La luna (A lua) é uma animação da Pixar Animations Studios, que estreou em 06 de junho de 2011 e é dirigida por Enrico Casanova. O curta foi indicado para o Oscar de melhor curta animado em 2012. A Pixar é uma empresa da Walt Disney Company, que há quase cem anos nos faz rir e chorar com seus filmes animados. Neste curta, temos uma fábula muito simples. Acompanhamos um garoto no seu primeiro dia de trabalho. Ele navega com seu pai e seu avô que tentam lhe transmitir suas formas e ferramentas, eles param e sobem à lua para iniciar o trabalho de limpeza e arrumação. Até que algo inesperado acontece e eles precisam entender juntos que novos problemas podem ser ótimas oportunidades para descobrir qual é o nosso lugar no mundo, a nossa própria identidade.
Desde que o homem produziu cultura, ele a usa para contar histórias. O ser humano tem uma inclinação natural para comunicar-se. E essa natureza já nos rendeu grandes epopeias. Talvez a mais antiga de que tenhamos notícia seja o grande mito de Gilgamesh. Mas, há outras também muito famosas, como Odisseia de Ulisses, Os Doze Trabalhos de Hércules, O Fantasma da Ópera… Muitos autores nos ensinam que estas obras humanas têm aspectos em comum. Isso é o que Joseph Campbell explica muito bem na sua teoria do monomito, em que ele mostra que os grandes mitos da humanidade, das mais diversas culturas, seguem uma mesma estrutura narrativa. Os mitos nos falam de arquétipos humanos: ideias referenciais, modelos inspiradores que ao mesmo tempo em que conseguem representar os dramas de nossa espécie, oferecem chaves para o autoconhecimento e o autodesenvolvimento.
A forma como contamos histórias foi evoluindo e agregando elementos novos que a fascinante capacidade do homo sapiens foi produzindo ao longo do tempo. Antes as escrevíamos em pedras, depois as talhamos em madeira, em seguida passamos a usar rolos de papiro e hoje as escrevemos em bits armazenados na nuvem. Se antes usávamos a palavra falada e depois a palavra escrita, em pouco tempo acrescentamos a música, os elementos cênicos, a fotografia, os desenhos, os efeitos especiais. Isso permitiu experiências incríveis que nossos avôs não sonhariam vivenciar. Hoje temos mesmo um verdadeiro caleidoscópio de recursos que usamos à exaustão. E se essas possibilidades nos permitem construir obras de valor estético inquestionável, também nos levam para o outro extremo. Em nome do entretenimento, negligenciamos a narrativa, o enredo, o drama. Fazemos quadros exóticos em que combinamos elementos da cultura pop, os memes do momento, com nossas próprias psicoses e geramos exemplares vazios embrulhados para presente. Explicando melhor, temos obras que usam todas as técnicas mais modernas disponíveis, mas contam histórias pouco profundas. Dessa forma, após o contato com elas, saímos com as emoções em polvorosas, agitadas, mexidas, mas não extraímos nenhuma lição relevante para a vida.
Com tantas ferramentas à disposição, o poder das histórias sobre o imaginário do homem cresceu exponencialmente e combateu, reforçou e criou novas ideias inspiradoras. Os “trovadores” de hoje alcançam milhões de pessoas instantaneamente, em tempo real e são capazes de influenciar seus comportamentos. A questão é que com grandes poderes, vem grandes responsabilidades. A frase que já foi creditada a Voltaire, mas que ganhou fama em nossos tempos com os quadrinhos de Cabeça de Teia de Stan Lee e Steve Ditko, continua atual. Com tanta força, a indústria da cultura corre o risco, não somente de gerar obras de puro entretenimento, mas também obras que nos levem de volta ao animal que começamos a deixar para trás quando passamos a andar eretos.
No mundo antigo, uma trama assim, seria pouco valorizada. A grande maioria das narrativas se ocupava de temas sagrados e tinham como objetivo educar o povo. Trazer para fora o que de melhor eles tinham e lhes colocar em contato com seus deuses, com os elementos mais elevados e espirituais de sua própria humanidade. É muito comum entrar em contato com contos Zen, ou indianos e sentir-se tocado profundamente. Embora suas narrativas sejam breves e sem tantos adjetivos desnecessários, possuem um conteúdo humanizador. De tal forma que são como mergulhar num rio, saímos encharcados com as ideias ali presentes e reflexivos ante a nossa própria vida. É óbvio que a quantidade de elementos que percebemos depende de nossa própria experiência de vida e profundidade interior.
O mundo antigo foi capaz de nos dar magníficas obras como o Ramayana, o Mahabarata, as narrativas bíblicas, todas tão cheias de significados que levaríamos a vida inteira para entendê-las. Mas, também herdamos histórias simples, curtas e certeiras, que atravessaram o tempo, a despeito de sua simplicidade. E conseguiram isso exatamente por conta do conteúdo que traziam, por tratarem dos desafios que a alma humana enfrenta ao longo de sua passagem nesta Terra. E que desafios seriam esses? O de se tornar mais fraterno, de aprender a conviver com as diferenças, de ampliar o amor para todas as criaturas, de progredir não apenas materialmente, mas também moralmente, de saber quem se é e qual o seu lugar no mundo… Enfim, o de se tornar verdadeiramente Humano. Sempre que encontramos exemplos desse tipo de cultura, nossa psique se rende à beleza que elas sequestram. E quando além do conteúdo, a forma é delicada, poética e de uma pureza quase infantil, nos prostramos reverentes, reconhecendo no espelho nossa própria identidade.
É assim com La Luna. No curta, o garoto que está iniciando na profissão, fica entre a briga de seu pai e seu avô, cada um dos dois tentando impor a sua técnica, mostrando que o seu jeito é o único correto, e se recusando a reconhecer uma outra forma de se realizar o mesmo trabalho. Em nossa vida, quantas vezes não somos como esses personagens? Nos fechamos para o ponto de vista alheio, nos recusando a aceitar as diferenças, nos recusando a aceitar que existem também outras formas de se viver, as vezes bem diferentes das que escolhemos para nós, mas que também são corretas. Quando fazemos isso, nossa vida fica muito limitada e pequena, pois quando nos damos a oportunidade de tentar enxergar o mundo através dos olhos do outro, descobrimos uma realidade completamente nova, com novas cores, novos sentimentos, novos pensamentos e novos significados.
Aquele barquinho em que três gerações se encontram é nossa própria vida. Todos temos dentro de nós uma consciência pura como uma criança, e vivemos tentando nos adequar às fórmulas do passado, ou atender às exigências do presente. O passado é importante, porque são as lições aprendidas com nossos cabelos brancos que nos permitem criar as escadas para o amanhã. O presente é fundamental, porque é no agora que decidimos onde ancoraremos nossa existência. Mas, é a pureza de uma consciência curiosa, ávida por saber, que pode nos dar discernimento. Que pode nos fazer reconhecer a validade daquilo que recebemos de nossos pais, e ao mesmo tempo nos empurrar para futuro. Um futuro que construiremos a medida em que descobrirmos nossas próprias ferramentas, nossa forma de ver e encarar o mundo. Daremos um passo na caminhada humana, quando conseguirmos harmonizar esses três elementos: passado, presente e futuro. Já que eles estão sempre conosco, que possamos uni-los. Juntos, eles colocarão a Lua em quarto crescente. A lua é esse espelho que, durante a noite, une Sol e Terra. Assim, uma psique que respeita o passado, ouve o presente, mas mantêm seus olhos fixos no futuro, pode se tornar o reflexo de uma luz que todo ser humano carrega dentro de si. Não esqueça que a Lua crescente é o prenúncio de uma nova jornada, num ciclo que só termina com o mergulho total na noite misteriosa. Assista a La Luna e mergulhe você também… Mas, mergulhe em si mesmo.
Reflita sobre quem você tem sido. Aquele que amarrado à vassoura que traz do passado, não se permite inovar? Ou talvez aquele que preso às exigências do presente, vive às turras, brigando com o passado? Silencie os dois por um momento. Perceba que dentro de você também há uma curiosidade natural, uma sede de saber, uma força que lhe lança rumo ao desconhecido. Agarre-se nela e você encontrará uma fonte inesgotável de juventude. De posse disso, você poderá olhar para o ontem e para o hoje de uma outra maneira. Talvez você ache os dois muito engraçados com seus bigodes, suas roupas e seus chapéus. Mas, não podemos ignorá-los, pois a sua experiência nos ensina muito. E também não podemos imitá-los, pois cada um de nós tem o seu próprio caminho. Cada pessoa tem a sua maneira de pensar, a sua maneira de se expressar, a sua maneira de amar. Somos únicos, e isso é o que torna cada ser humano valioso.
Entendido isso, agora é só ficar um pouquinho atento que a vida se encarregará de balançar sua tranquilidade, com um desafio do tamanho da sua necessidade. Temos certeza de que assim você achará seu jeito de lidar com ele. E se o fizer com a pureza de sua criança interior, o resultado será Beleza, Bondade e Justiça.