Somos seres completos? A resposta para essa pergunta é complexa, pois do ponto de vista biológico o ser humano é quase perfeito. Nossas funções vitais funcionam de maneira harmônica, e podemos dizer com relativa segurança que um indivíduo adulto pode ser – e é – completo. Porém, a discussão não acaba por aí, uma vez que somos seres que dependem da associação. Sobrevivemos enquanto espécie através de uma cooperação inteligente, na qual formamos redes de “alianças” e nos protegemos de ameaças em grupo. Desde a nossa pré-história, fizemos isso e ainda hoje continuamos a fazer.
Desse ponto de vista, podemos dizer que não somos seres completos, pois dependemos uns dos outros para sobrevivermos com relativa eficácia. Há ainda, uma outra espécie de completude que pouco tem a ver com nossa sobrevivência ou vida em comunidade. Também é natural que nossos instintos nos façam procurar parceiros (as) para garantir a perpetuação da espécie, mas não fazemos isso apenas de modo instintivo, pois desenvolvemos uma relação emocional profunda por uma série de pessoas ao nosso redor. Assim passamos a cultivar sentimentos como o amor, a amizade, a fidelidade, a lealdade e outra gama de virtudes que nos ligam aos demais seres humanos.
Com tantos sentimentos à flor da pele fica difícil falarmos que somos, de fato, completos quando estamos sozinhos. Como nos fala o poeta Tom Jobim, “é impossível ser feliz sozinho”, pois precisamos estar juntos de outras pessoas que nos façam enxergar o valor desses nobres sentimentos. Talvez por isso vejamos que o ser humano nunca está satisfeito e vive à procura de maneiras para se sentir preenchido.
Procuramos nos realizar em diferentes dimensões de nossa vida. Buscamos, por exemplo, realizações no campo emocional, no físico, no profissional e em tantas outras áreas de nossa vida. Essa busca de completude foi de grande importância para a criação do conceito de “Alma Gêmea”, que aparece em diferentes contextos ao longo da História, embora, na maior parte do tempo, esteja ligado principalmente à parte afetiva.
Uma das análises que melhor descreve a relação humana com o amor foi apresentada pelo filósofo neoplatônico Plotino. Para explicar sua ideia sobre o amor, ele usou a mitologia como base e disse que esse nobre sentimento tem, em geral, dois aspectos: um terrestre e outro celeste. O amor terrestre, que ele chamou de “Vênus Pandemus”, estaria ligado às relações físicas e às paixões. Essa Deusa seria filha da abundância e da carência, dois opostos entre os quais, em geral, o amor nos faz pendular.
Quem de nós, por exemplo, nunca se sentiu carente ao ponto de desejar amar alguém apenas para suprir essa necessidade? Por outro lado, quantas vezes sentimos uma paixão tão forte que parece que essa emoção vai transbordar em nosso peito, tamanha a euforia que ele nos causa? As paixões têm, afinal, o exagero como característica principal, e ele pode se expressar dessas duas formas: ou amamos e não somos correspondidos, e daí surge a carência; ou amamos de forma desmedida ao ponto de não conseguirmos fazer mais nada em nossa vida, a não ser estar ao lado do ser amado.
Por isso que “Vênus Pandemus” representa, de forma geral, os amores rasteiros, comuns, próprios da matéria e do tempo. Muitas vezes buscamos esse tipo de amor para nos completar, pois, como já falamos, nos sentimos sozinhos e incompletos. Entretanto, há um amor superior, notadamente voltado para o divino e o celeste.
Esse Plotino chamou de “Vênus Urânia”. Essa Deusa tem como característica a atemporalidade do seu sentimento, voltando-se ainda para o mais divino em nós e no Universo. Para termos uma imagem mais compreensível desse amor atemporal, podemos nos valer da relação entre uma mãe e seu filho, afinal, não importa as circunstâncias: a mãe jamais deixará de amar o seu filho, mesmo que este não esteja perto, vivo ou mesmo que não seja merecedor desse amor.
Assim, concluímos que a pureza do amor celeste é a principal característica dessa Deusa, e o Filósofo Neoplatônico aponta essa relação como a mais digna e bela que pode existir, que nos preenche e nos completa quando a sentimos.
Esse tipo de amor, portanto, não depende da reação do outro. Não se ama por correspondência, mas sim por uma atitude individual. Isso porque o amor celeste, que é mais sublime e puro, não precisa de motivações externas e, por conta disso, também foi chamado de “utópico”.
Essa expressão também nasceu de outro Filósofo no qual Plotino se apoiou: Platão. Para este último, o amor mais profundo não depende do outro, mas é uma ação própria daquele que decide amar. Esse amor “ideal”, de que nada precisa e nada exige é tão raro nos dias atuais que convencionamos a usar a expressão “Amor Platônico” para um tipo de amor que nunca se realizará. Consequentemente, não conseguimos nos sentir completos neste nível, pois nos falta muito a aprender sobre o amor. Em geral vivemos conforme o amor terrestre – Pandemus -, que exige e cobra do outro atenção, carinho e proximidade.
Dito essas observações, é importante entender que mesmo não sendo expressado nos aspectos mais superficiais, se duas ou mais pessoas estão unidas por um mesmo Ideal de vida, elas estão vivendo o verdadeiro “Amor Platônico“, elas são almas irmãs, ou “Almas Gêmeas“. Vale lembrar que o esse amor sublime não é expressado apenas por outras pessoas ou de forma romântica. A bem da verdade, o “Amor Platônico“, como vimos, está diretamente ligado ao que é atemporal e, portanto, é possível amar ideias ou ideais.
O Filósofo, por exemplo, é, por excelência, um amante da sabedoria e pode viver esse tipo de amor uma vez que busca amar o saber, que é, em essência, atemporal. Essa relação pode ser vivida como amigos, família, casal ou mestre e discípulo, essas almas sempre vão trabalhar juntas, em direção ao mesmo sonho, mesmo que se passem várias vidas.
Em nossa sociedade atual, por causa da necessidade que temos de nos completar a qualquer custo, nos entregamos às alegrias passageiras e mutáveis – bens, paixões e instintos – e acabamos nos distanciando do que é sagrado, consequentemente nos afastando do que realmente nos completa. Vivemos apenas em função dos nossos prazeres físicos e emocionais, deixando nossa missão divina em segundo plano.
Dito tudo isto, afirmamos que não é errado procurar o que nos falta nos aspectos material e afetivo, desde que estejamos em equilíbrio com a nossa parte divina. Portanto, só encontraremos o que realmente nos completa quando soubermos, em primeiro lugar, encontrar a felicidade em nós mesmos. Parece egoísmo, mas enquanto estivermos preocupados em buscar a pessoa que nos completa, não seremos capazes de enxergar as coisas como elas são, a não ser uma projeção de nossas necessidades.
Nas fotos acima, fizemos questão de selecionar situações e locais onde ao mesmo tempo que podemos desfrutar das realizações passageiras, nos permitem aproveitar também os sentimentos mais profundos de nosso lado espiritual, quando entramos em contato com o divino.