuidados da raposa o seu único filho, desde o raiar do sol ao entardecer, quando voltava exausto da sua labuta. Por inúmeras vezes, ouviu comentários do tipo: “Você não devia confiar nesse tipo de animal”; “As raposas são predadoras solitárias e não conseguem viver em grupos”; “Quando este animal estiver com fome, irá matar o seu filho”. Entretanto, o lenhador não tinha motivos reais para suspeitar da raposa, uma vez que sua amiga, sempre tão gentil, o recebia no final da tarde com muito carinho e mantinha toda a casa e o filho cuidados. Mas, em algum momento, ele deixou-se contaminar pelas palavras dos seus vizinhos e a desconfiança penetrou em seu coração.
Certo dia, ao chegar em casa, o lenhador encontrou a sua amiga raposa alegre como sempre, mas seus dentes estavam com uma coloração vermelha de sangue e isso o deixou muito furioso e temeroso pela vida do seu filho. Sem pensar duas vezes, matou a raposa em um único golpe e correu para ver se o seu filho estava bem, qual foi a sua triste surpresa? A criança estava a salvo e saudável, como de costume, mas ao seu lado havia uma cobra morta que tinha sofrido um ataque da raposa que agiu em defesa da criança. Ao perceber o seu erro, o lenhador com profunda tristeza e envergonhado de seu ato, prometeu nunca mais agir por impulso ou deixar se contaminar pelas opiniões superficiais das pessoas.
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Como dito anteriormente, todas as histórias infantis têm por traz um conteúdo ético-moral que pode nos ensinar algo, no caso do conto da raposa e o lenhador, quais lições podemos aprender? Dentre as várias respostas existentes, podemos primeiro ressaltar a importância da busca sincera pela verdade por trás de cada fato que nos acontece. Pois, quem busca a essência dos fatos não se contenta com as suas aparentes expressões e muito menos, se influencia tão facilmente por opiniões alheias, geralmente, baseadas em preconceitos ou ideias que não representam a realidade. Um segundo ponto, não menos relevante, está no perigo das tomadas de decisões baseadas no domínio das emoções em detrimento da razão. É consenso que a nossa sociedade tem ficado cada vez menos racional e mais passional. Podemos ver isso claramente sendo expresso nas decisões políticas dos governantes, nos critérios utilizados pela sociedade nas corridas eleitorais, nos nossos conflitos de convivência diários, etc. As emoções têm o seu lugar na constituição de nossa personalidade, são elas que nos impulsionam, nos motivam para executar as ações diárias, porém não é papel delas avaliar e decidir. Esse papel é dever, por natureza, da nossa razão que deve ser o nosso governo central.
Os antigos filósofos estóicos, diziam que a sabedoria humana é conquistada através de uma vida harmonizada com as leis da Natureza. Para alguns, isto pode dar a entender que devemos seguir todos os nossos impulsos e emoções, mas para os estóicos, esta é uma atitude anti-natural. Os animais agem sem pensar e são guiados pelos seus instintos, e isto é natural, porém, esse tipo de comportamento não faz parte da natureza humana. Para esses antigos filósofos, nós nos harmonizamos com o todo, quando nossa razão controla os nossos impulsos mais primitivos. É assim que nasce a virtude.
Isso não quer dizer que o campo emocional deve ser negligenciado, pois é através dos sentimentos que acessamos o mundo e conseguimos nos integrar ao “corpo” social, mas é com a razão que compreendemos logicamente e somos capazes de escolher de forma acertada.
Uma grande chave aqui, para aprendermos a tomarmos boas decisões, é buscar iluminar a razão com as virtudes ou leis universais da vida, como a Bondade, a Justiça e a Fraternidade. Estes devem ser os faróis que guiam nossas atitudes, e mesmo que a raiva, o ciúmes ou a tristeza perturbem a nossa forma de pensar, antes de agir, devemos sempre olhar para esses faróis para que eles nos mostrem o caminho correto. Claro que ninguém consegue dominar isto completamente do dia para a noite, mas vale a pena encararmos como um exercício que deve ser praticado cotidianamente, pois, como nos mostra o conto, quando falhamos nisso, podemos destruir grandes amizades, e também, grandes coisas em nossas vidas.