Filme “Lendas da Vida”

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Com direção de Robert Redford, e um time de estrelas como Matt Damon, Will Smith, a bela Charlize Theron e o saudoso Jack Lemmon, o filme “The Legend of Bagger Vance” (Lendas da Vida de 2000), nos conta sobre um torneio de golf, mas, na verdade, tem como pano de fundo uma das maiores obras literárias da humanidade, o clássico hindu Bhagavad Gita. O cenário do longa metragem é a linda cidade de Savannah, no estado da Geórgia, Estados Unidos, localidade que é muito explorada por turistas americanos, e que também foi locação para outros tantos filmes, como por exemplo, “Forrest Gump: O Contador de Histórias”, com Tom Hanks, e “O Cabo do Medo”, com Robert de Niro.

Este filme aborda vários temas como romance, esporte, história e espiritualidade, realizando uma clara analogia com o já mencionado Bhagavad Gita. Essa obra milenar nos conta sobre o ser humano, a sua trilha de evolução através dos conhecimentos das leis que regem o Homem, a vida e o Universo. Ensina-nos que é através do entendimento dos processos, das regras e das leis que existem neste mundo que podemos viver melhor, e assim “jogarmos” com mais felicidade. O objetivo desse texto não é realizar um comentário sobre os aspectos técnicos do filme, mas sim identificar como diversos elementos dessa obra se encontram com o épico indiano, e entender como isso tudo tem a ver com a nossa própria vida.

Após retornar da guerra, o protagonista Rannulph Junuh, interpretado por Matt Damon, entra num estado de sofrimento devido aos horrores que vivenciou, e prefere se isolar do mundo. Mas a grande depressão americana faz com que o negócio de sua amada, um empreendimento ligado ao golf, entre em declínio. Como solução para não se desfazer de sua herança, e já muito pressionada pelos seus credores, eles decidem promover um grande torneio com dois dos principais jogadores de golf da época, e mais um que representaria a grande cidade de Savannah. É claro que o escolhido foi Junuh. Mas será que o nosso herói tinha condições de retornar ao esporte? Após a desilusão e as dificuldades que presenciou? Junuh está indeciso, com medo e, como ele mesmo cita, “perdeu seu swing”, ou seja , a razão de jogar e de viver.

Não por coincidência, o herói do Bhagavad Gita se chama Arjuna. O grande desafio deste guerreiro da família dos Pandavas é recuperar a cidade de Hastinapura, que havia sido tomada por uma família adversária, os desonestos Kuravas. Os heróis eram em número bem menor que seus adversários, e para piorar a situação, entre os inimigos estavam pessoas que Arjuna amava e admirava desde a infância. A maior dificuldade para Arjuna não é a luta em si, mas sim entender se vale a pena lutar contra os traidores. Mesmo entendendo que é justo, ele não encontra motivação, e nem sabe o que fazer para iniciar a batalha. Por um momento, Arjuna abandona suas armas e desiste da luta e de si mesmo.

Nos dois casos acima os personagens se encontravam estagnados, sem a confiança de que estavam à altura de tão grande desafio. É interessante ver como nesses mitos, contos e textos milenares os desafios dos personagens são bem parecidos com os nossos. Esse tipo de postura de indecisão, nos ocorre diariamente em nosso trabalho, em nossas relações pessoais, com os nossos familiares. Por esse motivo os antigos diziam “Os mitos devem ser vividos!”. Eles não são simplesmente estorinhas de ficção, são ensinamentos vivos e uma fonte de conhecimento, que é passada para as gerações futuras com a finalidade de nos ajudar a viver e compreender melhor a História, a Vida e a Natureza Humana.

Nestes momentos, quando estamos paralisados e não conseguimos caminhar, se faz necessária a presença de um orientador, de alguém que já enfrentou as adversidades e desafios similares aos nossos e que já os venceu. Com a sua experiência, ele pode nos ajudar a triunfar.

O filme tem várias cenas marcantes, mas talvez nenhuma se compare ao momento do encontro com o misterioso personagem Bagger Vance, interpretado por Will Smith. Ao mesmo tempo que é o encarregado de transportar os tacos de golf do atleta, este assume um papel de mestre, fazendo com que Junuh reflita sobre as suas ações, pensamentos e emoções, no campo e na vida. Vance é uma clara referência a Krisnha, que é o mestre que conduz o carro de batalha de Arjuna e o orienta no momento da indecisão.

No texto do Baghavad Gita, os Pandavas eram uma família de nobres guerreiros. Eram cordiais, justos e defendiam os altos ideais na cidade de Hastinapura. Esta cidade simboliza o nosso ponto de maior espiritualidade, nossa essência divina. Do outro lado, estavam os Kuravas, que eram exatamente o oposto, eram injustos, vaidosos, orgulhosos e usavam de violência e desonestidade para alcançar seus propósitos. É importante perceber que esses dois exércitos existem em cada um de nós, e existe uma constante luta interna entre eles. Existe um lado nosso virtuoso, luminoso, que busca a Justiça, o Amor, Generosidade (Pandavas), e outro que ainda persiste em ficar na ignorância, com posturas desonestas, com ações egoístas e orgulhosas que travam nosso caminhar (Kuravas). Neste mito, Arjuna representa o próprio Ser Humano, que está dividido entre essas duas realidades, e Krisnha representa a nossa voz interna, uma espécie de mestre interior, a voz da nossa consciência.

Mas por que não lutamos? Por que não definimos por qual exército lutar? Curioso que, para se tornar um bom jogador de golf, é preciso ter habilidade, inteligência, uma excelente estratégia, saber utilizar o taco mais adequado para cada jogada, conhecer as regras do jogo e, como vimos no filme, até algumas leis da física. E na vida, não seria igual? Nós conhecemos as regras e as leis que regem a Vida? Não. Por isso sofremos, e vez por outra, achamos a vida injusta.

Junuh sofre por não saber mais jogar o esporte que ele tanto amava, por temer desapontar a sua cidade natal e também por não saber mais quem ele é. Ele tenta fugir da cidade e desistir do torneio. Assim também é Arjuna no épico Hindu, no momento da grande batalha, por medo de agir errado, ele acaba abaixando as armas e decidindo não mais lutar. Quantas vezes não fazemos o mesmo diante dos nossos problemas e desafios? Quantas vezes não nos sentimos fracos e impotentes, e jogamos a toalha?

No caminho de sua fuga, o herói Junuh recebe o apoio dos cidadãos de Savannah. Ele desiste de desistir, retorna ao campo de golf e decide jogar. Neste momento da decisão, tudo muda e a vida magicamente começa a mostrar qual caminho ele deve trilhar. E com a ajuda de Bagger Vance, ele inicia o grande torneio, vencendo a inércia e o medo, e ganhando inclusive a admiração de seus adversários. Esse é um dos primeiros ensinamentos do Baghavad Gita: a Inação. Não podemos nos paralisar diante da vida, pois vivemos em um Universo onde tudo caminha e se move, por isso ficar parado é o mesmo que retroceder.

Numa das cenas mais pedagógicas do filme, e que é um ensinamento extraído do Bhagavad Gita, a obra nos mostra uma lei da física conhecida como Ação e Reação, que a tradição hindu chama de “Karma”. Essa lei é bem conhecida no campo físico, mas ela também atua em planos mais sutis no ser humano. Por exemplo, quando agimos motivados por um “Kurava”, ou seja, raiva, vaidade ou egoísmo, a vida reage de forma pedagógica. Essa reação, que é consequência do que nós mesmos geramos, nos faz sofrer. Esse sofrimento é geralmente interpretado como algo negativo, pois nós não gostamos da dor, sempre a evitamos ao máximo, mas nos esquecemos de que é justamente ela que aponta os nossos erros, sejam eles conscientes ou inconscientes. É claro que não deveríamos buscar a dor a todo custo, mas podemos, a partir de hoje, nos relacionarmos de uma forma mais inteligente com ela, pois como já nos ensinava Buda: “A dor é um veículo de consciência”.

Numa determinada cena do filme, vemos essa lei de forma clara. É quando Junuh se deixa levar um pouco pelo seu sucesso no torneio. Com uma postura vaidosa e prepotente, ele age sem ouvir seu mestre, e utilizando um taco impróprio para jogada, a bola sai do caminho natural do jogo e se perde na floresta, trazendo grande dificuldade ao personagem.

No decorrer do filme, vemos a transformação do personagem e seu crescimento moral. Em um momento crítico, numa jogada muito difícil, Junuh acaba movendo sem querer a sua bola. Foi um movimento tão mínimo que não iria ajudar nem atrapalhar a jogada, nenhum dos outros jogadores percebeu, mas mesmo assim, ele decide acusar a falta sobre si mesmo. Seus adversários, inclusive, aconselham que ele minta, pois perceberam que não houve má fé. Nem isso foi suficiente para que Junuh traísse a verdade. Nesse momento, Bagger vance, que foi o seu mestre no jogo e na vida, decide ir embora, pois entende que o seu papel já foi cumprido. Junuh não precisa mais de uma voz externa lhe orientando, pois ele já aprendeu a ouvir a voz do mestre que fala dentro dele.

E quanto ao resultado do torneio? Junuh se sagrou o grande campeão?

Que tal assistir o filme e descobrir?

E lembrem-se: “O Ritmo do jogo é igual ao ritmo da Vida”.

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