Os Heróis Negros Esquecidos do Brasil

Dia 20 de Novembro é celebrado no Brasil o Dia da Consciência Negra, inclusive, em alguns estados e municípios é um feriado. A data foi escolhida por coincidir com o dia atribuído à morte de Zumbi dos Palmares, líder do mais emblemático quilombo que existiu na era colonial. Nesta data, a proposta é refletir sobre questões como racismo, discriminação, igualdade social, inclusão de negros na sociedade e a cultura afro-brasileira.

Mas surgem alguns questionamentos sobre esta data e principalmente sobre a expressão “Consciência Negra”. Consciência tem cor? Existe também uma consciência branca? E uma amarela, e uma vermelha? O ator americano Morgan Freeman, em uma famosa entrevista, questiona se é correto dedicar um dia ou um mês ao povo negro. No caso dos EUA, o mês da história do povo negro é fevereiro.

Esta é uma questão bem delicada, pois nós precisamos encontrar uma forma de equilibrar alguns fatos que são inegáveis. Se por um lado, a população negra foi explorada e torturada por séculos, por outro lado, não podemos culpar a geração atual pelos erros de seus antepassados.

A estrutura social que vivemos hoje é uma consequência do histórico da escravidão. Por isso que, em geral, a população não negra vive em melhores condições que a população negra. Claro que hoje em dia é óbvio para a maioria das pessoas que a cor da pele não acrescenta nem reduz valor a ninguém, e o racismo atualmente é visto como uma grande estupidez. Mas séculos de exploração não se apagam sem deixar marcas visíveis ainda no presente. Por exemplo, se uma pessoa negra entra num restaurante muito caro, isso geralmente gera uma surpresa por ser algo raro.

Sem dúvidas isso é uma herança do nosso passado racista, mas será que a pessoa que se surpreendeu com a situação está sendo racista? Tanto negros quanto brancos, diante de uma situação dessa, podem ter essa surpresa. E provavelmente, na maioria dos casos, esta é uma surpresa positiva, pois a pessoa identifica que é uma situação rara, mas fica feliz por saber que esse nosso passado de violência e discriminação está ficando para trás e cada vez mais será comum ver negros frequentando todos os espaços da sociedade.

Sem dúvidas este é um tema que ainda exige muita reflexão e empatia. Talvez falar em “Consciência Negra” ainda seja necessário, pois as feridas históricas ainda estão cicatrizando e isso é uma ajuda importante para que a população negra supere anos de lavagem cerebral que dizia que sua cor e sua raça eram ruins, que seus traços eram feios, que eles eram incapazes e inferiores aos brancos. O risco que existe aí é que isso reforce ainda mais a segregação entre as pessoas por causa da cor de pele.

O objetivo que todos queremos chegar, não é uma sociedade onde os negros tenham força para enfrentar os brancos, mas sim, numa sociedade em que a cor de pele de uma pessoa seja irrelevante diante do conteúdo do seu caráter. Afinal de contas, este era o sonho do grande Martin Luther King.

Sem dúvidas, precisamos todos concordar com Morgan Freeman quando ele diz que, quando pararmos de olhar para as pessoas e classificá-las como “um homem branco” ou um “homem negro”, estaremos no caminho para pôr um ponto final neste terrível equívoco e exorcizarmos de vez esses fantasmas do passado.

Um outro cuidado que precisamos ter, principalmente em tempos de polarização, é entender como os grande “players” do jogo político manipulam as informações, as interpretações históricas e principalmente os militantes bem intencionados para que os “ventos políticos” soprem a seu favor.

Um bom exemplo disso é a própria figura de Zumbi dos Palmares, como um representante da “consciência negra”. Sem dúvida nenhuma, ele foi um guerreiro corajoso, que liderou milhares de pessoas que lutavam para se proteger da violência e opressão a que eram submetidas. Porém, devido a carência de fontes históricas, Zumbi é um personagem muito enigmático, não se conhece muito bem a seu respeito, e historiadores ainda se questionam se, dentro do quilombo também existia escravidão, o que também era algo comum nas culturas africanas.

Repetindo: é um personagem admirável e sem dúvidas foi um homem de muitas virtudes. Mas será que a história do Brasil é tão carente de personagens que serviriam como símbolo da luta contra o preconceito e pela dignidade do povo negro? A resposta para isso é um enfático NÃO.

Principalmente no período do Brasil Império, é enorme o número de pessoas brilhantes, corajosas, inteligentes e altruístas, que dedicaram as suas vidas para pôr um fim a escravidão e trazer dignidade para o povo negro. Poderíamos passar horas falando das biografias desses homens, mas citaremos alguns que servem de exemplo:

Antônio Pereira Rebouças

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Filho de uma escrava liberta e de um alfaiate português, lutou na Guerra da Independência, mas desde muito jovem entendeu que o caminho para a verdadeira liberdade viria através dos estudos. Autodidata, recebeu da câmara dos deputados a licença para advogar em todo o país, se tornou deputado da Bahia e Alagoas, e chegou a ser um conselheiro do Imperador Dom Pedro II. Ele era reconhecido como um dos maiores especialistas em direito civil do Brasil Imperial.

Foi autor de inúmeras obras e possuía uma das bibliotecas mais valiosas do Império. Além disso tudo, talvez a maior contribuição que ele fez para o nosso país foi ter entregue a sociedade dois filhos igualmente brilhantes: Os irmãos Antônio e André Rebouças.

Os Irmãos Rebouças

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Foram os primeiros negros a cursar uma universidade no Brasil e ficaram reconhecidos como os maiores engenheiros brasileiros do século XIX. No Paraná, que na época era uma província ainda em construção, eles foram responsáveis por inúmeras obras de infraestrutura, principalmente estradas e linhas férreas. André, que também era um grande inventor, resolveu um grave problema de abastecimento de água no Rio de Janeiro e foi o responsável pela criação de torpedos utilizados na guerra do Paraguai.

Após a morte de Antônio, André se dedicou de forma intensa à causa abolicionista, participando da fundação da Sociedade Brasileira Contra a Escravidão, e também da Sociedade Abolicionista. Grande amigo da Princesa Isabel, atuava com a sua mente genial principalmente nos bastidores, desenvolvendo planos e projetos para a libertação dos escravos, e também para a integração dos negros dentro da sociedade quando fosse decretada a abolição.

José do Patrocínio

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Apesar de se farmacêutico de formação, era um homem de palanque, e ficou muito reconhecido por ser uma das principais vozes do movimento abolicionista, atuando como jornalista e orador. Para poder escrever com independência, fundou o seu próprio periódico: “A Cidade do Rio”, e foi nesta redação que alguns dos melhores nomes do jornalismo brasileiro da época fizeram escola, reunidos e incentivados pelo próprio Patrocínio.

Não se limitando à escrita e aos discursos, José auxiliava a fuga de escravos e promovia campanhas de angariação de fundos para adquirir alforrias. Extremamente fiel à monarquia, após a assinatura da Lei Áurea pela Princesa Isabel, Patrocínio idealizou a “Guarda Negra”, que foi um grupo formado por ex-escravos que atuavam principalmente na proteção da princesa, devido às inúmeras ameaças recebidas após o dia da abolição.

Luiz Gama

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Segundo o historiador Boris Fausto, ele era dono de uma “biografia de novela”. Nascido livre, foi vendido pelo próprio pai como escravo aos 10 anos e posteriormente conquistou a própria liberdade. Apesar de ter permanecido analfabeto até os 17 anos, se tornou advogado e ajudou a libertar mais de 500 pessoas da escravidão. Por esse motivo é considerado o Patrono da Abolição da Escravidão do Brasil. Conheça mais sobre o Luiz Gama clicando aqui.

Francisco José do Nascimento (Dragão do Mar)

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Mais conhecido como Chico da Matilde, mas, após os seus feitos heroicos, recebeu o título de “Dragão do Mar”. Chefe dos jangadeiros, ele e seus colegas se engajaram à luta em janeiro de 1881, recusando-se a transportar, para os navios negreiros, os escravos que seriam vendidos para o Rio de Janeiro. Foi ele o responsável pela célebre frase “No porto do Ceará não embarcam mais escravos”. E este foi um fator importante para que o Ceará se tornasse a primeira província brasileira a abolir a escravidão, em 1884.

Se nossa história é tão rica em heróis negros, abolicionistas e patriotas, porque as suas histórias, que estão muito bem documentadas, não são contadas? Possivelmente por eles representarem um símbolo pacífico de liberdade e integração da população negra. E o mais favorável para muitos manipuladores políticos é que a população se mantenha sempre em clima de guerra e de conflito, separada por classe, por cor, por sexo, etc. Por isso a figura de Zumbi é um símbolo mais interessante para eles, pois ele representa uma guerra contra os brancos.

É importante diferenciar duas coisas. Zumbi dos Palmares, enquanto personagem histórico, não pode ser condenado por seus atos, uma vez que, de fato era uma vítima de um sistema cruel e lutava pela sua liberdade. Outra coisa é o símbolo “Zumbi dos Palmares” que foi criado em cima do personagem histórico. e, enquanto símbolo, nós nos questionamos se o símbolo de conflito e separação é o que buscamos para solucionar o problema do racismo hoje.

Enfim, para além de todas as questões desse mundo material, e para os conflitos circunstanciais que possam surgir entre os homens, a principal forma de superar o preconceito, a opressão e as injustiças é nos reconhecermos não como brancos, negros ou amarelos, mas sim como Indivíduos, como peças únicas e insubstituíveis que fazem parte de um mesmo corpo, como células de um organismo chamado “Humanidade”. Quando quebrarmos o que a filósofa Helena Blavatsky chamava de “Heresia da Separatividade”, quando deixarmos de nos enxergar como partes, e passarmos a nos enxergar como um todo, todos os conflitos serão harmonizados.

Adendo: No vídeo abaixo, o professor Paulo Cruz faz uma excelente reflexão sobre o assunto. Vale a pena assistir.

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