Na sexta-feira, dia 25 de janeiro de 2019, o Brasil teve um dos seus dias mais tristes. No município mineiro de Brumadinho, a 65 km de Belo Horizonte, uma barragem controlada pela mineradora Vale se rompeu, fazendo com que um mar de lama contaminada destruísse uma enorme região. Além das centenas de mortos e desaparecidos, várias propriedades foram destruídas, sem contar o prejuízo ambiental, com a morte de inúmeros animais domésticos e silvestres, a destruição da vegetação e a contaminação das águas do Rio Paraopeba, podendo até chegar ao Rio São Francisco. Muitos de nós ainda sofreremos as consequências desse desastre, principalmente as comunidades que dependiam dessas águas que hoje se tornaram impróprias para o consumo.
Esse tipo de tragédia fere de forma muito dura as nossas esperanças na humanidade e na possibilidade de vivermos num mundo melhor. Mas, ao mesmo tempo, quando nos deparamos com as atitudes de algumas pessoas no meio do desastre, nós reacendemos a confiança de que dentro do Ser Humano ainda habitam muitas virtudes.
Isso tudo nos remete a nossa infância, quando nós escolhíamos um super-herói para ser o nosso favorito: Superman, Homem-Aranha, Batman… Na medida que vamos crescendo, ampliamos nossa concepção de herói, alguns passam a admirar um personagem dos mitos, como Hércules, ou um herói da história, como Gandhi ou Mandela. Até mesmo um pai, um chefe, um amigo, pode ser considerado uma figura heróica. Para nós, essa pessoa é um exemplo de vida, serve como inspiração, e a tomamos como uma referência pessoal.
E o que faz um herói? Quais suas características principais? Primeiramente, o herói não nasce como herói, não nasce como um salvador da humanidade, como alguém pronto para lutar. Tanto nos mitos, quanto nos quadrinhos, quanto na vida real, na medida em que vão crescendo é que vão tomando consciência de suas responsabilidades, de seu dom, ou poderes, e começam a se preparar para trabalhar em nome do Bem. Outro fator comum é o compromisso de fazer sempre o que é o melhor para o próximo, mesmo que envolva seu sacrifício pessoal. Além disso, um herói sempre luta em nome dos mais nobres ideais, como o Amor, a Bondade e a Justiça. Por mais forte que seja “o lado negro da força”, por mais difícil que seja enfrentar as dificuldade, ele nunca abre mão desse compromisso, não por pensar em si mesmo, mas por sempre estar preocupado com os outros que dependem de sua missão.
Por mais óbvio que pareçam as características que definem o herói, esse referencial vem perdendo seu significado. Hoje nos deparamos com uma série de personalidades, artistas, influencers, famosos em geral, que se tornaram os heróis da atualidade. Trocamos os valores mais nobres de Coragem, Virtude e Auto Sacrifício, pelos desejos mais superficiais, e acabamos colocando no pedestal as pessoas que conquistaram o que julgamos ser o corpo ideal, a casa ideal, o casamento ideal, as férias ideais, o luxo e estilo de vida ideais. Admira-se tudo que vem junto a essa forma de vida, as festas, as fotos nas redes sociais, o uso abusivo de substâncias lícitas ou ilícitas. Chegamos no ponto que Cazuza cita em uma de suas músicas “meus heróis morreram de overdose”. Um herói não é um ser perfeito, ele possui falhas como todos nós, seres humanos, mas quando o vício é o aspecto principal que caracteriza os nossos heróis, isso demonstra que nós invertemos todos os valores.
É natural do ser humano reconhecer o heroísmo, seja por uma figura real ou fictícia. Algo dentro de nós vibra com essa ideia. Por isso precisamos dos referenciais certos, de uma pessoa altruísta, sempre à disposição de ajudar o próximo, sempre trabalhando em nome do Bem, sempre colocando as necessidades dos outros acima de si mesmo. Hoje, em meio a tantas notícias tristes de violência e corrupção, focamos nos maus exemplos, que são a grande maioria, e esquecemos dos bons exemplos. Nós deixamos de buscar e valorizar os heróis do nosso cotidiano, pessoas que realmente resgatam esses valores. Uma das belezas ao observar uma criança com o seu super-herói favorito, é porque ela se veste como ele, age como ele, e sente-se capaz de realizar tudo o que ele realiza. Essa admiração desperta dentro de si a capacidade de ser herói também. Então, será que não podemos nos tornar heróis no nosso próprio cotidiano? Quando eu tento dar o melhor de mim para ajudar as pessoas a minha volta, quando tento superar um defeito para educar o meu filho, ou fazer um sobre-esforço de não criticar alguém para não o ofender, isso não é abrir mão um pouco de si mesmo em benefício do próximo? Eles podem parecer pequenos, mas são gestos puramente heroicos! Se eu não entro em um esquema de corrupção no meu trabalho (mesmo que todo mundo entre), se eu não estimulo a violência ou maus hábitos na minha vida (mesmo que todo mundo faça), isso não é lutar a favor do Bem, tal como faz um herói? Nós temos todo o potencial do mundo para sermos super-heróis, mas infelizmente nos esquecemos. Apesar disso tudo, a vida com toda a sua sabedoria, dá um jeitinho de nos mostrar que nem tudo está perdido, e que podemos ter esse sentimento desperto novamente.
Todos temos acompanhando a tragédia de Brumadinho e todo o processo de resgate para salvar as pessoas e animais que permanecem desaparecidos em meio à lama. Neste momento, repleto de sofrimento e indignação de todos que acompanham, surge novamente a figura do herói. Nos deparamos com os bombeiros, militares, médicos, enfermeiros, uma série de homens e mulheres, que agem da mesma forma que os nossos super-heróis favoritos. Abrem mão de suas vidas pessoais, de si mesmos, para salvar os que mais necessitam, em nome do Bem, da ajuda ao próximo, em nome do amor à humanidade.
Apesar de ser um desastre tão grande, é ali no meio de tanta lama e tanto sofrimento, que a luz dos heróis mais se destaca. Existem tantos casos que nos servem de inspiração, como o de Jefferson que, apesar de ter perdido praticamente tudo no desastre, inclusive a própria família, ajudou no resgate de mais de 40 pessoas. Em um desses casos, ele passou mais de 40 minutos reanimando uma vítima que havia quebrado a perna e estava presa na lama, enquanto o helicóptero de resgate não chegava. Outro belo exemplo é o da tropa israelense, que nos prestou socorro nesse momento de tanta necessidade. Eles vivem num país cheio de problemas que demandam muito das forças militares, mas mesmo assim, se dispuseram a ajudar os seus irmãos brasileiros.
Por isso, não podemos nos desmotivar da existência dos heróis, pois eles ainda existem. E se eles ainda existem, o que impede de nós sermos heróis também? Por que não fazer um ato de heroísmo e bravura? Aproveitemos esse momento de dor para gerar consciência, e nos inspiremos com o que estes homens e mulheres despertam dentro de nós, essa força que estava adormecida há sabe-se lá quanto tempo. Muitos desses heróis apareceram em Brumadinho, mas o heroísmo está espalhado por todo o planeta. Outro exemplo foi o caso das crianças na caverna da Tailândia, quantos heróis! Os mergulhadores, a equipe médica e o técnico que conseguiu, dentro da caverna, manter as crianças calmas e com esperança de vida.
Esses desastres, pelo menos servem para arrancar muitos de nossos preconceitos, e nos deixam, de certa forma, mais abertos e sensíveis à dor do próximo. No fim das contas, o que permanece dentro de nós é simplesmente um ser humano que quer ajudar o outro.
A negligência por parte dos responsáveis pelo desastre de Brumadinho serve de reflexão para todos nós, sobre o nosso descaso com a natureza, a nossa falta de visão do futuro e o nosso desprezo com aquilo que não envolve nossas vidas diretamente. Mas também serve de inspiração e aprendizado. Devemos nos reconhecer nos olhos dos heróis de Brumadinho, sentir-nos capazes de atuar em nome destas mesmas ideias que os motivam, despertar o melhor de nós mesmos, que foi adormecido pela negatividade do momento em que vivemos. Se existem heróis por todos os lados, se existem heróis em Brumadinho, então existe um herói dentro de nós, à espera do chamado para começar o seu combate! Desperte-o!