Se você estava no planeta Terra nesses últimos dias, com certeza está sabendo das tensões entre os EUA e o Irã. Mas para aqueles que passaram o réveillon em Marte e não sabem o que está acontecendo, segue aqui um breve resumo:
Na sexta-feira, dia 3 de janeiro de 2020, o presidente americano Donald Trump autorizou o assassinato do general Qasem Soleimani, que foi realizado com um ataque de mísseis disparados por um drone. Como retaliação, no dia 8, os iranianos dispararam 22 mísseis em duas bases militares no Iraque, que abrigam forças militares americanas.
Esta tensão está deixando todos ansiosos e com receio de que este seja o início de mais uma guerra mundial.
Mas porque tudo isso está acontecendo? Será que Trump acordou um certo dia e decidiu, do nada, criar uma confusão no Oriente Médio? Na verdade, esta história é muito antiga.
A relação entres esses dois países vem desde o início do século XX, quando o Irã ainda se chamava Pérsia e buscou ajuda dos americanos para fazer uma revolução política que reivindicava mais poder para o povo. Inclusive, um dos heróis da Revolução Constitucional Persa foi o professor americano Howard Baskerville.
Mas acontece que, depois que foram descobertas reservas de petróleo no território iraniano, o mundo todo mudou a sua forma de enxergar aquele país. Na década de 50, o primeiro ministro Mohammed Mossadeq decidiu nacionalizar toda a produção de petróleo do país. Em plena Guerra Fria, essa jogada foi comunista demais para a visão dos americanos, que atuaram novamente numa revolução dentro do país. Dessa vez houve uma reforma política, econômica e cultural, agora o Xá (autoridade monárquica) se submeteu ao pólo capitalista, e esta revolução levou muito do “American Way of Life” para aquele povo que sempre foi acostumado com uma tradição islâmica muito conservadora.
Jovens iranianos nos anos 70 – As mulheres não usavam mais véu e oravam junto aos homens nas mesquitas
Irã e EUA eram melhores amigos neste período. Tudo corria às mil maravilhas, a produção de petróleo enchia o país de dinheiro, e a influência que os americanos tinham sobre o país deixava o pólo capitalista muito satisfeito. Acontece que nem todos estavam tão contentes assim. Os opositores do regime, que eram severamente repreendidos, formaram uma aliança entre as autoridades religiosas, os movimentos estudantis e com um apoio da URSS. Liderados por Ruhollah Khomeini, os revolucionários derrubaram o poder monárquico do Xá com a Revolução Islâmica de 1979.
Ruhollah Khomeini
O Aiatolá Khomeini se torna o líder supremo, no campo político e religioso, da República Islâmica do Irã e restabelece os antigos hábitos culturais: Nada de cinema, jogos, música estrangeira, minissaia, calça boca de sino, maquiagem e mulher andando sem véu na rua.Voltam os castigos corporais para aqueles que desrespeitam a Sharia (Lei Islâmica) e a pena de morte para homossexuais, prostitutas, membros de outras religiões (especialmente os judeus) e praticamente todo mundo que apoiava o antigo regime. O novo regime manteve como refém os diplomatas da embaixada americana por mais de um ano. Para Khomeini, os EUA era, literalmente, o Satã.
Foi assim que acabou de vez a amizade entre os dois países. Afinal de contas, ninguém quer ser amigo do capeta… ou nem de quem te chama de Satã.
Aproveitando este clima de confusão, já em 1980 o Iraque decidiu iniciar uma guerra contra o Irã por causa de disputas políticas, religiosas e territoriais. O líder iraquiano, Saddam Hussein (você se lembra dele, né?), foi pedir ajuda adivinha para quem? Exatamente. Para os EUA.
Para quem não se lembra, os mesmos EUA, governado por Bush, invadiram o Iraque em 2003 e tiraram Hussein do poder. É importante reforçar que, na Guerra Fria, qualquer conflito no mundo tinha dois apoiadores: os EUA de um lado e a URSS de outro. Como o Irã representava o polo comunista, os americanos apoiaram o Iraque seguindo aquela lógica de que “o inimigo do meu inimigo é meu amigo”.
De lá para cá, a situação se manteve basicamente a mesma entre os dois países: permaneceram inimigos. Nunca tiveram um confronto direto, mas sempre apoiam lados opostos em conflitos que acontecem no Oriente Médio. Para o atual governo do Irã, uma das suas principais metas é a destruição do Estado de Israel, que é o grande parceiro dos americanos na região. O próprio General Soleimani, morto pelos americanos há poucos dias, era um líder terrorista e foi o responsável pelos piores atentados da história da Argentina, quando, em 1995, carros carregados de bombas explodiram centros israelitas na cidade de Buenos Aires matando mais de 400 pessoas.
Então quer dizer que o Trump é o herói da história?
Alguns argumentam que, na verdade, essa é uma estratégia política, uma vez que ele tem que se preparar para as eleições deste ano. E nunca podemos esquecer que as reservas de petróleo iranianas são desejadas por muitos.
E nós, o que temos a ver com este conflito? De que lado devemos ficar?
Todos nós nos inspiramos com aquelas histórias que contam sobre nobres e corajosos guerreiros que sacrificam suas próprias vidas para defender a sua pátria e o seu Ideal. Este arquétipo do herói mora dentro de cada um de nós, e todos nos revoltamos contra as maldades e desejamos lutar pelo lado do bem. Mas como saber qual é o lado do bem?
Acontece que não vivemos numa era heróica, grandes líderes que se sacrificavam pelo seu povo, como foi Leônidas de Esparta, não fazem parte da nossa história contemporânea. Nenhum governante de hoje em dia tem autoridade moral para pedir que os jovens façam sacrifícios pela pátria, pois eles sequer têm uma visão da pátria. As suas decisões não representam os interesses da nação, mas sim daqueles poderosos invisíveis que financiam suas campanhas e cujas faces não vemos, mas que conduzem como marionetes políticos de todo o mundo.
A nós, neste mundo sem verdadeiras pátrias, sem nobreza e sem grandes ideais, nos resta lutar na nossa guerra diária contra os nossos inimigos internos e, neste heroísmo cotidiano, que possamos dedicar as nossas vidas para trazer um pouco de Justiça e de Bondade à humanidade. Mas este trabalho não começa nem com os iranianos e nem com os americanos, mas sim com as pessoas que nos cercam e tem necessidade reais e objetivas, nas quais podemos atuar para melhorar um pouco a vida delas.
É como diz uma famosa frase atribuída a Martin Luther King:
“O QUE ME PREOCUPA NÃO É O GRITO DOS MAUS, MAS O SILÊNCIO DOS BONS”