Não sei se a culpa é de Shakespeare, por causa de Romeu e Julieta, ou das pessoas que não souberam interpretar a sua obra, mas o que acontece é que existe um grande mito na nossa sociedade de que a história de uma pessoa só tem final feliz se ela encontrar a “metade que lhe falta”. Pode prestar atenção, pode ser em livros, filmes, novelas e até em jogos de vídeo games, todo protagonista tem o seu par romântico.
Claro que não vamos fazer aqui uma crítica ao amor romântico e nem uma apologia à vida isolada ou celibatária. Mas a reflexão que devemos fazer é: “O que realmente buscamos num relacionamento?”.
Geralmente pensamos que a solução dos nossos problemas estará fora de nós mesmos. Se nos falta dinheiro, pensamos que um aumento de salário vai resolver, se nos sentimos sem tempo, pensamos que algumas semanas de férias será a solução, e se nos sentimos tristes, solitários, carentes, pensamos que quando encontrarmos a nossa cara metade, encontraremos também a nossa felicidade.
Mas será que alguém pode nos dar isso? Existe alguém no mundo guardando a nossa felicidade e se não a encontrarmos seremos condenados a uma vida de melancolia? E vendo por outro ponto de vista, se estou buscando essa pessoa somente para que ela me faça feliz, isso não seria simplesmente um ato de egoísmo?
Essas questões relacionadas ao amor romântico não são novidade, muito menos as questões relacionadas à realização e à felicidade humana. Desde os mais antigos filósofos e pensadores, aprendemos que o Ser Humano é um ser integral, e não há nada que ele necessite que não possa ser encontrado em si mesmo, de alguma forma.
Mas se é assim, porque, quando estamos apaixonados, parece que fica um buraco no nosso peito, se ficamos distantes da pessoa amada? Por outro lado, tão comum quanto esse desejo de estar perto, é a repulsa que surge quando a paixão acaba, e a ilusão do cavaleiro na armadura branca ou da princesa encantada se desmorona. Já percebeu como em questão de meses (às vezes dias), casais que eram “nascidos um para o outro” se tornam “água e óleo”, às vezes incapazes de conviver num mesmo ambiente?.
Isso acontece porque quando uma pessoa vive uma paixão, ela projeta na outra todas aquelas qualidades que necessita para se sentir completa. Mas, quando a personalidade verdadeira do outro começa a aparecer por trás da fantasia que lhe foi imposta, a pessoa apaixonada tem a impressão de que foi enganada: “Você não era assim!”, “Você mudou muito!”. Percebe que estar apaixonado por alguém, nesse tipo de paixão, é uma tremenda injustiça? Não podemos impor a ninguém que seja de uma forma ou de outra. Ainda por cima, é de um tremendo egoísmo considerar alguém como uma pessoa má, somente por não satisfazer mais as nossas carências.
Não podemos cobrar de ninguém que tape os buracos de nossa alma, que seja a solução para os nossos problemas. É o nosso dever enfrentar as provas que a vida nos traz, e não é culpa de ninguém se nós sofremos com elas. Como as antigas tradições sempre nos ensinaram, a evolução é a lei da vida, e ninguém pode evoluir por nós.
Você deve estar pensando: “Nossa! Que texto frio! Isso aqui não era para falar sobre o dia dos namorados”?
Realmente, podemos pensar que essas verdades não são tão convenientes quando estamos falando de namorados e romance. Mas já que são verdades, não podemos ignorá-las, não é mesmo?
Claro que viver essas ideias é muito mais difícil do que falar sobre elas. Tirando os grandes seres que já superaram todas as limitações humanas, para todos nós, pobres mortais, um relacionamento amoroso é algo que significa muito em nossas vidas. Justamente por isso, deveríamos buscar compreender o que garante que um relacionamento seja duradouro e saudável.
Os exemplos de “paixões avassaladoras”, podem até ser legais de se assistir nos filmes ou novelas, e na prática também é algo que nos faz vibrar de emoção, mas todos sabemos que esse “fogo” não dura tanto tempo. Especialistas dizem que a duração média é de 18 meses. A paixão não é ruim por si só, na verdade ela é natural e esperada, o problema é que se não aprendermos a desenvolver um sentimento mais profundo, quando esse período passar (e ele passa, com certeza), não vai restar nada para manter o relacionamento vivo.
A paixão pode até cair como um meteoro, mas o verdadeiro Amor deve ser construído, é uma chama mais branda, mas que se mantém por muito tempo, pois é alimentada diariamente. Por isso, devemos aprender a oferecer o que temos de melhor numa relação, pois nós mesmos somos o combustível que alimenta o Amor.
Voltamos então àquela pergunta: “O que realmente buscamos num relacionamento?”.
Todos nós temos as nossas carências e é muito bom poder contar com um companheiro ou companheira que seja o nosso porto seguro, aquela pessoa que nos faz rir e nos ajuda a ver as belezas da vida. Porém, mais importante que buscar alguém que nos apoie, é buscarmos ser esse porto seguro para o nosso companheiro ou companheira. Saber que, mais importante que cada um individualmente, é esse Amor que nasceu da união e da superação de ambos. Quando essa chama é mantida de uma forma justa, generosa e saudável, ao redor dela pode surgir uma família que continuará a expandir esse sentimento.
Se você parar para analisar, provavelmente conhece um casal assim, que manteve por anos a união e foi capaz de formar e educar filhos e netos em torno desse sentimento que é o espírito que dá vida à família. Alguns casos, um Amor assim pode até mudar a história de um país.
A Espanha tem uma história cheia de casos de grandes batalhas onde o heroísmo e a coragem de vários homens garantiu a segurança e o bem da nação. Mas existe uma história de amor, que talvez não seja levada em conta, mas que também foi extremamente importante para o reino da Espanha na Idade Média. No filme El Cid (1961), conhecemos um pouco sobre a história de Rodrigo Diaz e Jimena, a sua esposa.
Rodrigo era o mais leal cavaleiro do reino, mas após o Rei Alfonso assumir o trono, por receio da influência que Rodrigo tinha sobre o povo, o novo governante tomou as suas terras e o enviou para o exílio, longe de Jimena e de suas filhas. Mesmo no exílio e injustiçado por seu rei, Rodrigo, que já era conhecido por todos como “El Cid”, continuou travando batalhas para defender o reino da Espanha contra os invasores.
Anos depois, o Rei Alfonso o convoca oferecendo o fim do exílio, as suas terras de volta e a oportunidade de viver novamente com sua esposa e filhas, mas para isso, deveria ajudá-lo na batalha de Sagrajas. O que El Cid mais desejava era ser aceito novamente por seu rei e poder viver novamente ao lado de sua família, porém ele sabia que, estrategicamente, eles deveriam voltar a atenção para Valência, pois os inimigos invadiriam a Espanha por ali. O orgulhoso Rei Alfonso rejeita a sua sugestão e lhe impõe o ultimato: “Se lutar no Sagrajas, anularemos seu desterro, e lhe devolveremos suas terras. Do contrário, trataremos você e os seus como inimigos.”
Após se reencontrar com Jimena, Rodrigo lhe expõe a sua dúvida: Escolher o bem da Espanha, ou voltar a viverem juntos em família?
(Assistir de 1:59:45 até 2:02:15)
“Faça o que tiver que fazer pela Espanha.” Essa é a resposta de Jimena.
Este é um exemplo onde o relacionamento não servia somente para satisfazer às carências de cada um, mas servia para um alimentar no outro as virtudes do heroísmo e da generosidade. Colocar o bem do reino acima do bem particular de cada um. El Cid ficou para a história como um grande herói espanhol, mas sem a inspiração de Jimena, talvez ele não teria tanta força para ser o grande guerreiro que foi.
Uma relação saudável não é formada por duas metades, mas sim por dois inteiros. Quando dois indivíduos se unem buscando se ajudar mutuamente a crescer, a despertar o que há de bom um no outro, a se tornarem cada vez mais completos, só assim é possível viver um relacionamento mais profundo e duradouro.
Mesmo depois que aquela ilusão da paixão se apaga, é fundamental poder olhar para o outro e sentir que pode ajudá-lo a superar as suas dificuldades, e se comprometer a manter a união, independente das pequenas discordâncias que podem surgir. E acima de tudo isso, que um possa entender e ajudar o outro a se tornar um fator de soma na vida das pessoas. Só assim será possível partir para níveis mais profundos dentro da relação, partir para a vivência daquele Amor que une as almas, e não somente os corpos.