Como dissemos no vídeo, não há um único problema porque passa a humanidade que não tenha algum grau de egoísmo como causa. Nem os grandes desafios que enfrentamos coletivamente, nem os pequenos desafios que enfrentamos cada um trancado em seu quarto. Por exemplo, atualmente milhares de homens morrem de fome. E não é por falta de comida, uma vez que a humanidade já tem capacidade para produzir alimento em quantidade suficiente para alimentar todas as pessoas do mundo. O que impede então que eles recebam a comida de que precisam? Uma mentalidade que domina nossa psique e diz que o que vai equilibrar a distribuição dos bens materiais é a busca egoísta pelo máximo benefício. Na verdade, o que mata a nós, Seres Humanos, é a falta de Fraternidade. E a Fraternidade falta sempre que eu amo mais a mim mesmo do que ao meu próximo. Pronto! Achamos o egoísmo. E o que dizer de quem chora a perda de um grande amor que encontrou um outro alguém? Derretendo em lágrimas, nesse contexto, é comum que entre um soluço e outro, digamos que sofremos porque amamos demais. Caberia uma reflexão crucial aqui. Se amamos de verdade uma pessoa, queremos que ela seja feliz, independente de quem seja sua companhia, qual o emprego escolheu, ou que time torce. E se nosso grande amor anda amando e é correspondido, por que nos entristecemos? Talvez, seja porque nossa dor é por nós mesmos, porque desejamos mais a nossa própria felicidade do que a da pessoa amada. Bingo! Completamos a cartela do egoísmo.
Para refletir sobre um tema tão profundo e complexo, nosso conto de hoje é bem oportuno. Ele nos mostra um reconhecido primeiro ministro chinês, da Dinastia Tang. Um homem generoso e bem sucedido que demonstrava uma vontade sincera de seguir os passos do Buda. Um olhar distraído sobre ele poderia nos levar a pensar que não padecia do mal do egoísmo, ninguém podia negar que ele era um homem bom. Afinal, ainda que fosse uma autoridade importante, ele era humilde, desapegado de bens materiais. Mas, um bom mestre quando olha para seus discípulos, por amá-los de verdade, vê além do casulo de carne que lhes envolve a alma. E sabe que sempre temos como caminhar mais um passo. O mestre de nosso conto viu o egoísmo do primeiro ministro e o ensinou uma importante lição. Ele estava muito apegado à sua reputação, aos seus títulos, a sua posição, ainda que aparentemente não tivesse consciência disso. Mas, bastou ser insultado para perder o controle de suas emoções. Sua reação mostrou que naquele momento ele amava mais o fato de ser tratado como primeiro ministro, do que a seu mestre…
O Buda Sidarta Gautama nos disse: A chuva flui para dentro de uma casa com telhado mal construído, assim como os desejos fluem para dentro de uma mente mal treinada. E todo egoísmo é filho de um desejo. O desejo de satisfazer a si próprio. E esse desejo surge de uma mentira. Uma mentira tão bem contada que toda a Humanidade acredita nela. Helena Pretrovna Blavatsky, grande pensadora do século XIX, esteve no Tibet e de lá nos trouxe trechos de uma obra muito profunda e simbólica: A Voz do Silêncio. Nela há uma ideia poderosa: a de que o maior mal presente em nossa Humanidade é a Grande Heresia da Separatividade. Essa ideia de que somos um coletivo de individualidades separadas por espaços vazios. Em outras palavras, o conceito de que existe eu e você e entre nós dois um não-ser. Esta é uma noção tão frágil quanto um cristal. Ninguém pode ser sozinho. Toda nossa cultura e a percepção de quem nós somos vem do fato de que vivemos juntos. Juntos com outras pessoas, com os animais, as plantas, o vento, o mar, o sol, a lua, as estrelas… Estamos todos interligados numa cadeia de causa e efeito que, para a tradição budista, ultrapassa até mesmo o tempo de uma vida. Para notar evidências de que não existe separação, lembremos que se a estrela Eta Carinae, distante sete mil e quinhentos anos-luz da Terra, explodisse gerando uma supernova, passaríamos dez “dias” sem noite. E que se exterminarmos as pequeninas abelhas, poderemos estar condenando todo o planeta a uma tragédia. Desde o macro, até o micro, estamos ligados a tudo.
Estamos tão convictos dessa ideia falsa de separatividade que criamos toda uma civilização que reforça o individualismo, e morremos de medo de qualquer coisa que ameace nos tirar a “identidade”. Esta palavra está entre aspas com um propósito. Será que é a identidade que difere totalmente um homem do outro? Ou será que há uma assinatura de espécie, tal como observamos entre as mais diversas famílias de seres? O que nos define como “Humanos”? Não é um corpo físico, porque todos os demais seres conhecidos o têm. Nem é o fato de ter vitalidade e se movimentar, porque até as plantas se movimentam (nem que seja para cima, crescendo). Seria a possibilidade de sentir emoções? Não pode ser isso, pois qualquer animal se enfurece, sente prazer e dor. O que nos dá alguma distinção é que possuímos uma mente autoconsciente. Mas, muitos de nós usamos essa mente de uma forma egoísta…E sempre que fazemos isso, estamos mais próximos de sermos animais que propriamente Humanos.
Imagine um só exemplo de Ser Humano, um modelo que você acredita que, se fosse copiado por todos, o mundo seria melhor. Imaginou? Provavelmente, você o considera modelo por causa de alguma de suas Virtudes. Quer seja a Generosidade, a Disciplina, a Honestidade, entre outras. E toda Virtude é algoz do egoísmo em algum grau. O que define um Ser Humano como tal, é o quanto ele pode colocar essa mente autoconsciente a serviço dos demais. E o melhor caminho para fazer isso, é entender, investigar e aceitar o fato de que só existe o “nós”. Quando amamos ao próximo como a nós mesmos, porque eles também fazem parte do “nós”, vencemos o egoísmo, qualquer que seja o plano em que ele se expresse. Se nos tomam a túnica, oferecemos a capa; se nos batem uma face, não nos incomodaremos em oferecer a outra; não estaremos apegados a nada que nos limite; não seremos apenas pequenos primatas com massa encefálica desenvolvida e polegares opositores; não seremos simples animais, seremos Humanos com “H” maiúsculo e seremos também toda a Humanidade, com todas as suas dores, mas também com todas as suas possibilidades de Vida.
Assim, nosso inimigo real é o egoísmo. Ele não tem cor, não tem sexo, não tem classe social, não tem religião, não pertence a nenhum partido político. Ele está em nossa própria mente. Uma ideia que faz, tanto no plano físico, quanto nos planos mais sutis, nos apegarmos a nossa parte limitada, em detrimento do Todo. É hora de lutarmos contra esse inimigo. Lembre-se de que não conseguiremos derrotá-lo sozinho.