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A espiritualidade em “Avatar: A Lenda de Aang”

O debate sobre como crianças e adolescentes são influenciados por filmes, vídeo games e etc, não é nenhuma novidade. Desde músicas com letras anti sociais, passando por filmes com conteúdo explícito sobre drogas, violência ou sexualidade, até chegar em video games e desenhos animados com todo tipo de coisas que o consumidor infantil estará tendo acesso pela primeira vez.

Parece impossível enxergar consenso em meio às discussões sobre como os jovens são influenciados por esses passatempos, mas, é óbvio que ao menos o que antes lhes era desconhecido deixa de sê-lo quando entram em contato com esses universos pela primeira vez. Quando uma criança assiste um filme de guerra repleto de mortes, sem que se entenda realmente toda a repercussão social e política que viria antes e depois daquilo se acontecesse na vida real, não é algo positivo para a formação da psique desta criança. Isto parece ser algo muito evidente para todos, mas e será que estamos realmente prestando atenção em tudo que assistimos e como isso pode nos influenciar de forma mais subjetiva?

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Avatar: A lenda de Aang, como foi chamada em seu lançamento no Brasil, é uma série animada produzida e exibida entre 2005 e 2008 por uma grande rede de televisão voltada para crianças e adolescentes, Nickelodeon. A série conta a história de Aang, um garoto de 12 anos que recebe a grande responsabilidade de ser o próximo Avatar da humanidade, e representar o papel de bastião do bem, que manterá unida toda a raça humana, em plena harmonia material e espiritual como assim vinha sendo, desde sempre. Nas tradições orientais, o Avatar é uma divindade encarnada na Terra, no sentido de orientar os homens e iluminar seus caminhos. No ocidente, essa figura pode muito bem ser associada ao que conhecemos como o Cristo. Alguns Avatares mais conhecidos são Buda, Krishna, Jesus.

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Na história de Aang, o mundo é dividido entre quatro nações que dominam cada uma, de forma mágica, cada um dos quatro elementos, água, terra, ar e fogo. O Avatar, apesar de nascer cada uma de suas encarnações em uma nação diferente, ele simboliza a união de todos os povos, e a harmonia e o amor entre os homens, por isso é o único capaz de dominar todos os elementos. O jovem Aang, cidadão da Nação do Ar, representa os monges budistas, por sua característica de evolução através de meditação, auto conhecimento, e das nobres verdades de Buda, como são mencionadas indiretamente ao longo de toda a série. Mas, a série não se limita em apenas transcrever os mitos orientais para um linguagem atual infantilizada.

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Aang, apesar de ser um Avatar no desenho animado, se identifica facilmente com Arjuna, guerreiro Pandava protagonista da epopeia Hindu “Mahabharata”. Nesse texto clássico da cultura indiana, o guerreiro conduzido por Krishna (que é o verdadeiro Avatar no épico), teme a batalha que está prestes a enfrentar, e fraqueja a ponto de, diante do exército inimigo, abandonar seu poderoso arco, e desejar desistir. Aang se vê diante de seu desafio, sua própria batalha interna, e foge do templo onde realizava seus treinamentos para assumir a função de Avatar, mas, fica preso dentro de uma onda de gelo que se forma durante uma tempestade e fica desaparecido para o restante do mundo por cem anos. Quando, um século inteiro depois, o jovem Avatar é encontrado e libertado por dois irmãos da pequena tribo da água que ainda resiste, ele encontra um mundo em conflito, ignorante dos ensinamentos e da justa condução de um Avatar, ou seja, de um norteador espiritual. Tudo isso porque a poderosa Nação do Fogo decidiu atacar e eliminou completamente os dominadores de ar, e avançava no sentido de controlar o mundo inteiro.

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A jornada desse garoto é repleta de ação, comédia, romances, como uma boa história deve ser, mas além disso, é repleta de um significado muito mais enriquecedor do que se pode esperar de um desenho animado. Ao longo do caminho, Aang precisa não apenas lidar com o medo de assumir sua responsabilidade espiritual, mas também lidar com seus conflitos pessoais de ser humano. Assim como Jesus teve de lidar com a perseguição de Roma, Aang teve que fugir da Nação do Fogo, para sobreviver e salvar a humanidade da destruição, e restaurar a harmonia.

Como vemos historicamente, a filosofia e a espiritualidade costumam tratar o aprendizado e a transmissão da sabedoria através da metodologia do discipulado, onde uma pessoa, devotada ao Ideal de fazer o Bem encontra um mestre capaz de orientá-lo, e quando se depara com a dúvida, a fraqueza e a falta de fé, recorre a ele. Aang não tinha mais a quem recorrer, pois sua nação havia sido completamente destruída, e novamente desesperou-se por não saber como ou para onde seguir. Mas, assim como Arjuna, Aang recorre à espiritualidade para receber orientação, e consegue abrir um poderoso canal com seu antecessor, que o conforta, mas lhe adverte sobre os desafios que terá de enfrentar.

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Na sua busca por aprender a dominação dos outros três elementos, Aang, o último mestre do ar, conheceu profundamente cada uma das nações, e como as características de seu povo as tornavam fundamentais para o estabelecimento da paz mundial. A Nação do Ar era espiritualizada, voltada para tudo o que nos liga ao divino, o que nos torna seres humanos, e o que nos compete no mundo. Vishnu os chamaria de Brâmanes, já Platão, de filósofos, ou homens com alma de ouro. A Nação da Terra vivia da matéria, e sabia bem administrar os recursos, além de controlar a liberdade da população por esses meios. Na cultura Hindu, provavelmente esses se assemelham mais com a casta dos Sudras. Na República de Platão, talvez estes seriam os homens da alma de ferro. A Nação da Água é a que vai de encontro a todos, de todas as formas, aceitando a todos independente da forma como se apresentam, e permitindo que o ciclo de renovação nunca se esgote completamente. Possivelmente seriam a casta dos Vaishas, os comerciantes, homens com alma de bronze na República. A Nação do Fogo é a mais apta para a guerra, que, se bem orientada, serve para proteger, unir forças para construir, mas quando ausente de sabedoria e discipulado, se degenera, passa a atacar e a usar a força para dividir e escravizar. Eles seriam a casta dos guerreiros Kshatrias, ou homens com alma de prata, na República.

Um dos momentos mais impactantes da série é quando Aang encontra um novo mestre, o Guru Pathik, que lhe ensina sobre os chakras que encontramos em nosso corpo espiritual. O excêntrico e amável guru lhe fala sobre quais as verdadeiras forças de cada chacra, e quais nossas fraquezas que podem impedi-los de funcionar bem, e manter o corpo equilibrado. A mensagem principal ali se relaciona novamente ao budismo, quando Aang entende que para dominar o chamado “estado Avatar”, precisa desapegar-se de seus desejos terrenos, e de suas correntes mundanas que lhe prendem ao mundo material e lhe fazem crer que o que está diante dos olhos é real, e não meramente temporário. O garoto receia permitir que seu amor por uma garota da nação da água se torne um amor por toda a humanidade.

Contar muito além disso seria insensível com o caro leitor que certamente depois desse texto, irá buscar imediatamente um canal de streaming para assistir tudo isso do começo ao fim.

Se as obras de entretenimento realmente podem ou não influenciar as pessoas que as consomem, sem dúvida ainda vamos debater muito a respeito antes de chegar a conclusões, no entanto, vale citar o músico Frank Zappa quando lhe perguntaram sobre isso: “Existe mais canções de amor do que qualquer outro tipo. Se canções influenciassem as pessoas, amaríamos uns aos outros”. Sem dúvida ele não está errado, mas existe uma forma de aprendermos através da arte que consumimos, que é colocando nossa consciência profundamente naquilo. Assistir a um filme apenas pelas explosões emocionantes, pelas canções românticas, ou pelos embaraços cômicos não é nenhum pecado, mas se temos a oportunidades de entrar em uma arena para assistir a um concerto musical, ou ligar nossa TV para assistir a um desenho animado, ou mesmo pegar nosso celular para saltar entre as redes sociais, porque não fazê-lo de uma forma que possamos terminar mais sábios, mais inteligentes ou mesmo apenas mais generosos do que quando começamos? Lembre-se que você está realmente onde sua consciência se encontra, e não onde seu corpo está fisicamente. Não se permita esvaziar-se de sentido consumindo entretenimento que só atende aos sentidos, procure aquilo que fala com a alma, o que lhe torna melhor, e sua vida certamente não será mais a mesma.

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