O que nos move? Para os mais céticos, o impulso do movimento é somente a energia que conseguimos através da alimentação e respiração, elementos essenciais para nos manter vivos. Entretanto, isso não é suficiente. A humanidade, desde tempos imemoriais, vem desenvolvendo habilidades e tecnologia capazes de melhorar nossa vida cotidiana, descobrir os mistérios do mundo e até mesmo refletir sobre os mais profundos conhecimentos do Universo, decifrando assim as leis que regem o cosmos e a nós mesmos. Qual foi – e é – o motor disso tudo?
A literatura nos ajuda a desvendar a resposta para essa pergunta. Já dizia o escritor Simon Sinek: “Nós precisamos sonhar. Se não, como faremos um futuro que ainda nem existe?”. O sonho é o motor da humanidade e podemos confirmar isso. Só avançamos para o futuro, ou seja, o construímos, como Sinek mesmo aponta, a partir de uma ideia, de um projeto perfeito acerca do que precisamos melhorar. Assim, sonhar com um cenário utópico é somente o primeiro passo para a construção desse local.
A frase de Sinek consegue sintetizar nossa verdadeira necessidade de cultivar os sonhos e a importância por trás deles, afinal, tudo o que somos hoje e tudo o que veremos no futuro é fruto de um sonho. A grande pergunta que devemos nos fazer, contudo, é esta: será que estamos sabendo sonhar? Por causa da sociedade em que vivemos, é comum confundir sonhos com projetos. Enquanto projetos são as conquistas materiais que almejamos, sonhos estão diretamente relacionados ao Ser, é aquilo que, quando alcançado, fará de nós novos seres humanos, pessoas melhores e capazes de transformar o mundo.
Colocando em exemplos, podemos falar em “projeto” quando pensamos em construir uma família, em começar um novo empreendimento e até mesmo em planejar a aposentadoria. Os sonhos, por sua vez, são muito mais caros à nossa alma. Participam de um outro patamar da realidade e estão diretamente ligados à nossa evolução. Os sonhos são, em síntese, reflexos dos ideais que cultivamos em nossa alma. E se hoje sentimos que carecemos de sonhos, talvez seja porque, infelizmente, o mundo atual não foi pensado para idealistas.
Apesar de parecer uma realidade triste, é fundamental constatar uma realidade atemporal: somente os sonhadores mudam o mundo. Olhar para a nossa vida atual e achar que “não há o que melhorar” ou esperar por alguém que transformará nossa sociedade não fará, objetivamente, diferença nas mazelas e problemas que encaramos todos os dias. Para ocorrer mudança, é preciso que haja movimento, mas não qualquer tipo de movimento: um que tenha como base uma ideia, um sonho que guie e permita que outras pessoas também sonhem.
Voltando mais uma vez para a literatura, temos a figura de Dom Quixote, o cavaleiro andante de Cervantes. Dom Quixote era, objetivamente, um idoso que se encantou pela nobreza dos contos de cavalaria e tentou ele mesmo ser um cavaleiro. Honrando as virtudes desses nobres combatentes, saiu pela Europa combatendo gigantes – que eram moinhos de vento – e resgatando donzelas de perigos mil. Para muitos, que se apegam à narrativa literal do texto, o Quixote nada mais era do que um louco, um senhor de idade senil que se perdeu em seus devaneios. Porém, a verdadeira mensagem de Cervantes é a de que os sonhadores são capazes de guiar sua vida por uma realidade muito mais nobre do que a objetividade que enxergamos. Também são capazes de ver o que ninguém vê (talvez por isso sejamos loucos). No caso de Dom Quixote, sua “loucura” foi, a bem da verdade, viver a nobreza e os grandes ideais da cavalaria em um mundo deturpado e que já não encontrava em si respostas virtuosas frente aos problemas comuns.
Visto isso, podemos constatar que cada vez mais não vivemos sonhos, mas somente projetos. Estes nos trazem alegrias momentâneas, isso é inegável, porém, já perceberam que rapidamente se esvaziam? Ao realizá-los, nos sentimos felizes, mas eles por si só não se sustentam; e não tarda já estamos criando novos projetos. Podemos dizer, portanto, que eles não dão um real sentido à nossa vida. Isso acontece porque somos influenciados pelo que a sociedade espera que conquistemos ao longo dos anos.
Esse materialismo, por sua vez, acaba em diversas ocasiões por nos afastar do nosso verdadeiro foco, aquilo que justifica nossa Vida e valoriza nossa participação na evolução do mundo em que vivemos. Sonhos devem sempre ser sobre o que queremos melhorar em nós mesmos para que possamos nos tornar virtuosos. Sonhar é curar os conflitos mal resolvidos que temos com nós mesmos e buscar melhorar nosso autocontrole, nossa humildade, nossa responsabilidade, nossa paciência, nossa generosidade e muitas outras virtudes.
Mas atenção, sonhos não se realizam por conta própria. Para simplificar, façamos um exercício rápido: Pensemos em um sonho que desejamos demais e ainda não fomos capazes de alcançar. Pensou?! O que faltou, ou está faltando, para que ele se torne realidade? Um emprego melhor? Maior poder aquisitivo? Mais estudo? Mais reconhecimento? Se você respondeu sim para alguma dessas perguntas você está equivocado. Se um sonho está sempre relacionado ao nosso Ser, para atingi-lo, precisaremos criar metas também relacionadas a isso.
O mesmo planejamento e esforço que precisamos ter para realizarmos um projeto também é necessário para conquistarmos nossos sonhos. Precisaremos criar metas de curto, médio e longo prazo para que possamos ir conquistando-as aos poucos, não esquecendo que teremos momentos de vitórias e de derrotas na caminhada. Mas não desanime, pois a constância e perseverança são virtudes essenciais dos grandes sonhadores.
A fim de facilitar a compreensão, peguemos por exemplo a já citada virtude da Perseverança. Nós começamos a conquistá-la em nosso dia a dia, em tarefas simples, como quando não desistimos de ler uma notícia por ser longa; quando decidimos continuar estudando, mesmo sabendo que levarão quatro, seis, oito anos até nos graduar; quando continuamos lutando para conquistar nossos projetos, por mais difíceis que eles pareçam ser; e assim sucessivamente.
Observe que para podermos conquistar nossa sonhada virtude, precisamos nos relacionar bem com as experiências do mundo material, uma vez que não basta elegê-la como meta a ser alcançada, mas precisamos, principalmente, atuar na prática para que ela se manifeste na nossa vida.
Por fim, não podemos esquecer que é imprescindível termos uma visão clara sobre nós mesmos, para podermos então identificar qual virtude precisamos sonhar em viver, e assim, criar metas diárias para atingi-la. Frente a essa realidade, não existem sonhos impossíveis, mas sim impossibilitados. Talvez não nos tornemos o que sonhamos amanhã, mas é preciso nunca esquecer desse referencial, pois ele será como uma estrela em meio à escuridão e guiará nossas ações, dia após dia, até chegarmos ao nosso destino final.