Precisamos ser sinceros: a dor é uma condição inexorável da existência. Não importa o quanto desejamos evitá-la, sempre sentiremos algum tipo de dor ao longo de nossa vida. Ao nascer, por exemplo, o nosso primeiro ato é chorar, que ocorre devido à dor de não conseguir respirar fora da placenta de nossa mãe. Ao respirarmos pela primeira vez, a dor se torna aprendizado. Aprendemos que ao inspirar o ar, ele preenche nossos pulmões e assim seguimos vivos.
Essa é uma importante lição que devemos levar para a vida: a dor nos traz consciência. Essa é a sua única função. Assim, não devemos rejeitar a dor e fugir das suas garras, afinal, ela é inevitável. O que cabe a nós é refletir sobre nossas dores para transformar a experiência em aprendizado; caso contrário, continuaremos a sofrer. Para isso, precisamos reconhecer quais são os tipos de dores e como podemos fazer esse processo em prol de nossa evolução.
A dor como veículo de consciência
Sidarta Gautama, mundialmente conhecido como Buda, foi um ser humano que viveu no século VI a.C. Sua trajetória em busca da sabedoria lhe fez um ser iluminado, como conta sua história, e ganhou centenas de discípulos no Oriente enquanto ainda era vivo. Após sua morte, seus discípulos fundaram o Budismo, uma das principais religiões do mundo com milhões de seguidores espalhados por todos os continentes.
Buda trouxe ao mundo suas quatro nobres verdades, pérolas de sabedoria que ajudam ainda hoje a entendermos o papel da dor no processo de evolução humana. É dele a percepção de que a dor é uma realidade, uma forma que a vida encontrou de ensinar aos seres humanos sobre sua necessidade de desenvolver consciência.
Pensemos no papel da dor física, por exemplo, para o organismo: ao sentirmos uma dor de dente, o que ela nos revela? Que precisamos procurar um dentista, pois algo está errado com aquele local do corpo. Quando colocamos nossa mão em uma panela quente, nosso corpo manda uma mensagem para o cérebro avisando do perigo de manter a mão por muito tempo ali. A dor, portanto, é um mensageiro, é quem revela para nós uma realidade até então desconhecida.
Toda dor vai cumprir com esse papel, portanto, podemos afirmar que ela é um veículo da consciência. É através da dor que podemos enxergar o que está errado em nosso corpo e podemos corrigir. Os sinais de um corpo adoecido são as dores que ele aponta, e quanto mais rápido podermos atuar frente a essas dores, mais rápido encontraremos nossa cura. O grande perigo está em ignorar as dores ou não percebê-las, pois, quanto mais negligenciamos o que sentimos, mais tempo aquele erro nos afetará.
Todo mundo conhece uma história assim: alguém que sempre sentiu uma dor no peito, mas nunca procurou saber a sua causa. Afirmava que era “normal” sentir isso com a idade, e que não precisava de exames. Até que um dia, acometido pelo destino, sofreu um infarto. Percebe que a dor foi o meio que o corpo encontrou para avisar que algo estava errado com seu coração? E que ao ignorar essa dor colocamos em risco todo o organismo, podendo perder a vida?
As dores, portanto, não podem ser ignoradas. Ao contrário, cabe a nós avaliar quais dores estamos sentindo em cada momento, pois assim como a dor física nos alerta para um problema físico, outros tipos de dor – de cunho emocional, por exemplo – também nos alerta para um desajuste no nosso campo emocional. E essas, por serem de uma natureza mais sutil, tendem a ser mais facilmente ignoradas; porém, causam tanto estrago em nosso mundo psíquico quanto uma dor física.
Aprendendo a lidar com diferentes tipos de dor
Quem nunca se pegou falando as seguintes frases: “O mundo é muito injusto comigo”, “Só acontece tragédia na minha vida”. É comum ouvir tais expressões no dia a dia de pessoas que estão passando por problemas em diversas áreas da vida. Elas mentalizam e desejam que tudo passe e seja resolvido com um simples pulo do obstáculo. Mas, já reparou que as pessoas que esperam apenas os problemas passarem, continuam tendo as mesmas atitudes quando outros surgem?
Esses problemas, que nem sempre são físicos, nos geram muita dor. Quando passamos pelo fim de um relacionamento, por exemplo, ficamos magoados, tristes e geralmente culpamos o outro pelo desfecho da relação. Mas, será que essa dor emocional não está nos alertando sobre algo? Se aceitamos que a dor é um veículo de consciência, logo, o papel de uma dor emocional está em ampliar nossa percepção nesse campo da vida. Nesses momentos é válido refletir sobre a relação e o que, de fato, deu errado.
Muitas vezes, somos levados por inseguranças e carências, e acabamos em relacionamentos que não nos fazem bem. Quando somos movidos por essas duas forças, é natural que encontremos pessoas que não nos fazem bem, mas que apenas alimentam tais aspectos em nossa vida. Assim, ao sentirmos uma dor emocional, não deveríamos refletir sobre como lidar com a insegurança e a carência, visto que essas foram as causas que levaram para um relacionamento?
Geralmente não fazemos isso. Em momentos de tristeza, acabamos nos afundando ainda mais na melancolia, quando, na verdade, esse seria o momento ideal para refletir. Fazendo uma relação com a dor física, é como sentir uma ferida que está aberta, sangrando, e, ao invés de cuidar dessa ferida, ficar abrindo-a cada vez mais, fazendo com que ela nunca sare, deixando-a exposta a outros tipos de dor.
Para aprender a aplacar nossas dores, é preciso, portanto, conhecê-las. Por isso, o autoconhecimento é um processo fundamental na cura e no desenvolvimento da consciência, pois sem isso jamais poderemos avançar e ficaremos sofrendo pelos mesmos problemas.
Por outro lado, à medida que ignoramos essas dores “invisíveis”, acabamos fugindo dos problemas e, sem perceber, somos conduzidos por nossos traumas a uma vida limitada. Uma pessoa que não encara suas dores, sejam elas físicas ou psicológicas, passará o resto da vida pulando desafios e reclamando de sua vida. Como ficar bem deste jeito?
O poeta Carlos Drummond de Andrade dizia que “a dor é necessária, mas o sofrimento é opcional”. Ou seja, reclamar dos problemas, dos desafios, da dor, não vai resolvê-los. Mas para crescer na vida, é preciso enfrentá-los. Sabemos que há uma tendência natural do ser humano à reclamação, afinal, quando sentimos dor, queremos chorar, gritar. Porém, nem o choro e nem o grito resolvem o problema em si. Do mesmo modo, reclamar das dores psicológicas que sentimos, seja no campo emocional ou mental, não nos fará melhorar. Uma atitude madura é a de lidar com as nossas dores sem cair no sofrimento ou na autopiedade.
Para tanto, requer uma vontade de aprender e construir uma relação melhor com a dor. Por vezes, precisamos aprender não apenas a lidar com a nossa dor, mas também com as dores que os outros sentem.
Um exemplo muito claro desta situação de fuga da dor é a superproteção materna. Imagine uma criança que não sabe como o mundo funciona e não sabe dos problemas que existem na sociedade. A mãe a mantém num mundo seguro, onde tudo é fácil e sem dor. Quando esta criança é exposta à realidade, ela sofrerá muito mais porque não vivenciou dificuldades. Os obstáculos da vida fortalecem o corpo e a mente, e é assim que vem a evolução pessoal.
A mãe, que em seu papel maternal tentou proteger seu filho a qualquer preço, não o ensinou a lidar com o mundo e suas dores, fazendo com que ele continuasse a sofrer na fase adulta. Nesse sentido, ao querer evitar que o filho sentisse dor, ela gerou um dos piores sofrimentos à sua prole: a de não aprender a lidar com o inexorável da vida.
Por isso, a necessidade de saber lidar com a dor e de perceber que esta, apesar de desconfortável, cumpre um papel fundamental em nossa existência. Urge, portanto, adquirir cada vez mais autoconhecimento para entender as dores que sentimos e aplacá-las da maneira correta. Junto a isso, é importante entender e ensinar a todos que a dor não é ruim, mas sim uma oportunidade de aprendizado.
Por isso, quando surgir um obstáculo, um exercício é refletir sobre quais aspectos a vida está querendo que eu cresça como ser humano, ou seja, quais Virtudes precisam ser desenvolvidas em mim. A partir destes questionamentos, pode-se encontrar formas para resolver o enigma, por mais que haja dor, pois é através dela que ocorre a evolução.
Ouça também o nosso Podcast: “A Dor Como Processo de Evolução”.