Os Mistérios da Alquimia: Do Chumbo ao Ouro Espiritual

Quando lemos sobre a Idade Média, aprendemos um pouco sobre o feudalismo, a inquisição, as cruzadas, os templários, mas neste mesmo período houve também o desenvolvimento de uma ciência profunda e muito misteriosa, a Alquimia.

Na Idade Média, esta ciência se baseava em estudos de homens da Igreja, monges em sua maioria, que tinham acesso a livros e obras antigas proibidas pela Inquisição. Hoje, com o Google e as redes sociais, nós temos acesso a praticamente todo tipo de publicação e informação de forma muito rápida e simples, mas imagina como era difícil acessar e compartilhar conhecimentos quando a única tecnologia que existia para fazer a cópia de um texto, era a tinta, a pena e o papel, ou seja, tinha que fazer uma cópia à mão. Tudo isso, sem contar com a proibição e a “satanização” de praticamente todo conhecimento que não fosse o oficial da Igreja Católica Romana.

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El alquimista TENIERS, DAVID

A ideia principal da Alquimia é a da transmutação, o famoso “transformar chumbo em ouro”, ou seja, alterar a natureza dos elementos. O fato interessante é que, muito mais do que fazer experimentos, os alquimistas eram estudiosos das mais diversas filosofias, tratados e obras esotéricas, e conheciam a natureza, os minérios, os vegetais e a medicina. Paracelso, por exemplo, foi um dos grandes alquimistas e deixou diversos escritos sobre cuidados com a saúde e sobre o cultivo de plantas que são válidos até hoje!

Entretanto, por que estudar tanto sobre metafísica, filosofia e assuntos diversos, quando o objetivo destes “cientistas” medievais era a transmutação da matéria? Isso nos leva a refletir e concluir que talvez esses homens e mulheres da Idade Média não estavam tentando apenas descobrir como transformar chumbo em ouro, mas, sim, como transformar a si mesmos em grandes seres humanos.

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 Há uma grande fantasia quando falamos sobre os alquimistas, porque geralmente imaginamos estes pesquisadores como “hereges” que iam contra os ensinamentos da Igreja ou mesmo como cientistas “malucos” que, trancados em seus laboratórios improvisados, passavam a vida fazendo testes e magias. A realidade, talvez, seja menos fantástica do que imaginamos. 

De fato, todos os elementos citados acima existiram em alguma proporção, mas devemos enxergar os alquimistas como profundos filósofos, ou seja, amantes da sabedoria e que procuraram através de diversas artes entender não somente do mundo físico, mas também de si mesmo. Desse modo, a busca por transformar chumbo em ouro não era apenas algo objetivo, mas também uma maneira de construir a si mesmo ao longo das suas experiências.

Não por acaso, essa mesma ideia era amplamente conhecida pela filosofia grega, uma das principais bases dos alquimistas. Platão, por exemplo, desenvolve a ideia das quatro naturezas do ser humano, relacionando-as com metais. Assim, existiram seres humanos com natureza de ferro, que facilmente seriam corrompidos; de bronze; de prata; e de ouro, que por sua natureza nobre e incorruptível seriam os mais felizes.

Sabendo disso, é difícil não relacionarmos essa ideia platônica com a busca dos alquimistas. Assim, a verdadeira transmutação a que se dedicavam era aquela afeita às suas próprias existências, e não necessariamente à busca de uma riqueza infinita.

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Pedra Filosofal (Créditos: Que nem Banana)

Outro aspecto que chama atenção quando estudamos a alquimia é a busca incessante pela pedra filosofal. Encontra-se diversos relatos na literatura de que os alquimistas buscavam a pedra filosofal, a fonte da eterna juventude e a imortalidade. Essa pedra também daria poder para realizar a famosa transmutação. 

Num período em que o materialismo reinava, em que a própria religião tratava somente de coisas superficiais e profanas, dificilmente a maioria das pessoas entenderia qual realmente era o propósito desses alquimistas. Na verdade, a juventude da qual se referiam era a juventude da alma. Assim como a verdadeira transmutação, muito mais do que o ouro material, o que eles buscavam era a transmutação de si mesmos, da própria personalidade. Desejavam transformar aqueles elementos pesados e grosseiros – como o chumbo – que existem dentro do ser humano, que são os vícios, as preguiças, as vaidades e ascendê-las a uma natureza mais nobre, de ouro espiritual. Em outras palavras, eles queriam transmutar seus defeitos em virtudes.

Mas o que significa ter “juventude de alma”? A juventude se caracteriza por ser uma fase da vida em que estamos no auge de nossa energia, em que estamos cheios de sonhos, metas e propósitos na vida. Nesse sentido, juventude de alma nada mais é do que colocar todas essas características em prol de uma vida espiritual. Em síntese, podemos falar que juventude de alma é quando não perdemos a capacidade de agir baseado em ideias, sempre buscando chegar ao máximo esplendor da capacidade humana e exprimir esses no mundo em que vivemos.

Esse seria um dos passos fundamentais para realizar a transmutação, pois, em geral, não vivemos com base em ideias ou mesmo em um sentido de vida espiritual. Muitas pessoas dedicam sua vida e energia para ganhar dinheiro, acumular bens materiais, viver intensamente todos os desejos que a vida pode proporcionar e, desse modo, entregam sua potência em prol de algo que irá desaparecer. Afinal, nada que seja do mundo temporal pode resistir ao passar dos anos, e em algum momento, seja cedo ou tarde, sucumbiremos ao destino que guarda tudo que está atrelado ao tempo.

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No entanto, quando se vive em nome das ideias, os valores se voltam para o eterno ao invés do efêmero, e, assim, alcança-se a verdadeira juventude. Então, podemos entender que a verdadeira Pedra Filosofal é a própria Filosofia, no sentido clássico.

Dito tudo isso, muito mais do que uma “ciência maluca” feita por homens gananciosos, os alquimistas nos aportaram com ideias para a vida, nos ensinando que as maiores riquezas que existem são aquelas da alma humana. Então, aprendamos com eles a fazer esta transmutação no nosso dia a dia.

E como podemos fazer isso? Os alquimistas separam sua ciência em três fases principais: o Nigredo (ou negro), o Albedo (o branco) e o Rubedo (Vermelho). Juntas, essas três fases compõem a “Grande Obra”, a transmutação do ser. Na psicanálise, essas três fases são utilizadas como uma metodologia para superar traumas e encontrar uma síntese do seu ser; enquanto que o psicanalista Carl Gustav Jung desenvolveu um método com base na alquimia medieval. Sendo assim, vamos agora explicar rapidamente sobre cada uma dessas fases.

A primeira é o Nigredo, também chamada de “obra em negro”. Nessa fase inicial é preciso dissolver os aspectos da sua personalidade que te travam, ou seja, que limitam a busca por encontrar a si mesmo. Nossas opiniões, convicções e dogmas são todos colocados à prova nessa fase, e por isso seja um dos momentos mais conflitivos na busca pelo autoconhecimento. É um momento de introspecção, de olharmos para dentro de nós mesmos e considerarmos o que de fato é real e o que adquirimos ao longo do tempo. 

A utilização do “negro” para essa ideia está relacionada com a noite, o mistério, o silêncio – momentos e aspectos que, em geral, nos levam a refletir sobre o nosso interior. Na mitologia, esse é o momento de “descida” ao umbral e que, em geral, ocorre uma grande transformação do herói em questão.

A segunda fase é a Albedo, também chamada de “obra em branco”. Após essa fase de confrontamento com o que faz parte ou não de si, é preciso limpar aquilo que já não faz parte da sua vida. Assim, a obra em branco é um momento de purificação e discernimento, em que aquilo que não serve para alcançar um estado psicológico saudável e nosso verdadeiro Eu deve ser descartado. Um símbolo muito comum dessa fase é a água, uma vez que a utilizamos para limpar tudo que está manchado.

Por fim, temos a última fase: Rubedo. Conhecida como “obra em vermelho”, ela é a síntese do processo de autoconhecimento, que reúne aquilo que sobrou da fase branca e agora conjuga na vida um novo ser, uma nova forma de atuação. A cor vermelha é tida como o intermediário entre o preto e o branco, sendo assim a linha que separa o antes e o depois. É o processo que fecha a grande obra e harmoniza o passado e o futuro, gerando um novo presente para a vida do indivíduo. 

Para quem ficou intrigado sobre a alquimia e quer conhecer mais sobre esses cientistas da Idade Média, recomendamos fortemente o vídeo abaixo. Ele nos traz mais detalhes da filosofia e da base da alquimia da Idade Média, não deixe de conferir!

Lúcia Helena Galvão

Sobre esse assunto também preparamos um Podcast especial para você! E você pode escutar esse e mais outros temas aqui mesmo na nossa página, ou através da nossa Playlist de Podcast no Spotify.

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