“Era uma vez…” Certamente, essa é uma frase que conhecemos muito bem. Quantas vezes não fomos dormir embalados pelos encantos dos contos de fadas? Momentos mágicos que faziam fervilhar nossa imaginação, em torno da saga de vários heróis e princesas que, motivados por sentimentos altruístas, realizavam missões quase impossíveis nas condições mais adversas. Narrativas interessantes que prendiam nossa atenção, e o tempo ganhava outra dimensão. Uma espécie de licença poética era concedida à nossa mente que começava a criar imagens, associadas a sentimentos e ensinamentos, que nos acompanham até hoje. A razão parecia entender claramente que, no território dos contos de fadas, a sua compreensão lógica era limitada e precisava ceder espaço para uma outra possibilidade de leitura. Diante disso, sabíamos que o mais importante não era provar a origem das histórias, se aconteceram ou em qual espaço de tempo houve o ocorrido. Na verdade, o que mais nos interessava eram os valores que podíamos apreender através das aventuras dos personagens, como se algo em nosso interior já soubesse que, em alguma medida, as histórias desses heróis revelavam um pouco de nossa vida e de nossa própria condição humana.
É preciso que, inicialmente, se estabeleça quais as diferenças entre os mitos, os contos de fadas e as fábulas, uma vez que cada uma dessas narrativas expressa a história contada através de olhares metafóricos, e ressignifica a realidade sob prismas diferentes.
O mito é uma narrativa de caráter simbólico que procura explicar e demonstrar, por meio da ação e do modo de ser dos personagens, a origem das coisas. Os seus conteúdos são simbólicos, curtos e carregam profundos conhecimentos sobre a condição humana. Comenta-se que a sua origem remonta às antigas escolas filosóficas, que os produziam com o objetivo de guardar e transmitir importantes conhecimentos às próximas gerações, evitando assim que determinados aprendizados caíssem em mãos erradas. Para se entender um mito, o indivíduo precisa desenvolver uma linguagem simbólica a fim de decodificar a mensagem em seu interior. Portanto, uma pessoa que só compreende e se restringe à realidade material, tem dificuldades para fazer uma leitura simbólica, tanto dos fatos da vida, quanto dos grandes mitos. E, desse modo, os mitos se tornaram valiosas pérolas de ensinamentos, porém visíveis somente àqueles que têm “olhos para ver”.
Os contos de fadas, longe de serem destinados apenas ao mundo infantil, são voltados para todas as idades, pois são considerados fragmentos míticos, e assim como eles, têm as suas temáticas voltadas a um caráter mais universal. Para alguns especialistas mitólogos, essas narrativas, em sua maioria, não são criações populares, mas transmissões de conteúdos que nasceram ou derivaram diretamente dos mitos. Elas trazem consigo conteúdos importantes sobre o mundo, o homem e a vida, mas é necessário que o leitor possua uma certa dose de intuição, porque sempre há algo oculto a ser desvelado. Engana-se aquele que olha para esse tipo de narrativa e vê apenas estórias bobas e meramente fantasiosas.
Geralmente, os contos de fadas começam com a expressão “Era uma vez…” e tem como personagem principal um príncipe que recebe a nobre missão de resgatar uma princesa de algum monstro, que a mantém escravizada por algum motivo injusto. O virtuoso príncipe, consciente do seu dever, aceita a missão e, motivado por um sentimento altruísta, segue para salvar a donzela. Durante o percurso, o príncipe enfrenta as condições mais adversas e depois de vencer todas as provas, salva a princesa, une-se a ela e… “Vivem felizes para sempre”.
Se conseguirmos ultrapassar a camada romântica da história, com um pouco de esforço e algumas chaves simbólicas, poderemos perceber que o nosso príncipe, assim como Hércules, Odisseu e tantos outros heróis, passaram por provas, que representam este enfrentamento a si mesmos, e após superar todas as batalhas, com o poder do autodomínio, são coroados com a conquista da sua dama. O personagem feminino aqui, geralmente representa a própria Alma Humana. Em outras palavras, toda essa estrutura narra a jornada do Ser Humano em busca da sua própria essência.
Porém, com o aumento do materialismo na sociedade e, consequentemente, a diminuição da capacidade de uma leitura mais simbólica para a compreensão da vida, essas narrativas foram se desmitificando, foram perdendo a sua dimensão mítica para poderem se adequar às exigências da racionalidade técnica do mundo atual.
Hoje, embora os mitos antigos sejam adaptados para o cinema, para as histórias em quadrinhos e estejam muito vivos nesse sentido, perderam muito a sua dimensão metafísica, transcendente… As suas representações reduziram-se a apelos cinematográficos, cheios de efeitos especiais, e as interpretações destes símbolos não tem mais a ver com a essência espiritual, ou com questões metafísicas, mas sim com conflitos sociais, com a guerra de classes ou com a opressão de um grupo sobre o outro.
Dentro desse gênero narrativo, também se incluem as fábulas, que são um tipo de texto alegórico, geralmente escrito em prosa ou verso, no qual os animais assumem características humanas como a fala, os costumes e os comportamentos. Vale ressaltar que nesse tipo de texto já não há mais um conteúdo simbólico, mas apenas o conteúdo moral. Por exemplo, se em “A Branca de Neve”, a sua pele branca, seus lábios vermelhos e seus cabelos negros são símbolos que têm uma relação com os conhecimentos da Alquimia, na fábula “A Raposa e as Uvas”, a moral é muito clara e objetiva: “É fácil desprezar aquilo que não se pode obter”, e não há símbolos para serem interpretados.
Estabelecidas as diferenças das formas citadas acima, podemos compreender que essas formas de narrativas são meios de transmitir valores atemporais. O mito possui uma estrutura mais rica e profunda, em que cada elemento possui um significado. Por esse motivo, tais mistérios só são revelados completamente aos “sábios”, ou“Iluminados”. Já os contos de fadas são como adaptações dos mitos, retirados de um contexto místico-religioso, mas que ainda preservam muita sabedoria que pode ser extraída de sua estrutura narrativa e de alguns símbolos; Por fim, as fábulas são como “a última resistência”, na batalha pela elevação espiritual da humanidade, pois, apesar de possuírem um conteúdo muito simples e direto, transmitem ensinamentos morais mesmo a quem não tem a mínima capacidade de interpretação simbólica.
Com isso, fica claro que, quanto mais os indivíduos desenvolvem uma mentalidade simbólica, mais se pode aprender com os mitos sobre os profundos mistérios da Vida, que são impossíveis de se explicar através de uma linguagem objetiva. Por outro lado, quanto menor a capacidade simbólica, mais dependente se fica das fábulas, para que se possa ter ao menos uma referência moral deixada pelas culturas passadas. Dentro dessa gradação, o contos de fadas marcam o ponto médio, que nos aponta que não somos sábios, mas que podemos chegar a ser um dia, pois compreendemos que existe algo a ser desvendado por trás de cada história. Assim, ao contrário do que muitas pessoas pensam, os contos infantis não são frutos de fantasias ou imaginações, e que podem provocar alienações nas nossas crianças. Na verdade, nos contos de fadas podemos ter a chance de entrar em contato com nós mesmos, com a nossa condição humana. A partir disso, podemos explicar o nosso encantamento diante dessas narrativas, onde, mesmo ouvindo variadas versões da mesma estória, e já sabendo do final desde o início, sempre ficamos atentos e encantados. No fim das contas, o que realmente queremos alcançar são aqueles sentimentos e aquela sabedoria que existe dentro de nós, e que são estimulados ao visualizarmos as cenas narradas.
Então, meus caros, que possamos manter o nosso encantamento por essas estórias, que possamos mergulhar no atemporal do “Era uma vez…” e redescobrir os nossos heróis. Que possamos compreender as nossas provas diárias, que possamos superá-las e conquistar todo o nosso potencial humano que está aprisionado injustamente nas mãos de algum monstro… E que encontremos os “olhos” corretos para ler as pérolas presentes nessas narrativas, e na nossa própria Vida!
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