Curta “I Lava You”

Ah, o amor! O que seria o amor? Seria um fogo que arde sem se ver, como cantou Camões? Ou seria aquele condutor que nos leva ao fogo sagrado e nos transforma no pão místico do banquete divino tal qual Gibran apontava? Esse é um dos assuntos que mais ocupa as telas de nossos gadgets todos os dias. E este tema também ocupou os lábios dos cantores, as penas dos poetas, os tratados dos filósofos. E de fato, o que todos querem é um amor para chamar de seu.

Platão, discípulo de Sócrates e mestre de Aristóteles, já nos advertia que a saúde é o tema favorito dos doentes, assim como a liberdade é o tema predileto entre os prisioneiros. Então, se o amor é o verbo mais conjugado pelos nossos contemporâneos, talvez seja exatamente porque ele está em falta.

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O amor é definitivamente uma palavra com muitas traduções possíveis. O que diz: eu amo meu gato! Pode não querer dizer a mesma coisa afirmando que ama o novo corte de cabelo do chefe. Já as civilizações antigas tinham palavras distintas para os vários tipos de amor. Na Grécia Antiga, nomeamos de ágape aquele tipo de ligação espiritual, incondicionada, entre as almas, que reconhecemos no amor divino.

Chamamos de filos, aquele cálido sentimento de fraternidade, em que os corações se escolhem, mas os corpos não se manifestam. E de Eros, o amor romântico, que cobra a união com o ser amado por meio da ação ativa e, muitas vezes, física. A maior parte de nós, só consegue conceber como humanos os dois últimos tipos de amor.

Na sua dimensão física e romântica, e na sua face fraterna. E em geral, não achamos possível que os homens possam amar-se sem condições, sem interesses, ou sem laços sanguíneos. Apenas, como a realização de nossa humanidade.

Porém, há quem acredite no amor como uma força da natureza. Como uma inclinação natural que nos leva a todos para o bem comum. Como um gostar da alma pelo que está unido. Como uma lembrança da nossa consciência de que estamos todos ligados. Para estes, o amor é uma atração, resultado de nossa incompletude, que nos impulsiona a buscar completarmo-nos. Quando essa busca é somente pela completude física, costuma durar pouco tempo, posto que tão logo a união física cesse, se interrompe também esse tipo de amor.

Se buscamos uma inteireza psíquica, procurando alguém que complete nossas ideias e emoções, a inclinação pela união durará enquanto durar o interesse pelo assunto, por exemplo, um casal que se apaixona pois ambos amam a mesma banda, depois que esse interesse pelo grupo musical passa, a relação perde as suas bases.

Mas, se buscamos a unidade da alma, numa relação em que amamos no outro a virtude que não temos, ou onde caminhamos juntos por um mesmo ideal humano, essa relação não se desgasta no tempo de uma vida. Basta pensar no que une pessoas que por décadas dedicam-se a trabalhos voluntários ao redor do mundo. O que as mantêm unidas, senão a virtude da generosidade e a busca pela construção de um mundo melhor?

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Ao assistir o curta “I lava you”, que recomendamos no fim deste texto, você poderia ficar com a sensação de que se refere somente a busca por um par. Realmente, essa é uma ideia muito presente no imaginário popular: a de que há alguém especial esperando pelo encontro conosco.

E quantas vezes não idealizamos esse encontro e essa pessoa? Muitos fizeram desta busca o foco de sua vida e se frustraram. Se decepcionaram por não terem encontrado a pessoa amada, ou por terem encontrado e notado que ela não era exatamente o que parecia aos seus olhos apaixonados. E isso acontece, muitas vezes, porque tomamos a nós mesmos como referência na busca pelo amor.

Amamos quem pensa igual a nós, quem se emociona com os mesmos filmes, quem preenche aquela fantasia física que absorvemos dos modelos sociais. Da mesma forma, desejamos alguém que nos ame, nos respeite, nos entenda e nos aceite como nós somos, ou seja, é uma busca egocêntrica, onde só se pensa em si mesmo e não nos interesses e necessidades do outro. Poucas são as experiências que permitem que tenhamos uma referência amorosa fora de nós mesmos de forma duradoura.

A maternidade/paternidade é uma delas. Deixamos de pensar em nosso próprio bem-estar e passamos a mirar o bem da nossa amada prole. Entretanto, aumentamos a fronteira de nosso território-amor no máximo até à família que nos cerca. De qualquer forma, esse primeiro degrau altruísta de amor é fonte de uma força enorme. Pelos bem-amados acordamos em plena madrugada, aguentamos a tortura de ocupações infelizes, damos até a própria vida se necessário.

Nesse pequeno círculo, o amor jorra como uma fonte de lava fervente que esquenta e enche de vida a todos ao redor. Nós mesmos nos sentimos mais vivos quando amamos assim. Quando oferecemos do fundo de nossa alma, o melhor de que somos feitos aos outros.

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Quando amamos dessa forma reta, sem interesses pessoais, egoístas, cantamos uma canção que preenche de esperança toda a vida! E sem perceber, todos ao nosso redor são contagiados, e o que parecia ser obra da sorte de cada um, pode ser resultado de uma inspiração ouvida nas notas que emitimos. Só não nos esqueçamos que o amor é paciente e que teremos que cantar esta canção por anos e anos a fio. É usual que depois de algum tempo entoando os cânticos do coração, nos sintamos cansados e iniciemos a silenciar. Este é um terrível engano, pois quem alimenta aos outros com amor, de amor vive. Sem amor nada é, morre.

Por isso, a persistência é uma das maiores virtudes de quem ama: a pessoa canta até que alguém ouça e se levante das profundezas em que esteja mergulhado para cantar também. Quando esse encontro acontece, quando encontramos alguém disposto solfejar amor indistintamente a todas as criaturas, encontramos alguém com quem vale a pena dividir a vida! E mesmo que nossa brasa tenha esfriado e tenhamos desistido de viver, digo, de amar, basta ouvir as notas daquela velha canção e nosso fogo interior ressurge.

Então, sim! Camões e Gibran tinham razão. O amor é fogo que arde sem se ver dentro do ser de cada um, por isso é também o guia que nos leva para o fogo transmutador em que morremos trigo egoísta para nascermos pão que alimenta a muitos.

Cantemos a canção do amor com o filme da Disney, I lava you. E nos lembremos sempre que somos vulcões com uma infinidade de amor escaldante para dar a todos os seres da natureza. Cantemos e continuemos cantando que temos um sonho.

Um sonho de vermos todos juntos, lado a lado, cintilando o amor ágape. E mesmo que pareçamos ser apenas uma voz na imensidão desse mar de superficialidades materiais, não fraquejemos! Tem alguém ouvindo e pela graça da terra, do céu e do mar, em coro repetiremos: I lava you!

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