Em geral, conhece-se até o bisavô, raramente sabe-se quem foram os pais do bisavô. Inclusive, só por curiosidade, você sabia que não é correto utilizar o termo “tataravô” para os pais do bisavô? Segundo os dicionários Aurélio e Houaiss, os pais do bisavô são os trisavós, o tataravô seria o pai do trisavô. E depois do tataravô, o que vem? Aí começa-se a utilizar numerais cardinais: quinto avô, sexto avô, sétimo avô, sucessivamente.
Mas, curiosidades linguísticas à parte, o fato é que todos nós, em alguma medida, certamente já tivemos uma ponta de curiosidade em conhecer nossa ascendência. De que linhagem familiar viemos? Quem teria sido os pais dos meus tataravós? Em que grau esses ancestrais influenciam a minha existência? Até que ponto você iria nessa busca? Você pagaria para construir sua árvore genealógica? Sabia que tem muita gente fazendo isso?
Uma professora de História de Oxford, chamada Regina Poertner, publicou uma pesquisa em 2015, constatando que as buscas genealógicas constituem a terceira maior atividade na internet, perdendo apenas para o comércio e a pornografia. Com o avanço da tecnologia, associado ao progresso do método científico, e ao desenvolvimento de algoritmos e softwares especializados na área, o homem do nosso tempo lança-se cada vez mais em uma busca voraz pelo conhecimento de sua linhagem ancestral.
A questão filosófica é: Quais motores movem essas buscas? Por que sentimos essa necessidade psíquica de conhecer nossa ancestralidade?
Para aprofundarmos essas perguntas, precisamos entender a natureza da palavra “genealogia”. O termo é a junção de dois conceitos gregos: “genea” mais “logos”. O primeiro termo significa geração, ou origem, o segundo remete ao conhecimento, mas não ao conhecimento meramente informativo.
A teoria do logos platônico fala de um nível de conhecimento que trata das ideias perfeitas, arquetípicas, e como elas se manifestam no mundo material. Este é um processo mais vivencial que intelectual, e quando falamos em vivencial, estamos falando de costumes, de uma forma de vida, ou seja, estamos falando de moral.
Nesse sentido, genealogia seria buscar viver uma identidade, descobrir quem somos, a partir da nossa origem. No fundo, todos intuímos essa necessidade. É como se houvesse uma lei invisível que nos impulsiona a buscar os inícios, e quanto mais próximos ficamos da fonte, mais fidedignos a nós mesmos seremos, daí o termo “originalidade”. E quanto mais fidedignos aos códigos profundos de nossa origem, mais próximos estaremos do que seria a essência de “humanidade”, da fonte de onde todos nós surgimos.
Por isso, quanto mais nos aprofundamos na genealogia, mais claro fica que todos nós estamos unidos por um mesmo princípio, estamos todos na mesma família. Naturalmente, conforme isso se torna evidente dentro de cada um de nós, é inevitável que isso transforme o nosso comportamento e a nossa relação com os outros.
Entretanto, esse processo acaba sofrendo degenerações no caminho. Seria como uma árvore cujas raízes são bloqueadas pelas construções externas, placas de asfaltos, redes de esgotos, etc. As buscas pelas nossas raízes acabam sendo contaminadas por construções sociais externas, como necessidade de autoafirmação social, necessidade de pertencimento a um grupo social ou de uma seita. São tantas necessidades superficiais que se interpõe no caminho, que acabamos por degenerar a essência da busca, e sem percebermos, furtivamente, acabamos por buscar o que na verdade não queremos. E daí vem estados de angústias, transtornos psíquicos inexplicáveis, etc.
As razões profundas que nos levam à investigação sobre os antepassados não são exatamente os nomes dos quintos, sextos, sétimos avós. Não é a necessidade de ter sangue nobre correndo na veia, não é a busca por autoafirmação no meio social ou busca por alguma fortuna. Essas são as razões superficiais que se interpõem no caminho. As razões mais profundas estão ligadas a uma busca de identidade, uma busca de sentido, uma relação do nosso Ser com o tempo.
Desde tempos imemoriais, o homem busca seu sentido. Desde escritas rupestres em paredes de caverna até o advento das tecnologias mais avançadas do Vale do Silício, percebe-se esse volver humano em busca de se entender. Mas essa busca é sempre atravessada por ventos laterais, por interesses superficiais de um dado momento histórico, que o desvia do caminho.
O sentido de ancestralidade que atravessa o homem do nosso tempo hoje está contaminado pelo racionalismo moderno. Não há senão pequenos filetes de raios de luz do que seria o sentido original de se buscar a ancestralidade, todo o resto é mero interesse personalístico. As razões predominantes nessa avalanche de árvores genealógicas que estão surgindo estão ligadas a interesses meramente econômicos, desejos de poder, necessidade de notoriedade, etc. Mas, entranhado lá no fundo desse emaranhado de superficialidades, lateja um impulso profundo da alma humana para se conectar com a origem.
Somente conseguiremos encontrar satisfação nessa busca quando desentranharmos sua razão profunda e nos movermos em torno dela como o planeta se move em torno de seu próprio eixo. O problema é que essa razão profunda é metafísica, é transcendente, não está na matéria, está mais associada a um captar sem pensamentos, de uma forma mais intuitiva, porém o dogma da modernidade exige que só olhemos para a realidade a partir da razão. Esse dogmatismo rompeu o fio que nos conecta ao “logos”, na acepção platônica de “logos”, de tal modo que hoje não temos uma genealogia em essência, estamos presos à superficialidade de uma busca por afirmação social.
Todavia, essa busca não satisfaz. É preciso e é urgente que a nossa espécie humana redescubra o caminho de volta para a verdadeira origem espiritual, de onde surgiu todas as coisas. Que se reconecte aos símbolos, que dê ao sentimento e a razão seu lugar de direito na percepção da realidade e só assim encontraremos o que estamos buscando na ancestralidade. Então, vamos em busca das nossas origens, não somente no plano material, mas principalmente no espiritual. Vamos buscar entender o nosso papel de seres humanos, o que só nós podemos fazer que é crescer em Valores e Virtudes. Vamos descobrir o motivo pelo qual nascemos e vivemos, e assim, nos unir a nossa verdadeira família, a HUMANIDADE.