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O Curto prazo da Memória Coletiva

No dia 2 de setembro de 2015, o mundo acordou com uma imagem profundamente impactante: um menino sírio morto numa praia da Turquia. O corpinho de bruços abandonado sobre a areia do mar, vestindo uma camisetinha vermelha, bermudinha azul e botinhas pretas, era a tradução do quanto estamos trilhando um caminho errado enquanto sociedade humana. Era uma mensagem para o mundo. Naquele ano, mais de duas mil pessoas já haviam morrido no mar tentando chegar à Europa, na sua maioria crianças, desacompanhadas dos pais, isso porque o valor pago pelo bote é muito alto, cerca de R$ 10.000,00, e os pais não podendo pagar para si, com muito esforço financiam a fuga dos filhos para que tenham um futuro, pois em seus países devastados pelas guerras e pela fome, não há futuro algum.

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O garoto da foto é Alan Kurdi, tinha 3 anos idade, era o caçula, estava na embarcação com a mãe, o pai e a irmã. Apenas o pai sobreviveu. Desde que se iniciou a guerra na Síria em 2011, a vida dessa família se resumia em fugir. Fugiram de Damasco para Kobane, mas a guerra chegou lá, a cidade foi tomada pelo Estado Islâmico, todos os dias haviam bombardeios, as crianças corriam e colocavam suas cabeças sob o cobertor da cama para não ouvirem o barulho. Então eles fugiram para a Turquia, lá não tinham casa, dormiam em uma fábrica à noite e passavam o dia em um parque, mesmo assim tiveram que sair da cidade e foram se abrigar em um bairro pobre de Istambul, mas não conseguiram financiar a vida lá, que era muito cara, logo tentaram ir para o Canadá, mas o país negou o visto, e assim, no desespero, o pai resolveu fugir para a Europa Ocidental de qualquer jeito. Pagou mais de vinte e cinco mil reais a um traficante de pessoas para que sua família fosse transportada em uma embarcação frágil e superlotada para a Grécia. Depois de cinco minutos no mar, começaram a vir ondas muito fortes, o piloto fugiu nadando e o pai fez tudo que esteve ao alcance para salvar a família, mas não conseguiu. Os corpos foram levados pelas ondas para a praia. Na manhã seguinte, a tragédia é capturada pela câmera da fotógrafa Nilüfer Demir, ela que cobria as imigrações já há quinze anos, diz que naquele momento quando viu o corpinho do garoto sem vida na areia, ficou “petrificada”, por alguns segundos não sabia o que fazer, em seguida decidiu que difundir aquela imagem pelo mundo era a melhor forma de reagir.

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A imagem, em fração de segundos, já estava difundida por todo o mundo, através de smartphones, blogs, redes sociais, redes de televisão, jornais, redes sociais, era o assunto mais comentado no twitter. O mundo ficou estupefato, comovido, angustiado. Quantas lágrimas foram derramadas naquele dia? Quantos apertos no coração? Os principais jornais do mundo se posicionaram veementemente. O jornal britânico Independent questionou: “Se estas imagens com poder extraordinário de uma criança síria morta levada a uma praia não mudarem as atitudes da Europa com relação aos refugiados, o que mudará?”; o The Guardian disse que aquela imagem levou para as casas das pessoas “todo o horror da tragédia humana que vem acontecendo no litoral da Europa”, o Washington Post afirmou que aquela imagem era “o mais trágico símbolo da crise de refugiados do Mediterrâneo”.

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Em 2017, dois anos depois do ocorrido, um relatório da UNICEF (Fundo das Nações Unidas para a infância) apresentava um dado assustador: existem 28 milhões de crianças refugiadas em razão de conflitos armados. No primeiro dia do ano de 2020, um bombardeio matou cinco crianças na Síria. Esses dados sinalizam que o cenário que hospedou a tragédia de Alan Kurdi ainda é o mesmo, a imagem foi muito impactante, mas seu efeito não repercutiu em decisões fundamentais em torno do conflito, os bombardeios na Síria continuam e a crise migratória segue na mesma intensidade. Outras imagens de crianças mortas já não impactam tanto, as cores daquele corpinho inerte nas areias turcas parecem ter se desbotado. O fato é que ao lembrarmos da foto já não sentimos a mesma dor como na primeira vez, já não nos impacta tanto. Mas para aquele pai que perdeu sua família, a dor é a mesma: “não há um único dia que eu não chore pela minha família”, afirma Abdullah Kurdi, pai de Alan Kurdi.

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Se conseguíssemos amar toda a humanidade como amamos nossas famílias, não haveria um único dia que não lembrássemos dessas crianças que amargam os horrores da guerra.. Se toda a sociedade humana tratasse a memória coletiva como individual, essas tragédias continuariam tão vívidas que não seria possível permiti-las. Em alguma medida, somos todos coniventes, pois respondemos à tragédia como se responde a um espetáculo, a que se assiste, vibra, chora, aplaude, mas quando as cortinas se fecham, se vai para casa, voltando para sua vida individual e privada.

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A grande filósofa russa do século XIX, Helena Petrovna Blavatsky, que foi uma das principais responsáveis pela difusão da filosofia oriental no ocidente, em sua obra “A Voz do Silêncio” resgata um antigo ensinamento tibetano:“Que a tua Alma dê ouvidos a todo o grito de dor como a flor de lótus abre o seu seio

para beber o sol matutino.

Que o sol feroz não seque uma única lágrima de dor antes que a tenhas limpado dos

olhos de quem sofre.

Que cada lágrima humana escaldante caia no teu coração e aí fique; nem nunca a tires

enquanto durar a dor que a produziu.”

Somente este simples ensinamento, que não é somente tibetano, mas sim Universal, seria o suficiente para resolvermos de vez este triste problema humano. Mas para isso, não adianta simplesmente fazer reclamações e textos nas redes sociais, ou cobrar os governantes e as autoridades. Precisamos, cada um de nós, trazer esta bela teoria para a experiência diária de nossas vidas e, assim, honrar a verdade com a prática.

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