“As aparências enganam”, “não julgue o livro pela capa”, quantos ditados já não ouvimos falando sobre a mesma ideia? Desde cedo, somos educados de maneira ambígua quanto a essa ideia. Ao mesmo tempo que aprendemos que julgar os outros pela sua aparência é errada, também aprendemos que não devemos confiar em ninguém, que não devemos falar com estranhos e que, a rigor, toda pessoa nova que se aproxima de nós é alguém que pode nos fazer mal.
Dentro desse pensamento, como não julgar ou ter medo de uma pessoa à primeira vista? Essa é apenas uma das grandes contradições que envolvem a nossa educação e que, infelizmente, criam poderosas raízes em nossa psique. Vale ressaltar que não estamos desmerecendo a importância dessas lições, pois ambas têm, de fato, um grande valor para nossa segurança e construção de mundo. O que se parece válido é perceber essa contradição e lidarmos com ela, como pretendemos mostrar neste texto.
Visto isso, como lidar com o julgamento à primeira vista? Algo que fazemos de modo instintivo e que, muitas vezes, nos faz levantar barreiras para a construção de novas amizades ou relações? Como lidar com esse modus operandi? Para obter essas respostas, precisamos conhecer um pouco mais da psique do ser humano e o papel dos nossos instintos para a nossa sobrevivência.
O papel do preconceito no instinto de sobrevivência humano
O preconceito é tão antigo quanto a própria humanidade. O tempo passa, mas não conseguimos nos libertar desta visão distorcida do que se passa à nossa volta. Cometemos grandes injustiças, reivindicamos as leis, exigimos novos direitos, mas não trabalhamos a nossa visão preconceituosa.
Precisamos entender, portanto, porque ainda hoje essa maneira de agir é tão comum. Apesar das definições culturais, algo em nossa composição tende ao preconceito, e isso pode ser explicado pelo nosso instinto de sobrevivência. A função desse – e de qualquer instinto – é garantir a perpetuação e manutenção de um organismo. Assim, de maneira automática, somos levados pelo medo e pela atração, por exemplo, em direção a garantir nossa sobrevivência e nossa reprodução. Todos os seres vivos possuem esses dois instintos, pois ambos precisam garantir a sua sobrevivência e reprodução.
No caso humano, por ter uma psique mais complexa, esses instintos se manifestam de diferentes maneiras. O preconceito é um deles, pois sempre que tomamos contato com algo novo, literalmente desconhecido para nós, nasce a desconfiança acerca daquela pessoa ou experiência com que precisamos lidar. Naturalmente, não nos sentimos confortáveis com novas pessoas em nosso ciclo de amizades; novas experiências também exigem de nós um grau de controle, pois somos levados à desconfiança de tudo que é novo. Essa é uma faceta do medo.
Como mecanismo de defesa para essa desconfiança nasce o preconceito. O preconceito é, de forma objetiva, uma maneira de julgar quem ou o que é um perigo ou não para a nossa existência, seja ela física, emocional ou intelectual. Nosso organismo busca sempre a otimização de processos, tanto no seu aspecto físico como também psicológico, logo, ao invés de refletir, ponderar e se aproximar para de fato estabelecer uma ideia sobre uma pessoa, acabamos criando uma série de elementos gerais e a julgamos, pois neste segundo processo tudo ocorre mais rápido.
Por isso que o desenvolvimento de preconceitos é tão natural dentro da psique humana. Entretanto, os fatores culturais influenciam diretamente na construção e manutenção destes preconceitos, o que nos rouba consciência e autonomia de pensamento. Por isso, apesar de ser uma face do nosso instinto atuando, é nossa responsabilidade dominá-lo.
Entendendo o preconceito para dominá-lo
Segundo os dicionários, preconceito é “qualquer opinião ou sentimento concebido sem exame crítico; ideia, opinião ou sentimento desfavorável formado sem conhecimento abalizado, ponderação ou razão; intolerância”.
Se uma opinião concebida sem exame crítico é uma opinião preconceituosa, imagine quantas opiniões dessas não emitimos por dia! Um filósofo indiano do século XIX, chamado Sri Ram, comenta que, às vezes, somos tão apegados às nossas opiniões e pontos de vista que nos tornamos prisioneiros delas. De fato, quantas vezes não nos pegamos nessa situação, sem querer dar o braço a torcer? Ou preso em convicções vazias, que ao menor exame de crítica pode chegar a ruir, e para não dar essa oportunidade ao novo, nos fechamos ainda mais de forma dogmática?
Infelizmente, é cada vez mais comum esse tipo de comportamento. Nós nos entrincheiramos com nossas opiniões, o que é uma pena, pois perdemos uma série de oportunidades de conhecer novas pessoas, e com elas, novas experiências e novas visões de mundo. Por isso, é importante aprendermos a abrir mão de nossos pontos de vista, de vez em quando. Afinal de contas, nem sempre estamos certos, e, independente disso, essa é também uma oportunidade de conhecer o mundo sob outra perspectiva.
Às vezes, até reconhecemos que temos uma visão errada e preconceituosa, mas não conseguimos abrir mão dela. Sri Ram, inclusive, fala que exige muita maturidade emocional e humildade para abrir mão de opiniões pessoais. A humildade faz com que a gente se posicione de maneira adequada, reconhecendo nosso papel, sem o sentimento de superioridade sobre as pessoas.
Um bom exercício de humildade, proposto pela filósofa Helena Blavatsky, sugere que devemos ter consciência de que sempre há alguém no mundo com quem podemos aprender algo, e sempre haverá alguém a quem podemos ensinar algo. Se eu vivo a ideia de que posso aprender com todos, independente do nível de instrução, raça, religião, estilo de vida, eu quebro o orgulho e o preconceito, e assim aprendo. Ou seja, sem humildade é impossível crescer.
O vídeo abaixo nos dá uma importante lição sobre a necessidade de combater os nossos preconceitos. Uma cena simples, porém profunda: uma família aguarda para entrar no consultório de um médico. Um rapaz também aguarda, e a família, assustada com o desconhecido, tenta manter-se afastado do jovem que nada fala, mas sente a desconfiança nas ações das outras pessoas. Ao entrarem para consulta, descobrem que o “estranho” era, na verdade, o grande responsável por salvar a vida de sua filha.
O vídeo nos ensina algo belo: que as ações e virtudes humanas não cabem em estereótipos. A natureza não possui nível de superioridade e inferioridade, não possui preconceitos. O preconceito é uma atitude desproporcional, causada por um medo irracional que domina nossa mente e nossos corações. Exatamente como acontece no vídeo com Jafar, fazemos uma série de distinções com crenças, etnias etc, mas por dentro, somos os mesmos. Fisicamente, nossos órgãos são os mesmos! A nível de humanidade, somos todos iguais, somos um!
Quantas vezes à nossa volta há alguém disposto a nos ajudar e tentamos impedir a qualquer preço, por questões de implicância pessoal? É somente nos abrindo para o novo, e quebrando as opiniões geradas pelas aparências, que poderemos crescer. Afinal, as aparências enganam.